segunda-feira, 27 de abril de 2015

Série: ANGELOLOGIA 2

Fonte: http://www.aquinate.net/portal/Tomismo/Teologia/a-angelologia-tomista.php

A Angelologia Tomista
por Paulo Faitanin - UFF
Anjos



I. Os Anjos nas Sagradas Escrituras:
 
“Em minha visão ouvi ainda o clamor de uma multidão de anjos que circundavam o trono, Os seres vivos e Os anciãos – seu número era de milhares de milhões e milhares de milhares”. Apocalipse 5, 11.
 
1. Menção à existência dos anjos na SE:
 
O desejo natural de conhecer proclamado por Aristóteles em sua Metafísica não exclui a inclinação ao saber sobrenatural1. Ao conhecimento dos anjos podemos associar, por analogia, as palavras do mesmo Aristóteles que em seu livro Sobre a alma, afirma que dentre as coisas mais belas e dignas de estudar, as investigações sobre a alma ocupam lugar especial2.
Não há dúvida que dentre os estudos de tal natureza, os que versam acerca dos espíritos puros separados, ou seja, sobre os anjos, ocupam sublime importância. E ascendendo, poderíamos dizer que o estudo de Deus é ainda o mais digno e nobre que pode alcançar o conhecimento humano. Eis, pois, o que significa contemplar a verdade. A investigação acerca destas criaturas espirituais, em razão do que expusemos, nos acerca mais e mais do estudo de Deus.
Se a razão não se opõe à busca deste conhecimento, significa que naturalmente está apta de possuí-lo, segundo o que lhe capacita a sua própria natureza e segundo o que lhe ilumina a bondade e o amor divinos. Segue-se, disso, que podemos alcançar certo entendimento acerca da origem, natureza e missão destes seres puramente espirituais, porque, por serem objetos da revelação, são também objetos de nossa intelecção.
Por essa mesma razão, nos ensina o Papa João Paulo II que o constitutivo da fé pode ser investigado pela razão3. Que é uma verdade de fé atestam-nos o antigo e o novo testamento. Ensina-nos o Catecismo da Igreja Católica (n. 332-333) que o testemunho da Escritura é tão claro como a unanimidade da tradição.
Segundo o Catecismo, Cristo é o centro do mundo dos anjos. Os anjos Lhe pertencem: ‘Quando o Filho do Homem vier em sua glória, e todos os anjos com ele, então se assentará no trono da sua glória’ (Mt. 25,31).
Pertencem-lhe porque foram criados por e para Ele ‘Porque Nele foram criadas todas as coisas, nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, os Tronos, as Dominações, os Principados, as Potestades: tudo foi criado por Ele e para Ele’ (Cl. 1,16).
E Lhe pertencem porque são seus mensageiros do desígnio da salvação: ‘Não são todos eles espíritos servidores com a missão de assistir aos que herdarão a salvação’ (Hb. 1,14).
Desde a criação (. 38, 7, onde os anjos são chamados filhos de Deus) e ao longo de toda história da salvação, os encontramos, anunciando de perto ou de longe essa salvação e servindo ao desígnio divino de sua realização.
Fecham o paraíso terreno (Gn 3, 24), protegem a Lot (Gn 19), salvam a Agar e a seu filho (Gn 21, 17), detém a mão de Abraão (Gn 22, 11), a lei é comunicada por seu ministério (At 7, 53), conduzem o povo de Deus (Ex 23, 20-23), anunciam nascimentos (Jz 13) e vocações (Jz 6, 11-24; Is 6, 6), assistem aos profetas (Rm. 19, 5), o arcanjo Gabriel anuncia o nascimento do Precursor e o de Jesus (Lc 1, 11-38).
Protegem a infância de Jesus (Mt 1, 20; 2, 13.19), servem a Jesus no Deserto (Mc 1, 12; Mt 4, 11), o reconfortam na agonia (Lc 22, 43). Evangelizam anunciando a Boa Nova da Encarnação (Lc 2, 8-14) e da Ressurreição (Mc 16, 5-7) de Cristo. Anunciam a segunda vinda de Cristo (Hb 1, 10-11) e estarão presentes ao serviço do juízo final do Senhor (Mt 13, 41; 25, 31; Lc 12, 8-9).
Tudo isso nos da uma mostra incontestável da presença dos anjos na Escritura e de sua função missioneira e mensageira da redenção do Verbo encarnado. As palavras de São Gregório Magno reforçam a tese de que há uma grande incidência do uso deste vocábulo nos textos Sagrados:
“Quase todas as palavras dos livros sagrados testificam que existem os anjos e os arcanjos”4.

1.1. Os Anjos no AT : antes do cativeiro.
Já nos primeiros relatos do Gênesis aparecem os anjos bons e maus. O demônio em forma de serpente seduz aos nossos primeiros pais (Gn. 3) e, depois da queda, os querubins guardam a entrada do paraíso (Gn. 3, 24).
Um anjo do Senhor5 aparece no deserto para Agar, que foge de Sarai e a consola (Gn. 16,7; 21,17). Em Gn. 18, três anjos se manifestam para Abraão, no vale de Mambré, dois dos quais se dirigem a Sodoma (Gn. 19,1).
Um anjo detém o braço de Abraão no sacrifício de seu filho Isaac e lhe promete um prêmio pela obediência (Gn. 22, 11-15). Abraão promete ao seu servo Eliezer que o Senhor enviará um anjo para acompanhá-lo na busca de esposa para Isaac (Gn. 24, 7).
Jacó, em sonhos, vê uma escada pela qual subiam e desciam os anjos de Deus (Gn. 28, 12) e, ele mesmo, trava uma luta noturna com um anjo (Gn. 32, 25) e desta experiência extrai o testemunho da proteção angélica, abençoando os seus netos (Gn. 48, 16). No Egito um anjo exterminou, durante a noite, todos os primogênitos (Ex. 12, 29).
Um anjo do Senhor se pôs diante dos exércitos do Faraó, que perseguiam os hebreus (Ex. 14, 19). Deus promete enviar a Moisés um anjo para guiá-lo à terra prometida (Ex. 13, 20 e 23; Nm. 20,16). Manda Moisés colocar um querubim em cada lado da Arca (Ex. 25, 19-20). Um anjo do Senhor impede que Balaão passe com a sua asna (Nm. 22, 20-32).
Um anjo, príncipe dos exércitos de Javé, se manifesta a Josué diante de Jericó (Js. 5, 13-15) e outro a Gedeão (Jt. 6, 11-12). Davi é considerado pela mulher como anjo de Deus (2 Rs. 14, 17) e a sua sabedoria é comparada com a de um anjo que tudo sabe (2 Rs. 14, 20).
Jerusalém é castigada por um anjo por causa do pecado de soberba de Davi (2 Rs. 24, 16-17). Estas e muitas outras menções foram feitas no AT antes do cativeiro. Vejamos agora algumas menções depois do cativeiro.
 
1.2. Os Anjos no AT: depois do cativeiro.
O livro de Tobias nos oferece amplos relatos sobre os anjos, tendo como um dos protagonistas o arcanjo Rafael, que lhe acompanha durante uma viagem (Tb. 5, 4). O anjo do Senhor protege Judite em seu triunfo sobre Holofernes (Jt. 13, 20).
O mesmo ocorre com Éster que anuncia ter visto o anjo do Senhor (Est. 15,16). O Eclesiástico recorda o anjo exterminador dos exércitos de Senaquerib (Eclo. 48, 24). Jeremias adverte ao povo que o anjo do Senhor está com ele (Br. 6, 6).
O livro de Daniel está repleto de relatos angelicais. Em Dn. 3, 49 ele diz que o anjo do Senhor tinha descido à fornalha para junto de Azarias e seus companheiros, impedindo que as chamas lhes queimassem, enquanto entoavam, com os anjos, cantos bendizendo ao Senhor (Dn. 3, 58).
Nabucodonosor atesta que foi um anjo quem livrou os jovens (Dn. 3, 95). Um anjo primeiramente livra a Daniel da cova dos leões (Dn. 6, 22-23) e, depois, ao ser lançado novamente nela, um anjo conduz Habacuc pelos cabelos até Daniel, para que lhe desse de comer, para logo restituir Habacuc ao mesmo lugar (Dn. 14, 35-39).
O profeta Zacarias fala freqüentemente com um anjo, que é seu intermediário ante Deus (Zc. 1, 8ss). Judas Macabeus por duas vezes foi auxiliado por anjos em suas batalhas (1 Mc. 7, 41; 2 Mc. 11, 6,8).
 
