
Sítio internético onde todos os assuntos teológico-eclesiásticos podem aparecer. “Se a Igreja de hoje não reconquistar o espírito de sacrifício de seus primeiros tempos, perderá sua autenticidade, a lealdade de milhões, e será relegada à categoria de um clube social sem importância, sem significação no século vinte.” (Martin Luther King)
sábado, 25 de julho de 2015
Bereano: Resenha da obra Em seus passos o que faria Jesus?
quarta-feira, 22 de julho de 2015
Rodrigo Gurgel: "os 10 livros que mudaram minha vida"
10 livros que mudaram minha vida
ESCRITO POR RODRIGO GURGEL | 21 JULHO 2015
ARTIGOS - CULTURA
Fonte: midiasemmascara.com
Se Edmund Wilson me vacinou contra os estruturalistas, Olavo de Carvalho me vacinou contra o marxismo e a intelectualidade materialista, hedonista e cética que pontifica na mídia e na universidade brasileiras.
De Euclides da Cunha, (1) Os Sertões foi o primeiro livro que estudei com o olhar de leitor malicioso — não no sentido de “má índole”, o mais comum entre nós, infelizmente, mas no sentido de “astúcia”, “sagacidade”. A motivação veio de Paulo Vieira, meu professor de português no velho Instituto de Educação, em Jundiaí. Quando comecei “A Terra”, tive uma vertigem: aquilo era incompreensível — o livro exigia muito mais que um dicionário constantemente aberto ao meu lado. Foi, aos 17 anos, o primeiro lampejo de que as melhores obras literárias estão além, muito além do que o leitor inocente vê no seu contato superficial, passageiro. Ir e voltar pelas páginas, descobrir a musicalidade que a linguagem pode alcançar, sentir que aquele livro estava além dos meus conhecimentos — tudo me impulsionava a ir adiante, a perseverar.
Descobri (2) John Keats de forma inesperada. Era o primeiro dia de aula na universidade. E a primeira aula do primeiro dia. Meu professor de Teoria da Comunicação, Flávio Vespasiano Di Giorgio, tirou o maço de Continental sem filtro do bolso rasgado da camisa, acendeu um cigarro, sentou sobre a mesa e, olhando para o vazio, agitando um pouco no ar seus dedos manchados de nicotina, começou: “A thing of beauty is a joy for ever…”. Quando terminou, o feitiço estava lançado: manhã após manhã eu tentaria me vincular à terra, apesar do desespero, dos dias escuros e de todas as dúvidas que pudessem existir na minha alma. Desde aquele dia, não passa um semestre sem que eu releia o “Endymion” ou algum outro poema de Keats. Minha fascinação por ele foi semelhante à do próprio Keats por Homero: era como se eu tivesse descoberto um novo planeta.
Foi também Flávio Vespasiano Di Giorgio quem me despertou para Drummond. Em algum momento daquele primeiro semestre, interrompeu, como sempre fazia, seu raciocínio e começou a declamar “Campo de flores”. Comprei (3) Claro enigma depois da aula. E descobri “Tarde de maio”, “Remissão” — nada resta do que escrevemos, “senão contentamento de escrever”. E se busco “o fim sem a injustiça dos prêmios”, também me pergunto, até hoje, “Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar?”.
O início de (4) A Morte de Virgílio capturou-me: “a solidão do mar, ensolarada e todavia prenunciadora de morte”. Eu não sabia que a visão da armada imperial a cruzar o Adriático me levaria mais longe do que qualquer outro romance que eu tivesse lido. Com Broch descobri que a ficção não precisava estar presa aos temas comezinhos da literatura brasileira, às historinhas pérfidas, a permanentes universos mesquinhos, restritos à pelada no fim de semana,à libido insatisfeita, aos subúrbios, a casos de adultério e existências rasteiras.
(5) Lorde Jim e (6) A fera na selva confirmaram Broch. A grande literatura está muitos degraus acima de Capitu, Peri e Ceci, ou eternos retirantes esfaimados sem nenhuma dúvida interior. Conrad e James me mostraram que a grande batalha encontra-se no centro do nosso coração — essa é a única história sempre recontada. Sem o duelo permanente que ocorre na nossa consciência, a banalidade se instala na ficção — e é vendida aos incautos como o melhor realismo.
Em algum momento da década de 1970 comprei (7) Raízes da Criação Literária, de Edmund Wilson. Foi meu primeiro contato com uma crítica literária consistente, jamais sufocada pela erudição. Ao contrário, a erudição servia para tornar o texto sedutor, as idéias eram colocadas de forma clara — e o autor realmente dialogava com os livros. Ter lido um ensaio como “Filoctetes: a chaga e o arco” vacinou-me, percebi anos mais tarde, contra o estruturalismo ou a semiótica. Wilson foi o filtro que impediu minha contaminação completa. Na faculdade, forçado a me empanturrar com os textos tediosos de Roland Barthes, eu mantinha Wilson como uma referência lúcida, equilibrada.
A análise que Mario Vargas Llosa faz de Madame Bovary, em (8) A orgia perpétua, confirmou o que eu intuíra ao ler Wilson: na análise de um texto, era possível o detalhamento, digamos, quase científico, mas sem matar a obra, sem transformá-la num esquema, numa árvore de análise lingüística, sem endeusar a linguagem, sem desvincular a obra da realidade. Llosa me ensinou ainda mais: mostrou-me que o hermetismo das vanguardas, seu suposto espírito revolucionário, era um engodo. E por um simples motivo: o bom escritor carrega a ira de Flaubert — a ira que o salvou do “esteticismo hermético”. Essa ira, muitas vezes contra a própria humanidade, “infundiu em seus livros o vírus negativo que é o segredo da sua acessibilidade: para que um romance provoque dano é imprescindível que seja lido e entendido”.
Se Edmund Wilson me vacinou contra os estruturalistas, Olavo de Carvalho me vacinou contra o marxismo e a intelectualidade materialista, hedonista e cética que pontifica na mídia e na universidade brasileiras.
Depois de ler (9) O imbecil coletivo ainda militei anos na esquerda, mas o pensamento de Olavo permanecia — desculpem-me o chavão — como uma ilha de lucidez. Fazia com Olavo o que o diretor do Gabinete de Leitura Ruy Barbosa, em Jundiaí, fazia com Lênin nos anos duros da ditadura militar: guardava-o num armário bem fechado, em algum ponto sombrio da biblioteca. Eu me debatia com meus próprios pensamentos; repleto de dúvidas, observava a vida e meu trabalho seguirem destituídos de sentido. Ao mesmo tempo, percebia a tremenda incompatibilidade que havia entre o discurso dos “companheiros” e sua prática cínica, aética.
O Imbecil coletivo e tantos outros artigos de Olavo somaram-se a Isaiah Berlin — e então livrei-me do coscorão esquerdista. Olavo e Berlin foram meus guias no processo de rompimento definitivo não apenas com uma forma de pensar, mas com uma forma de viver. Ambos são intelectuais completos. Minha leitura de Berlin começou por seu ensaio “O ouriço e a raposa”, em (10) Pensadores russos, aula de crítica literária e cultural.
Foi um longo processo. Olavo de Carvalho e Isaiah Berlin ajudaram-me a abraçar aquelas verdades que sempre estiveram à mão, obscurecidas pelo meu esquerdismo. A primeira delas, a mais banal, é que justiça e liberdade jamais foram bandeiras exclusivas da esquerda. Aliás, a esquerda tem se notabilizado na história exatamente por, chegando ao poder pela via revolucionária, trair esses ideais.