1.3. Os Anjos no NT.
No NT se sobreleva o papel do anjo como núncio. Gabriel anuncia a Zacarias o nascimento do Precursor (Lc. 1., 11-20). O mesmo anjo anuncia o nascimento do messias à Virgem (Lc. 1, 26-38). Um anjo aparece em sonhos a José, dando-lhe o conhecimento do mistério (Mt. 1, 20-21).
O nascimento de Cristo é anunciado aos pastores por um anjo (Lc. 2, 8ss). Outro aconselha aos santos pais de Jesus a fuga para o Egito (Mt. 2, 13). Os anjos chegam e servem a Jesus no deserto depois da tentação do diabo (Mt. 4, 1-11; Mc. 1, 12-13; Lc. 4, 1-13).
Um anjo cura enfermidades na piscina de Betesda (Jo. 5, 4). Um anjo conforta a Jesus no horto do Getsemani (Lc. 22, 43) e outro remove a pedra do sepulcro em sua ressurreição (Mt. 28, 2-3). Os anjos se dirigem às mulheres e anunciam a ressurreição de Jesus (Mt. 28, 5; Mc. 16, 5ss; Lc. 24, 4ss).
Um anjo consola o choro de Maria Madalena (Jo. 20, 11-13). Mesmo nos ensinamentos de Jesus os anjos são, reiteradas vezes, mencionados (Lc. 12, 8 e9). Há alegria no céu pela penitência de um pecador (Lc. 15, 10). Menciona Jesus os anjos levando Lázaro morto ao seio de Abraão (Lc. 16, 22).
Aos saduceus ensina que nos céus homens e mulheres serão como anjos (Mt. 22, 30; Mc. 12, 25; Lc. 20, 36). Ensina que os anjos contemplam a face de Deus nos céus (Mt. 18, 10).
E da incerteza do dia do juízo final, dizendo que nem os anjos o conhecem (Mt. 24, 36; Mc. 13, 32). Que o Filho do Homem virá em sua glória com os seus anjos (Lc. 9, 26; Mt. 16, 27) e que enviará os seus anjos para julgar os homens. Repreendendo a Pedro por ter cortado a orelha de um soldado dá-nos a conhecer a subordinação de muitas legiões de anjos ao seu comando (Mt. 26, 53).
Muitos são também os testemunhos favoráveis à afirmação da existência dos anjos fora dos Evangelhos. Em Atos dos Apóstolos a libertação de Pedro da prisão (At. 12, 6-11), talvez, seja um exemplo de grande valor não só para referir-se a eles como mensageiros de Deus, mas também de suas sucessivas atuações prol dos homens.
Mesmo as Cartas de Pedro são fundamentais para dar testemunho da existência Angélica (1 Pd. 1, 12; 3, 22). Também encontramos no Apocalipse referências à existência e missão dos anjos (Ap. 9, 11; 12, 7; 16, 13-14; 20, 10).
 
2. Sentido e significado teológico de ‘anjo’ no AT e NT.

As Escrituras apresentam diversos significados para a palavra ‘anjo’. Portanto, defini-la, a partir do contexto escriturístico, não é tão simples.
Se for verdade o que nos ensina Tomás de Aquino, ao afirmar que pela definição de algo podemos chegar à consideração de sua essência6, para entendermos o que significa a natureza deste ser que recebe o nome anjo será necessário saber, primeiramente, se este vocábulo anjo significa, efetivamente, a natureza mesma ou alguma função ou ofício da natureza. Por essa razão, seria conveniente que averiguássemos o sentido e o significado da palavra anjo, a partir do que nos apresentam as Sagradas Escrituras.
Santo Agostinho nos oferece algumas pistas de que a palavra anjo não se refere à natureza, mas significa a função de uma natureza. Se isso for verdade, portanto, tal palavra não faz significar, dentro da tradição dos Textos Sagrados, a natureza de algo, senão a função de algo que, neste caso, é a de ser mensageiro, núncio. E isso parece verdadeiro se tivermos em conta algumas passagens bíblicas onde são utilizadas tais palavras.
Podemos averiguar que ‘mensageiro’ e ‘núncio’ não são os únicos significados que a palavra anjo assume nas Escrituras, mas é evidente que há a predominância dos seguintes significados: seres espirituais e mensageiros de Deus.
Assim, anjo significa o Verbo enviado pelo Pai, enquanto é Anjo da Aliança ou do Testamento (Ml. 3, 1). Também foi denominado anjo João Batista, enviado como percussor do Messias (Mt. 11, 10; Mc. 1, 2).
Do mesmo modo, foram denominados anjos todos os homens que de alguma maneira foram enviados por Deus, como os sacerdotes e doutores que exercem ministérios sagrados (Ml. 2,7; Is. 42, 19; Ecl. 5,5).
Também significam profetas, que foram enviados por Deus para anunciar as coisas futuras (Is. 44,26). Moisés, enviado por Deus para libertar o seu povo (Ex. 23, 20-23) e inclusive os mensageiros por ele enviados (Nm. 20, 14). Filhos de Deus (. 1, 6; 2, 1; Sl, 28, 1,7; 88,7); santos (Dn. 8,13); exércitos dos céus (Esd. 9,6); habitantes dos céus (Mt. 18,10).
Do mesmo modo, foram denominados ‘anjos’ os exploradores da terra prometida recebidos pela meretriz Rahab (Jos. 2, 1; 6, 17 e 25; Heb. 11, 31); e também os presidentes das Igrejas no Apocalipse (1, 20; 2 e 3). Também se denominam anjos, inclusive, as coisas inanimadas que Deus envia, como os ventos (Sl. 48,2;103;Heb. 1,7).
Podemos também averiguar, que no início, portanto, este termo exprimia, de preferência, uma função, a do mensageiro de Deus. E isso confirma a tese agostiniana de que anjo significou antes a função e ofício, que propriamente a natureza:

“Enquanto são espíritos não são anjos; mas são anjos enquanto são enviados, pois anjo é o nome do ofício, não de sua natureza. Se perguntar pelo nome da natureza, este é espírito; mas se perguntar pelo ofício, este é o de ser anjo”7.
As palavras de Santo Agostinho fazem referências a um fundamento etimológico, porque segundo os estudiosos dos Textos Sagrados, utiliza-se palavra hebraica ךאלמ mal’ak para significar, sobretudo, enviado, núncio, legado e mensageiro, portanto para significar o exercício ou ato de uma natureza.
Seu correspondente grego, a partir do qual foi empregado em latim como decalque a palavra angelus. Do latim derivou a palavra em português anjo que, como as palavras respectivas nas outras línguas ocidentais, remontam etimologicamente a esta palavra latina, de uso corrente a partir do fim do séc. II (Vetus Latina, Tertuliano)8. Assim, temos a palavra anjo significando mensageiro, tanto na tradição das línguas Semitas como na das Indo-européias:


               Malakh(Heb)                         Malaku(Cun)            Malak(Árabe)        Angelos (gre)

Mas de um modo geral, porém não exclusiva, se denominam anjos os espíritos celestes que são enviados por Deus para exercer algum ministério junto aos homens (Gn. 16, 7; 19, 1; 28, 12).
E pouco a pouco angelus se impôs como denominação exclusiva para os seres que, segundo a tradição judaica-cristã, se encontram entre Deus e os homens, tornando-se, então, nome de natureza, da que conhecemos diversas menções nas Escrituras como nome dado a certas substâncias criadas intelectuais, superiores aos homens, invisíveis e capacitadas por Deus em virtude e poder (Sl, 8, 6; 2 Pe. 2, 11; Heb. 2, 7).
A evolução do uso da palavra anjo, como nome de função, para anjo, como termo usado para nomear uma categoria de ser espiritual é de grande importância.
Esta mudança indica, provavelmente, a passagem de uma consideração meramente soteriológica (preocupada com a anunciação do projeto salvífico dos homens por Cristo), para uma reflexão filosófico-teológica aprofundada sobre a origem, natureza e missão destes seres espirituais.
Esta evolução exigiu, além dos ensinamentos bíblicos, a forte persistência das tradições judaicas nos apócrifos cristãos do AT e do NT9 e a influência e implementação do legado racional grego que, como método, permitiu considerar, racionalmente, as coisas que se estatuíam de modo sobrenatural, valendo-se da ordem que a razão pode estabelecer sobre os conceitos que considera.
A base desta evolução de sentido e significado da palavra anjo está, portanto, no confronto do judaísmo e, depois, o do cristianismo com a antiguidade greco-latina.
Esta evolução tem seu início com a Patrística, onde se desenvolve plenamente a doutrina dos anjos como seres espirituais. Este vigor greco-cristão do pensamento Patrístico contribuiu, positivamente, para uma reinterpretação dos dados tradicionais, em vista seja do pensamento filosófico, seja das devoções e das fantasias pagãs.
Não se deve, porém, exagerar as influências externas. No entanto, como nos alerta Studer, a afirmação fundamental da superioridade do único Deus-criador e do primado de Cristo em relação aos anjos, separa, completamente, a herança judeu-cristã das tradições helenísticas10.
 
 
II. Os Anjos na Patrística: A natureza imaterial e espiritual do anjo

“Quase todas as palavras dos livros sagrados testificam que existem os anjos e os arcanjos”. (São Gregório Magno, Homil. 34 in Evang., n. 7: ML 76, 1249).
Segundo nos atesta A. Homman foi o título de «Pai» (Padre) que forjou o termo «Patrologia», depois o de «Patrística», termos próximos, mas distintos. J. Gerhard [†1637] criou a palavra «Patrologia» em seu estudo Patrologia sive de primitivae ecclesiae christianae doctorum vita ac lucubrationibus opusculum.
Por «Patrologia» entende-se o estudo histórico e literário dos escritores antigos. A palavra «Patrística» apareceu no século XVII entre os teólogos luteranos e católicos que distinguiam a teologia em bíblica, patrística, escolástica, simbólica e especulativa.
Em seu primeiro uso é, sobretudo, adjetivo, mas logo em seguida passa a ter valor de substantivo. Por «Patrística» entende-se o estudo das idéias e das doutrinas dos Padres, mais que aspectos filológicos e literários.
Começa no séc. I até São Gregório Magno, tido como limite fixado para os estudos dos Padres Latinos e São João Damasceno, como limite para os Padres Gregos11.
 