Mas o que Olavo de Carvalho e Isaiah Berlin me oferecem não se resume a desacreditar do marxismo. Seria muito pouco para dois pensadores excepcionais. Eles me fazem refletir, como os outros livros que mudaram minha vida, sobre a existência, a literatura, a condição humana — e cada página deles acrescenta algo à minha Weltanschauung.
http://rodrigogurgel.com.br
sábado, 18 de julho de 2015
quarta-feira, 24 de junho de 2015
As Deficiências Linguísticas do Dicionário de Kittel
As Deficiências Linguísticas do Dicionário de Kittel
Barr (1961) foi o primeiro a sistematizar amplamente as incoerências linguísticas da obra de Kittel. Por causa da enorme influência de Kittel, Barr sente que os métodos correntemente usados na exegese bíblica dão evidência de um total desconhecimento dos princípios básicos da linguística e da semântica (CHILDS, 1961). Sua principal crítica é dirigida à ideia equivocada da singularidade da mentalidade hebraica. Segundo Barr (1961, p. 33), é extremamente ingênuo sugerir que a estrutura de uma língua possa refletir a mentalidade de um povo. Segundo ele, seria a mesma coisa de dizer que os turcos têm deficiência sexual porque sua língua não conhece diferenças de gênero. Outro aspecto, que também é duramente criticado por Barr, é a ideia de que a etimologia de uma palavra possa esconder uma subestrutura teológica.
O principal objetivo de Barr é eliminar a confusão que a obra de Kittel faz entre métodos teológicos e linguísticos. Segundo ele (1961, p. 5), a psicologia peculiar dos antigos israelitas, principalmente quando contrastada com a psicologia dos gregos, é tomada como sendo a chave tanto para os fenômenos linguísticos do hebraico quanto para a compreensão teológica da Bíblia. Assim, “problemas linguísticos básicos são ignorados, as línguas relevantes não são examinadas como um todo e o contraste entre o grego e o hebraico é distorcido porque é enfatizado sem levar em consideração uma escala linguística e um quadro de referência mais amplos” (SCOTT, 1962, p. 515-517). Barr constrói um caso contra os teólogos que se aventuram pelo terreno escorregadio da semântica bíblica sem o devido treinamento linguístico. De acordo com Scott (1962), os exemplos de Barr são, às vezes, divertidos. Apesar disso, são devastadores e de argumentação irrefutável. De acordo com Barr (1961, p. 270), a singularidade da linguagem e do pensamento bíblico deve ser estabelecida “pelas coisas que os autores dizem e não pelas palavras com as quais dizem essas coisas”. Por isso, para ele (1961, p. 272), a relação entre o significado das sentenças e o modo de sua expressão “é uma questão estilística”. Barr (p. 207) reclama que, a partir do que se percebe de seu vago prefácio, “Kittel parece nunca ter dado a devida atenção aos problemas linguísticos”, o que é inadmissível para alguém que se propôs escrever um dicionário.
As Dez Principais Deficiências do Dicionário de Kittel
As dez principais deficiências da obra de Kittel (1949) parecem esgotar os diversos erros passíveis de serem cometidos por um dicionário teológico do ponto de vista linguístico: (1) falta de articulação dos conceitos linguísticos; (2) negligência dos aspectos subjetivos e psicológicos da religião; (3) dependência excessiva da etimologia e das associações remotas; (4) falta de um método linguístico; (5) inconsistência terminológica; (6) oscilação entre os fenômenos linguísticos e as realidades teológicas; (7) tese de que “a linguagem do Novo Testamento tem, de forma bastante definida, um único propósito: expressar o que ocorreu, o que Deus realizou em Cristo” (KITTEL, 1949); (8) minimização das convenções sociais por causa da ideia de que as palavras são “vasos de cristal transparente cujo único propósito é fazer com que seu conteudo se torne visível” (KITTEL, 1949); (9) atribuição de papel autoritativo à etimologia; e (10) mau uso da lexicografia de Deissmann, praticamente distorcendo o que o famoso erudito postulou em relação à língua do NT. Como consequência dessas deficiências, a indicação semântica é negligenciada e os usos linguísticos não são percebidos. Por essas razões, Barr (1961, p. 215) chega à conclusão de que o DTNT não é, estritamente falando, um dicionário.
Exemplos das Deficiências do Dicionário de Kittel
A título de exemplificação, podem-se mencionar algumas situações encontradas na obra que refletem as deficiências descritas acima e outras tão comuns e igualmente prejudiciais ao efeito geral da obra.
Apelo injustificável ao sentido estrito. No caso de agathos (“bom”), a definição excessivamente dominada por dois textos (Mt 19:17 e Hb 9:11; 10:1) dá a entender que, no grego do NT, o termo só se emprega em relação a Deus ou à nova terra. Como a expressão também ocorre em relação à bondade dos homens (Mt 5:45), Grundmann, autor do verbete, argumenta que, “falando estritamente”, nada neste mundo merece o título de “bom”. De acordo com Barr (p. 220), “o apelo ao sentido ‘estrito’ é um apelo para que se passe por cima do que é, de fato, falado, em benefício de algo que parece teologicamente mais fundamental”. Dodd (1933, p. 283) já havia objetado especificamente a esse artigo, com a conclusão de que a falta de um método linguístico colabora para que o preconceito teológico se instale.
Oposição assimétrica. O Dicionário de Kittel estabelece um contraste indevido entre logos e mythos, no artigo escrito por Stählin. Com base na ocorrência dessas palavras em 1 Tm 4:6-7, Stählin postula que logos (“palavra”) tem que ter obrigatoriamente o sentido de alêtheia (“verdade”) porque, em contrapartida, mythos (“fábula”) tem sempre o sentido de “inverdade”. Essa suposição pode, no entanto, ser facilmente desmentida com recurso ao texto de 2 Tm 2:17, onde logos se refere ao discurso dos ímpios. Ou seja, há, nesse artigo, um caso de transferência ilegítima de totalidade. O articulista negligencia as relações sintáticas que estabeleceriam diferentes campos semânticos. Isto é, a oposição presente em 1 Tm 4:6-7 não se dá entre logos e mythos, mas entre hoi logoi tês pistêôs (“as palavras da fé”) e mythos. Embora mythos sempre se refira a uma inverdade, isso não significa que logos tenha por referência sempre uma verdade. De fato, o uso de ho logos com o artigo, no caso muito singular de João 1, produz um significado especial que não pode ser aplicado indiscriminadamente a outros casos simplesmente porque estes também contêm a palavra. Segundo Barr (p. 222), “uma simples relação sintática como o acréscimo de um artigo e a ausência de outra qualificação pode estabelecer um campo semântico tão diferente quanto aquele que seria criado pelo emprego de uma palavra diferente”.
Oposições distorcidas entre o grego helenístico e o grego do judaismo. No artigo sobre anagkê (“necessidade”) enfatiza-se o sentido abstrato da palavra no contexto do pensamento grego, e seu sentido concreto no contexto do pensamento hebraico. Por seu silêncio em relação ao uso concreto do termo no pensamento grego, o artigo acaba degradando a originalidade do mesmo e acentuando distinções que não se sustentam. A suposição moderna de que o pensamento grego tende ao abstrato e de que o pensamento hebraico tende ao concreto, aliada à imprecisão da metodologia linguística, acaba por criar predisposições teológicas que, de outra forma, não existiriam.
Exagero ao contexto helenístico quando conveniente. Na intenção de provar que a criação do mundo foi ex nihilo (“do nada”), o artigo sobre o verbo ktizô (“criar”) exagera seu uso no grego helenístico em relação à fundação de cidades. Nesse contexto, o verbo enfatizaria a atuação voluntária de um soberano no intuito de criar uma pólis onde antes não havia pólis alguma. Para realçar essa ideia, o articulista alega que é devido ao contexto da criação como fundação de uma comunidade que a Septuaginta (LXX) e o NT se abstêm de empregar o termo dêmiourgos (“artífice”), pois este enfatizaria a criação a partir de uma matéria preexistente. Trata-se, porém, de um argumento do silêncio que passa por alto que essa palavra tinha um sentido depreciativo no contexto helenístico por causa da objeção da aristocracia às atividades que envolviam o trabalho manual. Outro exemplo de exagero ao contexto helenístico pode ser visto no caso do verbete kairos (“período de tempo”). Segundo Barr (p. 226), a atratividade à teologia bíblica moderna da ideia de um tempo de decisão, ou de um momento para a atuação de Deus com Sua intervenção decisiva, levou o articulista a maximizar o sentido de “tempo crítico” de kairos mesmo diante do fato bem conhecido de que este sentido da palavra predominou no período clássico, mas não no período do NT, e de que esse uso linguístico não pode ser reconciliado com o de nenhuma palavra conhecida do hebraico antigo.