1. Patrística grega.
 
Se nossa intenção é, em certo sentido, atestar que entre os antigos houve evolução da consideração da função soteriológica para a da natureza dos anjos, parece-nos conveniente salientar, ao largo de nossa exposição, o que os Padres Gregos pensaram acerca da natureza dos anjos, no que concerne à sua constituição. Portanto, saber se admitiram como constitutivo desta natureza a corporeidade ou a espiritualidade ou se afirmaram a perfeita espiritualidade e a absoluta imaterialidade, são de sua importância. Negam a perfeita espiritualidade e a absoluta imaterialidade dos anjos
Em seguida trataremos dos autores que negam a espiritualidade e imaterialidade dos anjos. Os fundamentos desta corrente de opinião parecem ser os seguintes:
  • A narração do Gênesis (6, 2 e 4) onde se diz que os filhos de Deus – em alguns códices da versão dos LXX - os filhos de Deus tiveram relação carnal com as mulheres e geraram gigantes. São Tomás (S. Theo. I, q. 51, a3, ad 6) sustenta que parece mais crível que se trate das uniões conjugais entre os descendentes da raça elegida, os filhos de Deus, com as mulheres da raça de Caím, as filhas dos homens; uniões que os levaram a mais profunda corrupção.
  • Também motivaria uma interpretação corpórea do ser angélico uma passagem do texto do Apóstolo (1 Cor. 11, 10: “Por isso, a mulher deve velar suas cabeças convenientemente, por causa dos anjos”), como se o estar despenteadas constituísse uma tentação para os anjos. Aqui anjos significam os ministros ou mensageiros de outras comunidades que ficariam escandalizados com um penteado pouco feminino.
  • No Salmo 103, 4 a Vulgata diz: “Fazei Espíritos os teus anjos e aos teus mensageiros fogo abrasador”. Interpretando tal passagem concluíam que os anjos teriam natureza ígnea, portanto corpórea. Mas a versão hebraica não menciona nem a palavra anjo nem a palavra espírito, mas o vento como mensageiros e o fogo como ministros.
  • No Salmo 77, 25, na Vulgata se diz, referindo-se ao maná: “O homem comeu o pão dos anjos”. Alguns acreditaram que os anjos comiam pão, o que levaram a concluir que eles teriam corpos. Esta expressão alude ao modo como os hebreus recebiam o maná descido do céu, onde os anjos assistem a Deus.
  • Em 1 Cor. 15, 40 São Paulo diz: “Há corpos celestes e corpos terrestres, mas o brilho dos corpos celestes é diferente do brilho dos terrestres”. Interpretaram corpos celestes como corpos dos anjos e não como astros. Mais adiante em 1 Cor. 15, 41 o próprio Apóstolo faz menção ao sol como corpo celeste. Tratou-se, pois, de uma equívoca interpretação da palavra ‘corpo celeste’.
Estas referências foram o leitmotiv de os Padres gregos interpretarem a corporeidade dos anjos nas SE. Vejamos agora alguns dos que negaram tanto a espiritualidade quanto a imaterialidade dos anjos com base nestes fundamentos.
Segundo São Justino Mártir [†163], o diabo decaiu da graça quando tentou Eva (Dial. 124,3) e identifica o Leviatã de Is. 27, 1 com Satanás (Dial. 112, 2). Para ele, a intenção dos demônios é transformar os homens em seus escravos e assistentes (I Apol. 14,1). Sendo que estes são os autores do paganismo e das heresias (I Apol. 25;26).
Destaca os demônios, considerados pela tradição judaica como anjos apóstatas, que estavam por detrás do culto dos ídolos e causavam, portanto, o sofrimento dos justos, como sempre tinham feito. Justino foi o primeiro a definir o diabo e a descrever sua triste missão.
Em síntese: as considerações tanto de Justino como as de Atenágoras [†c.177], pautadas numa negação da absoluta espiritualidade e imaterialidade dos anjos, os levam a colocar nos anjos maus o pecado carnal (Justino, Apol. 2 pro christianis, n. 5) e afirmar-lhes serem príncipes da matéria (Atenágoras, Legatio pro christianis, n. 24). Para esta tão complexa evolução da angelologia cristã foi de grande importância o contexto apologético do séc. II. E, em particular, como acabamos de ver a dos apologistas, Justino e Atenágoras12 que introduziram o culto dos anjos (Justino, I Apol. 6; Atenágoras, Legatio, 10). Para Justino, os demônios são filhos dos anjos decaídos:
“Os anjos transgrediram e tiveram relações com mulheres e delas tiveram filhos, chamados demônios”13.
Na segunda metade do séc. II merece destaque a polêmica que São Ireneu [†202] 14 trava contra as especulações gnósticas. Ireneu foi, segundo Tavard15, o primeiro a apresentar uma articulada doutrina sobre os anjos, segundo a qual todos os anjos são criaturas do único Deus, e não demiurgos e emanações de eones superiores, como os gnósticos pretendiam, colocando-se desse modo na linha de tradições platônicas16. Não obstante, apesar de não afirmar a corporeidade dos anjos (Ireneu, Adv. haeres. II, c. 33, n.4), admite que pecaram com as mulheres (Ibidem, c. 34, n. 3, col. 837).
Taciano [110-?], discípulo de Justino, apesar de denominar os anjos de espíritos que não têm carne (Orat. Adv. graecos, n. 15), se contradiz ao afirmar que estes são resplendores da matéria e dela produzidos.
Quase na mesma linha que os anteriores Clemente de Alexandria [†150-215] prova a materialidade dos anjos pelo pecado carnal (Paedag. III, 2; Strom. III, 7). Entre as obras de Clemente de Alexandria, chegaram-nos Extratos das obras de Teódoto e da escola dita oriental na época de Valentino. Nestes extratos Teódoto Valentianiano expressa que os anjos são corpóreos, sendo, pois, impróprio denominar-lhes incorpóreos17.
Da parte da gnose cristã destacamos Orígenes [185-254]18 que sistematiza o problema do mal, relacionando-o com a queda dos anjos19. Admite entre os seres espirituais uma degradação que, conforme à gravidade do pecado primordinal, desce dos arcanjos, passando pelos anjos e os homens até chegar aos demônios20.
Segundo Orígenes, os anjos estão presentes em toda parte do universo: na natureza, nas nações e na vida de cada indivíduo com a intenção de lutar contra os demônios. As discussões ulteriores do sistema origeniano no séc. IV levaram a determinar mais exatamente a diferença entre os anjos e Cristo e entre os anjos e o Espírito Santo21.
São Metódio de Olimpo [†311] também fala dos copos dos anjos e afirma que tais copos são feitos de “ar e fogo mais puros” (De resurrect. 9) e, citando Atenágoras, admite o pecado carnal nos anjos. O mesmo admite São Atanásio [†373], pelo menos no caso dos demônios (Vita S. Antonii Monachi. n. 31).
São Macário Egípcio o Velho [†390], não fugindo a regra, também, admite a corporeidade, porém de um modo mais tênue (Homil. 4, n. 9). São Cirilo de Jerusalém [†387] nega a espiritualidade dos anjos (Catech. 18: De carnis resurrectione generalis, n. 19: MG 33, 1039). Consta deste período o início da explícita comparação da vida perfeita à angélica22, exaltando tanto a virgindade consagrada como a vigilância contínua e o louvor perene a Deus, praticados pelos montes23.
Destacamos, ainda dentro deste período grego, São Basílio Magno [†379] que admite a corporeidade dos anjos, composta de ar e fogo (Lib. De Spiritu Sancto, c.12, n. 38). Dídimo de Alexandria [†396] denomina espíritos os anjos, mas adverte que não o são, senão só comparados com os corpos leves (De Trin. II, c. 7, n. 3).
Anastásio de Sinaíta (séc. VII) –denominado O Novo Moisés– ensina que tudo o que é criado é corpo e que os anjos são espíritos sutis (Viae dux advers. Acephalos, c. 2; Quaestiones, q. 20, col. 521-522).
Assim mesmo, cabe destacar a importante contribuição de São João Damasceno [†754] que denomina os anjos “essências espirituais e incorpóreas”, portanto exclui a corporeidade e matéria visíveis dos anjos, mas não a matéria invisível (Sacra Parallela, lit. A, tit. 7; De fide orthodoxa, II, c. 2-3).
Com relação ao desenvolvimento do culto prestado a Maria, a Mãe de Deus, coloca-a acima dos anjos, considerados até então como os mais próximos de Deus. Segundo a pregação bizantina, e em particular nas homilias sobre a anunciação e sobre a morte de Nossa Senhora, os próprios anjos servem a Maria e cantam o seu louvor24.
Afirmam a espiritualidade e a perfeita imaterialidade dos anjos.
Eusébio de Cesaréia [c. 265], apesar de receber formação doutrinária na linha de Orígenes, não aceita a materialidade dos anjos, admite, portanto a perfeita espiritualidade e imaterialidade dos anjos (Demonstratio evangélica, IV, c. 1; MG 22, 251-252).
São Gregório de Nissa [c. 335], irmão de Basílio de Cesaréia e idealizador de um platonismo cristão, sustenta a imaterialidade dos anjos, talvez os interpretando platonicamente, como seres separados do mundo corpóreo, mas transcendentes a ele (De eo quid sit ad imaginem Dei et similitudinem; MG 44, 1329-1330; De oratione dominica, orat. 4; MG 44, 1165-1166).
São Gregório Nazianzeno [330-390], Doutor da Igreja, afirma resolutamente a espiritualidade e a imaterialidade dos anjos e os denominam espíritos (Orat. 30 theol., 5 n. 15; MG 36, 142-150; Carmina, I, séc. 2, poema 34, v. 4; MG 37, 946).
São João Crisóstomo25 realçava a presença ativa dos anjos na liturgia, como mysterium tremendum e reforçaram fortemente as opiniões tradicionais sobre o papel dos anjos na luta ascética e na ascese espiritual dos fiéis.
Contamos ainda dentro da Patrística Grega a Pseudo-Dionísio Areopagita [séc. V]. Foi possivelmente um cristão de origem Síria, que morou por muito tempo em Atenas, onde seguiu com entusiasmo os cursos de Proclo26 e de Damáscio, ficando por eles fortemente influenciado. Não se trata, pois, do Dionísio citado por São Paulo em At 17,34.
Em sua célebre obra A Hierarquia Celeste, dividida em quinze capítulos, organiza, num rígido sistema hierárquico, regulado por leis bem precisas, as várias categorias de anjos nomeados pelo AT e por São Paulo. Talvez dentre as fontes Patrística é a que mais influenciou a Escolástica sobre a doutrina da origem, natureza e hierarquia dos anjos. A tese central de Dionísio é: os anjos são substâncias imateriais27.
Dionísio, como Proclo, reconhece os anjos como espíritos puros, dividindo-os em nove coros, que constituem uma escala de seres entre Deus e o homem. Nesta hierarquia, os seres superiores: os serafins, os querubins e os tronos encontram-se mais próximos da divindade; os principados, os arcanjos e os anjos, ao contrário, ajudam mais diretamente a hierarquia humana a elevar-se até Deus. As dominações, as virtudes e as potestades, enfim, formam as ordens intermediárias.
No De caelesti hierarchia, toda esta hierarquia celeste existe em um duplo movimento: descendente e ascendente. Uma cascata de luz derrama-se de alto a baixo, até os homens. As ordens inferiores, ao contrário, elevam-se até a divindade, juntamente com os homens, por meio da purificação, da iluminação e da união com as ordens superiores.
 
2. Patrística latina: Negam a perfeita espiritualidade e a absoluta imaterialidade dos anjos.
 
Aqueles fundamentos da opinião que nega a espiritualidade e imaterialidade dos anjos também valem para os autores da Patrística Latina. Não obstante, as teses filosóficas de Aristóteles e Platão, bem como as doutrinas gnósticas contribuíram muito para o estabelecimento da doutrina da corporeidade Angélica em alguns destes autores.
Destacamos Tertuliano [†220-245] que admite que tudo o que existe é corpóreo (De carne Christi, 11: ML 2, 774) não escapando nem os anjos (Ibidem, 6, col. 765), pelo que se justifica o pecado carnal deles (De idolol; 9:ML 1, 671; De cultu fem. 1, 2: ML 1, 1305; De virgin. Vel. 7: ML 2, 899).
Arnóbio de Sicca [séc. III-IV] não só admite a corporeidade da alma como a dos anjos (Adversus Nationes III, c. 12: ML 5, 953). Sé Deus é incorpóreo, absolutamente transcendente e sem contato com as criaturas28. Lactâncio [†330-40] afirma o pecado carnal dos anjos, denominando-lhes espíritos imundos, possuindo uma corporeidade tênue (Divin. Instit.II, c. 15: ML 6, 330-331).
Mário Vitorino [†361] sustenta que a alma humana é corpo superior ao dos anjos. Admite, outrossim, graus de corporeidade (Adv. Arium. I, c. 25: ML 8, 1059). Santo Hilário de Poitiers [†367] admite um materialismo antropológico (corporeidade da alma humana) que se estende à corporeidade Angélica.
Sua tese central é a de que nada fora de Deus é imaterial (Comm. In Mt. C. 5, n. 8, 58: ML 9, 946) o que não lhe impede denominar os anjos de espíritos (In Psalm. 116, lit. X, n. 7: ML 9, 566). Não obstante, não admite ter havido pecado carnal dos anjos (In Psalm. 132, n. 6: ML 9, 748-749).
Para Santo Ambrósio [†397] só Deus é incorpóreo (De Abraham, II, c. 8, n. 58: ML 14, 506). Admite o pecado carnal dos anjos (De Noe et Arca, c. 4 n. 8 e 9: ML 14, 385). São Jerônimo [†420], exímio tradutor da Bíblia, denomina os anjos de spiritus corporatos, admitindo-lhes uma tênue corporeidade, como algo etéreo ou aéreo, modelo de corpo para os homens depois da ressurreição (Epist. 75, 2: ML 22, 687).
Dentro ainda da Patrística Latina, no século V, merece destaque a doutrina de Santo Agostinho [†430] acerca da natureza dos anjos. Ele foi o primeiro a destacar que o nome anjo não se referia à natureza, mas à função e ofício angélico. O Bispo de Hipona não intencionava considerar a natureza angélica, mas destacar a missão salvífica dos anjos. Para tanto se dedicou à consideração do problema do conhecimento angélico, ocupando-se dos anjos, antes de tudo, no quadro da exegese do Gênesis29.
A doutrina da iluminação agostiniana nasce de uma profunda reflexão sobre a natureza do conhecimento angélico. Para Agostinho, os anjos têm um tríplice conhecimento das coisas criadas: conhecem-nas através da claridade do dia anterior à sua criação, conhecem-nas à luz da tarde posterior à sua criação, conhecem-nas através da luz da manhã em si mesmas e na sua relação com o Verbo30.
Neste contexto, nos confirma Studer, Agostinho nos faz também compreender como ele entende o pecado e a beatitude dos anjos. Prepostos a todas as criaturas corpóreas, os anjos referem o conhecimento das coisas ao louvor do Verbo, permanecendo assim na luz ou, tomados de soberba, voltam-se sobre si mesmos, comprazem-se consigo mesmos, tomando-se trevas31.
Apesar de toda contribuição agostiniana, ele admite certa corporeidade nos anjos, atribuindo-lhes corpo, segundo uma matéria espiritual (De Gen. ad litt. VII, c. 5, n. 7ML 34, 358; De libero arbitrio, III, c. 11, n. 33: ML 32, 1281; De Trin. 2, 7: ML 42, 853; Serm. 362, 17: ML 39, 1622; Epist. 9, 3: ML 33, 72; In Psalm. 145, 3: ML 37, 1185).
Para Prudêncio [†405] os anjos são licor de vento (Apoth. V. 411: ML 59, 957). Segundo João Cassiano [†435] só Deus é incorpóreo e, apoiando-se numa interpretação equivocada de uma passagem de São Paulo, admite que os anjos são corpóreos (Collat. 7, c. 10: ML 49, 681). Para Arnóbio o Jovem [séc. V] a incorporeidade só convém a Deus e tudo o que pode ser considerado do modo humano é corpóreo (Conflictus, II, n. 5: ML 53, 276-277).
Fausto de Riez [†485] tenta demonstrar, apoiando-se na tradição, a corporeidade da alma e dos anjos. Sua tese se refere ao lugar que tais substâncias ocupam e já que não podem estar presentes em todo lugar, estariam efetivamente em um lugar, o que pressuporia afirmar-lhes natureza corpórea (Epist. 3-4, ML 58, 783-870).
Se por um lado Mamerto Claudino [†473] afirma a absoluta espiritualidade da alma humana (De statu animae libri tres), por outro afirma a absoluta corporeidade dos anjos (Ibidem, III, c. 12). Seguindo quase a mesma interpretação Gennadio [séc. V] afirma a corporeidade dos anjos (De eccles. Dogmatibus, c. 12: ML 58, 984).
São Fugêncio de Ruspe [†533], seguidor das doutrinas de S. Agostinho, admite que os anjos bons se compõem de espírito e corpo ígneo e os maus de espírito e corpo aéreo (De veritate praedest. III, c. 21, n. 33: ML 65 668). Também Eugípio Abade [460] promove uma síntese do pensamento agostiniano, na qual sustenta a corporeidade Angélica ( Excerpta ex operibus S. Augustini, c. 43: ML 62, 647)32.
Afirmam a espiritualidade e a perfeita imaterialidade dos anjos.
São Gregório Magno [†604] é um exímio defensor da imaterialidade dos anjos, destacando as razões pelas quais os demônios podem ser atormentados pelo fogo corpóreo no inferno (Dialog. IV, c. 27: ML 77, 366-368). Em comparação com Deus podemos considerar-lhes corpóreos (Moral. III, c. 7, n. 8-9, col. 559). E nisso reside a diferença entre almas e anjos, pois estes são puro espíritos, pois se não fossem não necessitariam tomar o ar para manifestarem-se (Epist. IX, introd. In 2 epist. 52: ML 77, 989-990).
A mesma linha de interpretação seguem Liciniano [†602] em (Epist. 2: ML 72, 691-699) e São Isidoro de Sevilha [†636] em (Differ. II, c. 14, n. 41: ML 83, 68). Foi Máximo o Confessor [†655] quem efetivamente ajudou a perfilar ainda mais, e de um modo sistemático, o estudo dos anjos, bem como o lugar dos anjos ao destacarem Cristo acima de todas as ordens angélicas. Essa significativa reflexão serviu para que os teólogos medievais distinguissem Cristo dos anjos e reconhecessem a humanidade de Cristo33.
 