Anacronismos. O artigo de Schlier sobre a palavra hairesis (“partido”) a analisa à luz do preconceito com ela associado em épocas posteriores, cujo resultado foi entendê-la como “heresia”. O argumento do articulista não foi que a igreja era contra a formação de partidos, mas que o termo se opunha à palavra ekklêsia (“igreja”). A semântica é, então, abandonada em favor de uma história do conceito de heresia no cristianismo. Trata-se de mera fetichização, uma vez que, ao afirmar que se a ekklêsia tolerar hairesis, ela mesma se torna uma hairesis, Schlier não fornece a menor evidência de que esse sentido tenha sido formulado no período do NT.
Ênfase na história dos conceitos em vez de na história das palavras. O DTNT tem uma tendência à ênfase doutrinária por meio da história dos conceitos mais importantes da teologia sistemática. Assim, o artigo sobre hamartia (“pecado”) se torna uma exposição sobre a doutrina do pecado e o artigo sobre apokalyptô (“revelar”), uma exposição sobre a doutrina da revelação. De acordo com Barr (p. 231), a concentração nos usos teológicos das palavras produz seus resultados mais peculiares com palavras de aplicação geral como os advérbios, as preposições e as partículas. Isso levou Lindeskog (1936, p. 134) a declarar que, na análise dessas palavras, o Dicionário de Kittel se aproxima de um misticismo bíblico que, embora sublime, nada tem que ver com a realidade linguística das mesmas.
Confusão entre realidade linguística e realidade teológica. A explicação dada ao fato de que tanto a palavra paramytheomai quanto a palavra parakaleô tenham dois sentidos (“consolar” e “exortar”) se prende à ideia de que a consolação e a exortação sejam dois elementos intrínsecos à mensagem do NT. Ora, com isso, se dá uma explicação teológica para um fato linguístico adventício. Isto é, a consolação e a exortação são mesmo elementos indispensáveis à mensagem evangélica, mas não é essa a razão por que essas duas palavras têm ambos os significados. A relação entre consolação e exortação se manteria a mesma ainda que palavras diferentes fossem usadas, como acontece em português: “consolar” e “exortar”.
Transferência ilegítima de identidade. Mesmo quando existem artigos sobre expressões complexas como pais theou (“filho de Deus”) e laos theou (“povo de Deus”), essas expressões ainda são tratadas como se fossem palavras isoladas, sem consideração do contexto em que ocorrem. Assim, por exemplo, o contraste indevido entre laos (“povo”) e ethnos (“nação”) produz o resultado de fazer com que o significado de laos pareça ser sempre “povo de Deus” enquanto que o de ethnos (“nação”) pareça ser sempre “nação pagã”.