Conclusão. As doutrinas agostiniana e dionisíaca sobre a iluminação angélica e a natureza incorpórea dos anjos colaboraram também positivamente para controvérsia iconoclasta dos teólogos bizantinos e, portanto, para o Concílio Ecumênico II de Nicéia (787) para se pronunciarem sobre a questão da natureza incorpórea dos anjos. Para justificar as imagens destes, até então se atribuía a eles uma certa corporeidade, sem resolver, porém, de modo definitivo, o problema.
Deste modo, pelo fim da era patrística, as afirmações da tradição sobre o lugar dos anjos na história da salvação e o seu ministério na vida de Jesus e na da Igreja adquiriram perfis precisos, aprofundando mais o tema de sua natureza.
A partir de então os anjos não são pensados mais segundo uma incorporeidade relativa, ou seja, incorpóreos com relação aos homens e corpóreos com relação a Deus.
E ainda que se aceitasse geralmente só uma incorporeidade relativa, com referência aos homens, não a Deus, considerava-se como doutrina de fé que os anjos fossem seres espirituais que, diversamente dos maus espíritos, os anjos apóstatas, se tinham livremente decidido por Deus34.
Atrelada a estas questões está a crescente reflexão e amadurecimento teológico que determina que as reflexões escriturísticas e tradicionais sobre a angelologia regulam-se pelo princípio da canonicidade das Sagradas Escrituras. Sobre isso fazem eco as palavras de Santo Agostinho que o declara explicitamente, quando escreve que a angelologia está fundada principalmente sobre a fé na revelação divina35.
Segundo Studer, “este princípio fundamental não somente impôs reservas diante da demonologia pagã, mas obrigou também a submeterem-se à crítica certas opiniões muito arbitrárias da tradição judaica”36.
Deste modo, eliminou-se a crença num pecado carnal dos anjos, baseada na exegese judaica de Gn 6,1-4, reduzindo também os nomes dos arcanjos aos três mencionados nos escritos canônicos, eliminando-se em particular o nome de Uriel e Jeremiel, assim como o catálogo dos nomes dos anjos.
No AT, antes da catividade, nenhum nome próprio de anjo é mencionado. No período da catividade babilônica são mencionados três nomes próprios de anjos ou arcanjos: Rafael “medicina de Deus” (Tb. 3, 25; 8, 3; 12, 15); Gabriel “força de Deus” (Dn. 8, 16) e Miguel “quem como Deus?” (Dn. 10, 13)37. Com relação aos nomes próprios de anjos maus, são dois: Belial (1 Rs. 1, 16) e Beelzebub (Lc. 11, 15).
A angelologia patrística contribuiu muito para a afirmação da transcendência absoluta do Deus criador, a partir da qual se constituiria a doutrina sobre a creatio ex nihilo, estendendo-a aos anjos. E também a distingui-los do Verbo e do Espírito, que constituem com o Pai a Trindade incorpórea e são a fonte da vida angélica.
Assim mesmo, ajudou a excluir a tese agnóstica de que certos anjos tenham sido criados maus e a afirmar que a existência de espíritos malignos deve ser explicada pela sua apostasia totalmente livre.
A proposta de uma hierarquia celeste contribuiria para o período medieval no estabelecimento de um princípio de hierarquia cosmológica, a partir da qual se observaria a graduação de perfeição e de ser.
Como legado para a vida espiritual e religiosa, a angelologia patrística estabeleceu, inspirando-se em uma sugestão bíblica (Mt 18, 10; 22,30), que a vida angélica era o ideal da existência evangélica, comparando os mártires e depois os monges aos anjos, não sem, às vezes, exagerar, como nos atesta Studer, na idéia da espiritualização do homem perfeito, como, por exemplo, na tradição dos ensinamentos de Orígenes.
Esta mesma antropologia também colaborou nas considerações sobre o ministério dos anjos: no da custódia pessoal de cada fiel, no da morte, no da proteção de povos e nações. Todas estas teses estão enraizadas na própria Bíblia, e constituíram a base da doutrina de Agostinho sobre a Civitas Dei, composta de anjos bons e de homens que substituem os anjos rebeldes e, também, na base das especulações de Pseudo-Dionísio, a hierarquia celeste.
 
 
III. Os Anjos na Escolástica: Origem, natureza, hierarquia e missão dos anjos.
 
“Já que não podemos participar das sagradas solenidades dos Anjos, não devemos deixar passar o nosso tempo de devoção em vão; à subtração do tempo dedicado ao ofício de cantar os Salmos, compensar escrevendo um estudo sobre eles”. S. Tomás de Aquino, Sobre a natureza dos Anjos, proemium).
 
1. Escolástica:
 
Com o intuito de compreender melhor o contexto das especulações tomistas, acerca da natureza dos anjos, repassaremos brevemente algumas das principais doutrinas daqueles que antecederam ao Aquinate na consideração destes seres espirituais.
Convém recordar que os legados das Escrituras e da tradição Patrística contribuíram –especialmente as de Pseudo-Dionísio e de Santo Agostinho– para um posterior aprofundamento do estudo da natureza, hierarquia e definição filosófica dos anjos.
Negam a perfeita espiritualidade e a absoluta imaterialidade dos anjos.
Inaugura o período Pré-Escolástico João Escoto Eriúgena [†877] que afirma os anjos serem substâncias inteligentes perfeitas e imateriais. Não obstante, apesar de conceber os anjos como entes imateriais, por não se unirem como as almas humanas à matéria, admite que os anjos possuem um corpo espiritual, ainda que não circunscrito nem delimitado pela quantidade num lugar(De div. nat. III 19, 680 D).
Não Vêem Deus face a face, nem contemplam o mundo das idéias, mas só o seu reflexo (De div. nat. I 8, 447 BC). Admite uma hierarquia ao modo dionisíaco, estabelecendo nove coros distribuídos em três ordens: 1o. Querubins, Serafins, Tronos; 2o. Virtudes, Potestades, Dominações; 3o. Principados, Arcanjos e Anjos. A iluminação divina é o fundamento da distinção dos coros e ordens. Este é o legado de Santo Agostinho (De div. nat. I 4, 444 C).
Lanfranco de Bec [†1089] natural de Pavia, de ilustre família quem teve por discípulo Santo Anselmo. Lanfranco renova a doutrina da corporeidade dos anjos (Adnot. in nonnul. J. Casiani Collat. VII, c. 13: ML: 150, 443). Ruperto de Deutz [†1135] resistente à filosofia traça o seu particular combate às Artes Liberais (De Trinit. et oper. eius. De Spiritu Sancto. VII, 10: ML 167, 1764). Junto à crítica filosófica renova também a doutrina da corporeidade Angélica, afirmando-lhes a união corporal, corpos compostos de ar e umidade sutil(De Trinit. et oper. eius. De Spiritu Sancto. XLII; in Gen. I, 11: ML 167, 208-209).
Destacamos também Pedro Abelardo [†1142] em sua obra Sic et Non, dedica um capítulo especial à questão da natureza dos anjos. Apesar de fazer um excelente Status quaestionis das razões pro e contra à espiritualidade, tende afirmar a corporeidade Angélica (Sic et Non, c. 44: ML 178, 1406-1408). Talvez em razão de ter estabelecido que naquilo que a fé obstaculiza a razão, ela não pode ir além do que ela mesma é capaz de conhecer.
Por não compreender a natureza incorpórea dos anjos, admite só possível uma natureza corpórea, a que o intelecto pode compreender. Sua tese é definida como: Intelligo ut Credam, ou seja, creio só no que entendo; pois “só os ignorantes recomendam a fé antes de compreender” (Introd. in Theo. II 3: ML 178, 1046-1047).
Honório de Autun [†1152] se inclina à doutrina da corporeidade dos anjos, na medida em que estes possuem corpos ígneos (Libellus octo quaestionum de angelis et homine, c. 5: ML 172, 1188). Não obstante, admite a espiritualidade da alma (Cognitis vitae, ML 40, 1009). Descreve o inferno como o lugar dos espíritos imundos, no qual encontram-se os anjos caídos (De imag. mundi, I 37: ML 172, 133). Apesar da corporeidade, os anjos habitam o céu espiritual, localizado acima do firmamento. Distribuem-se em nove coros.
São Bernardo [†1153] ainda que indeciso se inclina mais propriamente à doutrina da corporeidade angélica (De consider. libr. quinque, V, c. 4, n. 7: ML 182, 791). Em sua mística há lugar para uma alma ascendente para Deus em toda sua espiritualidade, mas não para a revelação divina mediante puros espíritos que descem dos céus.
Avicebrão [†1058] foi quem introduziu a doutrina da matéria espiritual, a que pertenceria aos anjos (Fons vitae, IV, c. 2, ed. Beaumker, Münter 1892-1895, p. 213-214). Estatuiu que todas as substâncias que existem fora de Deus são constituídas de matéria e forma. Averróis [†1198] admite as inteligências ou anjos, mas sustenta que fora de Deus tudo está composto de matéria e forma38.
Na mesma linha de interpretação de Avicebrão destacamos o dominicano Rolando de Cremona [†1230], primeiro professor dominicano de Paris que elucida e defende a composição hilemórfica das substâncias espirituais (LOTTIN, D.O. “La composition hylémorphique des substances spirituelles: les débuts de la controverse”, Revue Neo-Scolastique de Philosophie, 34 (1932), p. 21-41).
Alexandre de Hales [†1245] admite o hilemorfismo universal (S. Theo. II, n. 106, p. 135 b). É uma composição universal que inclusive atinge os anjos. Trata-se, pois de uma matéria espiritual que não se sujeita nem ao movimento nem a contrariedade.
Alguns autores sustentam que este foi o legado e influência de Avicebrão na Escola Franciscana39. Segue a mesma linha de interpretação Tomás de York [†1260], autor da primeira Metafísica da Escolástica, ensina o hilemorfismo universal, a pluralidade de formas, admite, portanto a composição de matéria e forma nos anjos (TRESERRA, F. “De doctrinis metaphysicis Fr. Thomae de Eboraco”, Analecta Sacra Terraconensia, 5 (1929), p. 44).
Também ensina o hilemorfismo universal São Boaventura [†1274]. Afirma solus Deus est immaterialis. Nulla substantia per se existens, sive corporalis sive spiritualis est pure forma nisi solus Deus (II Sent. 23, 2, 1: II 317). As formas espirituais são simples, sem extensão, indivisíveis e não sujeitas ao movimento e ao lugar. A matéria fica como que absorvida pela forma espiritual (II Sent. 3,1,1,1).
Seguem os ensinamentos de São Boaventura os seguintes autores: Gauthier de Bruges [†1274] em I Sent. D. 8, a.5, q. 3; Mateus de Aquasparta [†1302] em II Sent. 3,1,1; João Peckham [†1292] em (De humanae cognitiones, Quarachi 1883, p. 180-181); Guilherme de la Mar [†1298]; Ricardo Mediavilla [†1308] em Quodl. I; Pedro João Olivi [†1298] em JANSEN, P. “quonam spectet definitio Concilio Viennensi de anima”, Gregorianum, 1920, p. 81.
Ainda na Escola Franciscana destacamos o Beato João Duns Escoto [†1308] que retoma a opinião de Avicebrão, admitindo uma mesma matéria para a composição das substâncias espirituais e corpóreas, já que a matéria é como uma grande árvore da qual saem muitos troncos (De rerum principio, q. 7-8). Pedro de Tarantásia [†1270] admite uma matéria para os anjos facilior (II Sent. D. 8, q. única).
Afirmam a espiritualidade e a perfeita imaterialidade dos anjos.
Um número reduzido de autores afirma a absoluta espiritualidade e a perfeita imaterialidade. Entre eles contamos alguns do período Pré-Escolástico: Alcuíno [†804], Rábano Mauro [842], Hincmaro [†882] que associa os poderes dos anjos à sua natureza corpórea (De praedest. C. 31: ML 125, 296); Rathramo de Corbie [†870].
Pertencentes já ao período Escolástico destacam-se: Avicena [†1037] que baseado no Corão admite a existência dos anjos como seres espirituais e imateriais; Santo Anselmo [†1109]; São Ivo de Chartres [†1116]; Hildeberto Cenomanense [†1134]; Hugo de São Vítor [†1142]; Pedro Lombardo [†1164] que evocando a tradição Patrística dos autores que afirmavam a absoluta espiritualidade e imaterialidade dos anjos. Com isso Pedro Lombardo recobra o vigor da doutrina da espiritualidade angélica e influencia posteriormente os autores que a partir de sus Sentenças, passam a considerar a natureza dos anjos (Sent. II, d. 8, a. 1).
Cabe destacar ainda Maimônides [†1204] que afirma que Deus criou dez inteligências puras ou anjos absolutamente sem materialidade e que tendem a Deus por vontade e amor (Guia dos perplexos, I, 68, 72). Santo Alberto Magno [†1281], o grande mestre de Tomás de Aquino, que admite a absoluta espiritualidade e imaterialidade dos anjos (In II Sent. D. 3, ed. Borgnet, t. XXVII, p. 68). E ao que tudo indica o Beato Raimundo Lúlio [†1316] não admitiu a materialidade dos anjos, pelo menos de uma matéria corporal [O Livro dos Anjos, Segunda Parte, II, 3]40.
 