Etimologização. Baseado no fato de que logos (“palavra”) e legô (“dizer, colher, recolher”) têm a mesma origem etimológica, Kleinknecht (KITTEL, 1949, v. 4, p. 76) propõe que a palavra logos tenha o sentido básico de “coleção” a fim de explicá-la como significando “razão crítica e seletiva”. No entanto, não existe nenhuma ocorrência de logos na literatura antiga com esse sentido. Da mesma forma, embora Schlier admita que anakephalaioomai (“resumir”) se relacione etimologicamente a kephalaion (“resumo”) e não a kephalê (“cabeça”), ele não resiste à tentação de interpretar essa palavra de modo a relacioná-la a kephalê (“cabeça”). Com isso, ele pretende apresentar uma interpretação teológica mais espiritual para Ef 1:10. De acordo com Barr (p. 237-238), “é mais provável que Schlier, vendo a conexão entre a designação de Cristo como cabeça [Ef 1:22] e a soma de todas as coisas, não resistiu ao ímpeto de apontar... uma ‘relação’ etimológica entre as palavras gregas e de basear sua exposição em tal relação, embora soubesse que se tratava de uma etimologia incorreta”. Esse ponto já havia sido discutido antes por Dodd (1938, p. 293), com a mesma conclusão.
Considerações Finais
De acordo com Barr (1961, p. 231), a maior fraqueza do DTNT é seu fracasso de não conseguir relacionar as palavras que estuda a seus respectivos contextos semânticos. Além disso, é inadmissível que uma obra que se propõe servir de dicionário possa imaginar que o valor semântico das palavras deverá invariavelmente iluminar e concordar com os contornos de uma estrutura teológica que é considerada característica do NT e antagônica ao ambiente helenístico. Segundo Barr (1961, p. 233):
Parece claro que o próprio Kittel e o DTNT em geral tinham o propósito de integrar ou demonstrar a integração de usos linguísticos detalhados do NT e o profundo e vivo pensamento teológico do NT. No entanto, nunca parece lhes ter ocorrido que um léxico, como um livro organizado em torno de palavras, não se presta a esse propósito. O pensamento teológico do tipo encontrado no NT tem sua expressão linguística característica não nas palavras individualmente, mas na combinação de palavras, isto é, na sentença. O grau em que uma palavra individual pode se relacionar diretamente ao pensamento teológico depende consideravelmente do grau em que a palavra já se tornou um termo técnico. O grau em que isso ocorreu no NT pode ser debatido. No entanto, o próprio Kittel era da opinião, de acordo com o consenso geral, de que inúmeros elementos importantes do vocabulário do NT não eram técnicos no sentido de muitos termos da teologia posterior. Sob essas condições, a tentativa de relacionar uma palavra individual diretamente a um conceito teológico produz a distorção da contribuição semântica das palavras em seu contexto; o valor do contexto passa a ser visto como algo que a palavra determina e, assim, introduz-se no contexto um sentido que não estava originalmente presente no texto.
Apesar das revisões a que o DTNT tem sido submetido, o ideal seria que um novo dicionário teológico fosse preparado para o NT. Barr (p. 235-236) sugere brevemente que tal dicionário deveria ser organizado por campos semânticos. Segundo ele, haveria quatro grandes razões para isso: (1) evitar separar palavras com significados equivalentes; (2) economizar espaço, uma vez que o pano de fundo teológico de várias palavras é o mesmo; (3) evitar agrupar apenas palavras cognatas; e (4) evitar etimologização.
BARR, James. The semantics of Biblical languages. Oxford: Oxford University Press, 1961.
COENEN, Lothar; BROWN, Colin (Eds). O novo dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. Tradução: Gordon Chown. São Paulo: Vida Nova, 1981.
CHILDS, Brevard S. Book review: the semantics of Biblical languages. Journal of Biblical Literature. v. 80, n. 4, p. 374-377, 1961.
DODD, C. H. Reviews. The Journal of Theological Studies. v. 34, n. 135, p. 280-285, 1933.
_________. Reviews. The Journal of Theological Studies. v. 39, n. 155, p. 287-293, 1938.
KITTEL, Gerhard (Ed.). Theologisches Wörterbuch zum Neuen Testament. Sttutgart: Kohlhammer, 1949-1969.
LINDESKOG, Gösta. SvExAb. v. 1, p. 134, 1936.
SCOTT, R. B. Y. Book review: the semantics of Biblical languages. Theology Today. Princeton N. J., v. 18, n. 1, p. 515-517, 1962.
(escrito originalmente em 6/5/2009)