2. Angelologia Tomista:
 
continua na próxima edição...
 
 
1 Aristóteles, Metafísica, 980a 21.
2 Idem, Sobre a alma, 402a 1-5.
3 João Paulo II, Fides et Ratio. Introdução: “A fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio (cf. Ex 33, 18; Sl 2726, 8-9; 6362, 2-3; Jo 14, 8; 1 Jo 3, 2)”.
4 Gregório Magno, S. Homil. 34 in Evang., n. 7: ML 76, 1249. É evidente que o texto sagrado ao afirmar informando a existência angélica, não se preocupa em apresentar as demonstrações racionais das mesmas. Esta preocupação em demonstrar a existência dos anjos surge, sobretudo, como veremos, no período da Patrística. É óbvio que os pensadores deste período terão em conta os textos sagrados como elementos para a demonstração da existência dos próprios anjos, mas com a diferença que buscarão demonstrá-los a partir de modelos racionais.
5 Estas palavras traduzem a expressão “mal’ak Iahweh” no Antigo Testamento. John L. Mckenzie, S.J. admite “que não se pode distinguir claramente o Anjo-Mensageiro de Iahweh do próprio Iahweh”, em: Dicionário Bíblico. 7.ª edição. São Paulo: Paulus, 1984, verbete anjo, p. 45b. O mesmo sustenta A. Van den Born, em seu Dicionário Enciclopédico da Bíblia. 5.ª edição. Petrópolis: Vozes, 1992, verbete anjo, p. 76a.
6 Tomás de Aquino, S. In VII Met. Lec. 4, n.12; In II Post. Anal. Lec. 13, n.9.
7 Agostinho, S. En. Ps. 135,3: “Unde multo utilius angeli vocantur, qui latine nuntii nuncupantur; ut per nomen non substantiae, sed officii, satis intelligamus illum Deum a nobis eos coli velle, quem nuntiant". Cf. também Tertul., Carn. 14.
8 Studer, B. Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs. Rio de Janeiro: Vozes, 2002, verbete Anjo, p. 101.
9 A leitura freqüente destes escritos, especialmente da Ascensio Isaiae, do Testamento dos 12 Patriarcas, do Livro II de Henoc, do Apocalipse de Paulo, como também do Pastor de Hermas, reconhecido por muitos como quase canônico, avivará as tradições antigas sobre a origem dos anjos e sobre o seu papel no universo e na vida humana: cf. Daniélou, J. Théologie du Judéo-Christianisme (1). Tournai, 1958, p. 139-145.
10 Ibidem.
11 Homman, A. “Patrologia-Patrística”, em: Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs. Rio de Janeiro: Vozes, 2002, verbete Patrologia, 1103-1106.
12 Justino, filósofo e mártir, apologeta do séc. II. Nasceu em Flavia Neapolis, a atual Nablus, na Palestina. Obras fundamentais: Apologias e Diálogo com Trifão. O tema central de Justino é o plano criador e salvífico de Deus, manifestado pelo Cristo-Logos. Atenágoras filósofo do séc. II, escreveu entre os anos 176 e 180, uma apologia dos cristãos, dirigida aos imperadores Marco Aurélio e Cômodo, intitulada Presbeia (oração, súplica).
13 Justino, II Apol. 5, 3.
14 Ireneu, oriundo da Ásia Menor, nasceu entre os anos 130-140. Obras: Adversuss haereses, onde o autor busca desmascarar a falsa gnose; Demonstração da pregação apostólica, trata-se de um compêndio de fé cristã com caráter catequético.
15 Tavard, G. “Die Engel” em: Handbuch der Dogmengeschichte. Freiburg, 1968, II/2b.
16 Ireneu, Adv. haer. II, 30,6-9.
17 Festugière, A. J. “Notes sur les Extraits de Théodote de Clément d’Alexandrie”, Vigiliae Christianae, 3 (1949), p. 193-207.
18 Orígenes nasceu em Alexandria por volta de 185. Obras fundamentais: Contra Celsum e De principiis
19Orígenes, C. Cels. IV, 65.
20 Idem, De Princ. 1,8; C. Cels. 8,25.
21 Studer, B. Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs. Rio de Janeiro: Vozes, 2002, verbete Anjo: “Colocando nitidamente o Verbo ao lado do Deus criador, os teólogos antiarianos confirmaram portanto no plano ôntico a doutrina paulina, tão cara a Ireneu (cf. Adv. haer: III, 16,6), sobre Cristo, cabeça dos a., eliminando também todos os riscos da assim chamada angelo-cristologia, que, inspirando-se em categorias judaicas, tinha preferido apresentar Cristo como a. do Senhor (cf. RACh 5, 148s). Da mesma forma Basílio de Cesaréia, seguindo a tradição nicena, põe em evidência que o E. Santo não deve ser incluído entre os espíritos "litúrgicos", isto é, entre os anjos, criaturas de Deus e seus ministros. Deve ser considerado como Espírito "senhoril" e, assim, deve ser adorado junto com o Pai e o Filho, como Senhor de tudo, também dos espíritos angélicos (cf. a fé constantinopol. professada por Basílio: DS 150). Segundo o bispo de Cesaréia, de fato, os anjos não foram apenas criados pelo Verbo, mas também tomados perfeitos pelo Espírito Santo (Basíl., Hom. 32,4; De Spir. 16,38; cf. RACh 5, 149)”, p. 101.
22 Malingrey, A.-M. Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs. Rio de Janeiro: Vozes, 2002, verbete João Crisóstomo, p. 762.
23 Studer, B. Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs. Rio de Janeiro: Vozes, 2002, verbete Anjo, p. 102.
24 João Damasceno, Hom. Dorm. I, I Is.
25 Cirilo nasceu em Jerusalém por volta de 315. Obra: Catequeses; João Crisóstomo nasceu em Antioquia por volta de 345. Obras: Contra os adversários da vida monástica; Diálogo sobre o sacerdócio.
26 Proclo Lício Diádoco, nasceu em Bizâncio, entre 409 e 412. Viveu em Atenas onde se dedicou ao estudo de Platão e Aristóteles. Exerceu forte influência sobre Dionísio. Morreu por volta de 485. É o provável autor do livro De causis, o qual Tomás de Aquino comentou.
27 Dionísio Areopagita, Pseudo, Caelest. Hierarch. c. 14; MG 3, 321 a.
28 Siniscalco, P. “Arnóbio de Sicca” em: Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs. Rio de Janeiro: Vozes, 2002, verbete Arnóbio, p. 165.
29 Agostinho, S. Gen. Lit. IV; Civ. Dei XI.
30 Idem, Gen. Lit. IV, 22,39-24,41.
31 Idem, Gen. Lit. IV, 23,40s; Vejam: Studer, B. Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs. Rio de Janeiro: Vozes, 2002, verbete Anjo, p. 102.
32 Pavan, V. “Eugípio” em: Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs. Rio de Janeiro: Vozes, 2002, verbete Eugípio, p. 532.
33 Ceresa-Gastaldo, A. “Máximo Confessor”, em: Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs. Rio de Janeiro: Vozes, 2002, verbete Máximo Confessor, p. 916.
34 João Damasceno, Expos. 17s [II,3s].
35 Agostinho, S. Civ. Dei IX, 19; En. Ps. 103,1,15.
36 Studer, S. Op. cit. p. 101.
37 Maria Solimeo, P. O livro dos Três Arcanjos. São Paulo: Artpress, 1999, p. 13.
38 Fraile, G. Historia de la Filosofía. II (2º.). Madrid: BAC, 1986, p. 92.
39 Ibidem, p. 170.
40 Ramon Llull, O livro dos Anjos. Tradução Eliane Ventorim e Ricardo da Costa. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência Raimundo Lúlio, 2002, pp. 79-83.

Série: ANGELOLOGIA

Fonte: http://www.domhenrique.com.br/index.php/doutrina-catolica/345-os-anjos-parte-do-mundo-criado-em-cristo-jesus


OS ANJOS:
PARTE DO MUNDO CRIADO EM CRISTO JESUS

Pe. Henrique Soares da Costa
 
 
 
A angelologia[1] é, atualmente, um tema de difícil apresentação na teologia e isto por três motivos básicos: primeiramente porque o homem de hoje recusa, com seu empirismo utilitarista, admitir tudo quanto ultrapasse sua experiência do mundo sensível; em segundo lugar, mesmo entre os que crêem, não parece claro como relacionar de modo adequado os anjos e seu ministério com a história da salvação: nossa piedade um tanto racionalista enfrenta dificuldades em enquadrar os anjos numa perspectiva histórico-salvífica: qual seria aí seu lugar e utilidade? Certamente contribuiu para tal situação uma angelologia desarticulada da cristologia e da Trindade. Finalmente, há, do ponto de vista da história das religiões, a alegação que a doutrina sobre os anjos apareceu relativamente tarde como uma importação de crenças de outras religiões, principalmente as cananéias, as mesopotâmicas e persas.
Diante de uma tal situação mental é imprescindível, antes de tratar da angelologia, delinear alguns critérios fundamentais para um reto e aceitável discurso sobre este tema.
i. Deve-se evitar todo antropomorfismo a respeito dos anjos, com base na nossa realidade espácio-temporal. Também é imprescindível na parte positiva da angelologia - vale dizer, na angelologia bíblica - levar em conta os gêneros literários e o rico simbolismo que envolve tantas vezes a figura dos anjos nas Escrituras.
ii. Os anjos devem ser considerados sempre como espíritos criados, finitos, pessoais e autoconscientes, pertencentes a este mundo criado por Deus, dele fazendo e sendo parte.
iii. Os anjos não são autônomos, mas somente podem ser compreendidos biblicamente se referidos a Deus: estão sempre a seu serviço e só aparecem na Escritura em função do plano salvífico de Deus para a humanidade e toda a criação.
iv. Como criaturas, os anjos existem através de Cristo e para Cristo e somente nele encontram o sentido de sua existência e de sua missão. Cristo é Cabeça dos anjos e a graça angélica é gratia Christi. Por extensão, é necessário afirmar que eles são e vivem somente no Espírito do Cristo ressuscitado e somente nele podem encontrar sua plenitude criatural, que consiste na comunhão com Deus e com toda a criação!
v. Assim sendo, o lugar privilegiado para uma reta angelologia é a antropologia, já que por sua essência os anjos pertencem ao cosmo e compartilham com o homem a única história da salvação em Cristo Jesus. A angelologia mostra que o homem se encontra numa comunidade de salvação e de perdição mais ampla que a própria humanidade. Se o homem é o cume do mundo visível, nem por isso pode pretender-se o centro da criação ou seu ponto mais alto[2].
Por tudo quanto foi dito, aqui somente serão tratados os anjos enquanto ligados à história da salvação. Os problemas ontológicos relativos ao mundo angélico somente serão abordados na medida em que o exija o interesse histórico-salvífico. Tenhamos em mente que a Escritura fala dos anjos não para completar nossos conhecimentos sobre a criação, mas unicamente devido à sua relação com o homem enquanto peregrino e interlocutor de Deus no caminho salvífico. Por isso mesmo a angelologia bíblica é muito circunspecta e deve servir de parâmetro para toda angelologia. Efetivamente, uma angelologia desligada da cristologia e da antropologia não é contemplada pela Escritura; tal não seria uma angelologia no sentido bíblico, mas uma demonologia no sentido grego. Com efeito, dáimones para o pensamento helenístico são forças pessoais intermediárias, ativas e determinantes da ordem cósmica. Segundo Platão, seriam providências intermediárias entre deus e os mortais ou, na concepção estóica, potências aglutinadoras da ordem cósmica. A demonologia helenista tratava desses seres sobre-humanos não do ponto de vista funcional da história da salvação (idéia completamente estranha ao pensamento grego!), mas sim do seu significado essencial (natural) no universo, na harmonia cósmica. Para Aristóteles, que influenciou Tomás de Aquino e K. Rahner, se os fenômenos naturais se realizam de modo sempre constante, é necessário dar uma razão a esta constância: um primeiro motor imóvel nas diversas esferas cósmicas deveria ser o princípio inteligente que guiaria as partes dos cosmos para um fim harmônico. Assim, subordinadas ao primeiro Motor imóvel e necessário, puro ato, encontrar-se-iam inteligência separadas que movem as esferas celestes e regem a ordem do cosmo e os destinos das pessoas e nações[3]. Ora, uma tal abordagem é completamente desconhecida das Escrituras Sagradas e de modo nenhum interessante para a fé cristã!
 

Os anjos na Sagrada Escritura

As Escrituras não afirmam explicitamente a criação dos anjos: estes aparecem simplesmente na história da salvação como criaturas de Deus, de modo particular como seus mensageiros e realizadores de sua vontade, como o próprio termo hebraico mal’ak e o grego aggeloV já o indicam. O termo, portanto, não indica uma natureza, mas uma função antropologicamente condicionada:
são espíritos destinados a servir , enviados em missão para o bem daqueles que devem herdar a salvação (Hb 1,14).
Tal observação é importantíssima porque determina em que perspectiva a angelologia tem lugar numa teologia que queira ser realmente inspirada na Palavra de Deus e não em meras especulações mais ou menos gratuitas. Efetivamente, distintos dos numerosos espíritos acreditados no mundo pagão, os anjos não têm um campo autônomo de ação fora das ordens de Deus. Como todas as criaturas eles foram criados para Cristo, de modo que ele é seu Cabeça e Senhor (cf. Cl 1,16): Cristo está acima de todos os anjos (cf. Hb 1,5).
No Antigo Testamento IHWH é apresentado muitas vezes como um soberano oriental com sua corte. Neste contexto os anjos aparecem como servos (cf. Jó 4,18), santos (cf. Jó 5,1; 15,15; Sl 89,6; Dn 4,10) ou filhos de Deus (cf. Sl 29,1; 89,7). São chamados, segundo a sua missão, mensageiros (cf. Gn 19,1; 28,12; 32,2; Sl 103, 20), por sua figura, homens (cf. Gn 18,2.16; 19,12.16), por sua relação com IHWH, príncipes dos exércitos celestiais (cf. Js 5,14) ou senhores do céu (cf. 1Rs 22,19). Há também referências aos querubins - nome talvez derivado de karibu, divindade ou gênio acádio, metade homem metade animal (cf. Sl 80,2; 99,1; Ez 10,1s; Sl 18,11; Gn 3,24) e aos serafins – cujo nome significa “ardentes” – que cantam a glória de IHWH (cf. Is 6,7). Os querubins e serafins não são anjos no sentido originário da palavra; por isso no início não recebiam o nome de “anjos”. Somente no judaísmo tardio foram incluídos no grupo de seres designados por anjos. Ao lado desses enigmáticos mensageiros, os relatos bíblicos mais antigos falam no “Anjo de IHWH” (cf. Gn 16,7; 22,11; Ex 3,2; Jz 2,1) que não é diverso do próprio IHWH manifestado na terra de modo visível (cf. Gn 16,13; Ex 3,2). O provável é que a figurado “Anjo de IHWH” seja o modo como uma teologia ainda arcaica procurava afirmar a proximidade providente de IHWH e, ao mesmo tempo, salvar sua transcendência divina mesmo quando IHWH se comunica com o homem. À medida, porém, que a revelação progride, o seu papel vai sendo sempre mais atribuído aos anjos, mensageiros ordinários de IHWH.
No período pós-exílico, tanto a literatira bíblica quanto os apócrifos deram aos anjos o título de filhos de Deus (cf. Jó 1,6; 2,1; 38,7; Sb 5,5). Nos escritos desta época foram incorporados vários elementos das crenças populares. Os anjos são descritos, então, como seres incorpóreos (cf. Tb 12,19; Gn 18,9; Sl 78,25; Sb 16,20), por isso não poderiam ser percebidos pelos sentidos. Além de mensageiros de Deus junto aos homens (cf. 1Cr 21,18; Jó 33,23; Tb 3,17; Dn 14,33) e seu protetores (cf. Dn 3,49; 6,23), acreditava-se que os anjos falassem a Deus em favor dos homens (cf. Jó 33,23s; Tb 12,15).
Em resumo, o Antigo Testamento afirma claramente a existência dos anjos, mas não apresenta nenhuma reflexão especulativa sobre eles. Seu número é muito grande e eles constituem uma espécie de séquito de IHWH, sujeitos ao seu domínio universal. Executam os serviços que Deus lhes confia tanto em cada homem quanto na totalidade do povo (cf. 1Cr 21,18; Tb 3,17; Dn 14,22). Mencionam-se somente os nomes de Miguel, Gabriel e Rafael.
No Novo Testamento há uma desmitologização dos textos do Antigo Testamento sobre os anjos. Seus testemunhos são mais discretos e menos abundantes. Contudo, também o aí se fala dos anjos como mensageiros celestes, cristologicamente condicionados: toda a obra dos anjos aparece, então relacionada a Cristo e a realização da salvação por ele trazida. Eles transmitem aos homens as incumbências divinas; quando aparecem, apresentam-se normalmente como jovens com brilhantes vestes brancas (cf. Mc 16,5; Mt 28,3; Lc 24,4; Jo 20,12; At 1,10). Grande é seu número (cf. Mt 28,53; Hb 12,22; At 5,11; Mt 22,30; 26,53; Lc 12,8s; 1Tm 5,21; Hb 12,22; 1Pd 3,22; Hb 12,22ss). Acompanham especialmente os acontecimentos da vida de Cristo desde o seu início até sua consumação: o anjo do Senhor, que em Lucas se chama Gabriel, predisse o nascimento e a missão de João Batista (cf. Lc 1,11-12); o mesmo anjo transmite a Maria a mensagem de que há de ser Mãe de Deus (cf. Lc 1,26ss); o Anjo do Senhor tranqüiliza José a respeito do que o Espírito Santo produziu em Maria (cf. Mt 1,20-25); também foi um anjo que anunciou aos pastores o nascimento de Jesus e uma multidão de anjos louva a Deus por sua benevolência, às portas de Belém (cf. Lc 2,9-15). É ainda o Anjo do Senhor quem aconselha a José a fuga para o Egito com Maria e o menino e, passado o perigo, transmite-lhe a nova ordem de voltar (cf. Mt 2,13.19s). Anjos servem a Jesus quando este, levado pelo Espírito ao deserto, permanece ali quarenta dias em jejum (cf. Mc 1,13; Mt 4,11). O Pai podia enviar a Cristo mais de doze legiões de anjos, se o Filho lhe pedisse, para livrá-lo do sofrimento que sobre ele caiu no Jardim das Oliveiras. Mas como se cumpriria então a Escritura? (cf. Mt 26,53). Um anjo aparece a Cristo em sua angústia mortal e o conforta (cf. Lc 22,43). Quando as mulheres, na manhã da Páscoa, encontram o sepulcro vazio e ficam confusas, homens com vestes brilhantes aparecem diante delas e lhes anunciam a ressurreição do Senhor (cf. Mc 14,5s; Lc 24,1-7). A estes Mateus e João dão o nome de anjos (cf. Mt 28,2; Jo 20,12). Todos os anjos acompanharão o Senhor quando vier para o julgamento do mundo (cf. Mc 8,38; Mt 25,31; 26,27). O Filho do Homem enviará seus anjos com estrépito de trombetas, e eles ajuntarão os eleitos dos quatro ventos, de extremo a extremo do céu (cf. Mt 13,31.39ss.49; 24,31; Mc 13,27).
Segundo o testemunho de Cristo, as crianças têm os seus anjos no céu (cf. Mt 18,10). O próprio Cristo, como Filho de Deus, está acima de todos os seres angélicos, tanto antes da encarnação como depois de sua exaltação à direita de Deus (cf. Mc 13,27; Ef 1,20s; CI 1,16; 12.10; Hb 1,5-14; 2,1-9; 1Pd 3,22). Segundo o desígnio divino, a Igreja criada por Cristo notificará aos anjos a salvação dos homens (cf. Ef 3,10; 1Tm 3,16). Os anjos alegram-se de que os homens se convertam a Deus (cf. 1Pd 1,12). O Apocalipse de João expõe o grande papel que os anjos desempenham na história da salvação.
Apesar de todos estes testemunhos é necessário cautela, pois, procedendo a uma análise exegética mais cuidadosa ver-se-á que alguns dos textos citados não falam com segurança de anjos e outros utilizam simplesmente um gênero literário; é o caso, por exemplo, do Anjo de IHWH em Mateus e dos anjos do Apocalipse – tão comuns neste gênero literário. Quanto à ação de Gabriel na anunciação, é de se perguntar se Lucas não enquadra toda a narrativa no gênero de anunciação, que comporta sempre a aparição de um anjo e se não escolheu Gabriel exatamente por ser ligado ao tempo do fim e à vinda do Filho Homem na profecia de Daniel (cf. Dn 8,16; 9,21-27;) e por significar o poder fecundo de Deus – Gabriel era considerado no judaísmo tardio como o responsável pela fecundidade do solo, dos animais e dos homens. Uma coisa, no entanto, é certa: tais textos deixam claro que o Novo Testamento recebeu do Antigo a convicção da existência dos anjos e, ao que parece, o próprio Jesus compartilhou de tal convicção, que aliás, não era unânime na sua época (cf. At 23,8).
Aparecem também outros grupos de seres celestes: virtudes (cf. Rm 8,38; 1Cor 15,24; Ef 1,21), potestades (cf. 1Cor 15,24; Ef 1,21, Cl 1,16), principados (cf. Rm 8,38; 1Cor 15,24; Ef 1,21; Cl 1,16), dominações (cf. Ef 1,21; Cl 1,16) e tronos (cf. Cl 1,16). Não se estabelece a diferença entre eles; parece que Paulo simplesmente aceita a crença corrente no mundo helênico e julga tais seres a partir de Cristo: se existem, foram criados através de Cristo e para Cristo; se são adorados e cultuados, Paulo os trata como demônios e os reduz a nada (cf. 1Cor 15,24; Ef 6,12; Cl 2,15). O importante é a primazia absoluta de Cristo. Por isso mesmo, neste contexto, o culto dos anjos é reprovado (cf. Cl 2,18).
Concluindo o que diz respeito aos dados bíblicos, poderíamos afirmar o seguinte:
· O discurso bíblico sobre os anjos tem sempre uma perspectiva antropológica: a Escritura fala de Deus não primeiramente para revelar quem ele é, mas o que faz em nosso favor: o quanto ele é para nós. Ora, o envio dos anjos é apenas um momento deste voltar-se de Deus para o homem e o nosso mundo: eles estão a serviço da salvação (cf. Hb 1,14).
· Servindo ao plano de Deus, a Escritura mostra-nos sempre os anjos em relação à glória da Deus: o Anjo de IHWH evoca a presença amável do Deus de Israel na história, despertando adoração, louvor, ação de graças. Os querubins exprimem a grandeza e onipresença de IHWH; os anjos na liturgia celeste são constante convite ao louvor e à adoração. Assim a angelologia está em função da teologia: só a Deus o louvor e a glória!
· Os nomes dos anjos, mais que exprimirem uma individualidade comunicam uma qualidade de Deus: sua força (Gabriel), sua unicidade (Miguel) e seu cuidado compassivo (Rafael). O vulto dos anjos é análogo ao vulto dos mártires da Igreja: resplandecem da glória que contemplam... que não é outra que a glória de Cristo!
· Todo discurso neotestamentário sobre os anjos deve ser visto num estreito vínculo com o evento Cristo, em relação à sua encarnação, sua presença operante na Igreja e sua vinda na glória.
· O serviço dos anjos a Cristo continua no serviço à Igreja e na Igreja (cf. At 5,20; 12,11; 8,26-29; 10,3; 1Cor 4,9). A sua colaboração no caminho histórico da humanidade continuará até que venha a Parusia do Senhor.
 

Desenvolvimento da angelologia cristã na teologia e no magistério

Os Padres, combatendo os gnósticos e suas hierarquias celestes, ressaltaram a criaturalidade dos anjos, sua total dependência em relação a Jesus Cristo e seu serviço à Igreja no contexto da economia salvífica. Importante era a percepção que as atividade dos anjos no Antigo Testamento destinava-se a preparar a vinda de Cristo; no Novo Testamento eles servem ao Reino de Deus e aos eleitos. É verdade também que na angelologia patrística foram introduzidos elementos do imaginário judaico extra-bíblico e, mais tarde, da demonologia helenista, sobretudo de fundo neoplatônico. Não se pode afirmar que tais elementos façam parte da fé comum da Igreja.
A doutrina da Escritura e da Tradição eclesial foi acolhida de modo normativo pelo IV Concílio de Latrão, em 1215. Aí se afirma dogmaticamente a existência dos anjos:
(O Deus uno e trino é) único princípio do universo, criador de todas as coisas visíveis e invisíveis, espirituais e materiais, que com a sua força onipotente desde o princípio do tempo criou do nada uma e outra ordem de criaturas: as espirituais e as materiais, isto é, os anjos e o mundo terrestre, e depois o homem, como participante de um e de outro, composto de alma e corpo[4].
O contexto da afirmação conciliar é de polêmica contra o dualismo cátaro. Deus é a única origem dos anjos: eles são criaturas!O documento conciliar, apesar da opinião contrária de alguns teólogos atuais, transforma a existência dos anjos em conteúdo de fé – esta é a opinião da grande maioria dos teólogos. O concílio Vaticano I reafirmou a doutrina do Lateranense, citando-o textualmente[5]. Outro texto significativo, apesar de não ser normativo dogmaticamente, é o Credo do Povo de Deus, professado pelo Papa Paulo VI em 1972:
Cremos em um só Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, Criador das coisas visíveis, como este mundo, onde se desenrola a nossa vida passageira; Criador das coisas invisíveis, como os puros espíritos, que também denominamos Anjos...
O texto cita o Vaticano I que, como já vimos, remete ao Lateranense IV. É interessante a linguagem do documento: “puros espíritos, que também denominamos Anjos”... a marca da teologia escolástica é patente. A Escritura não fala primeiramente em puros espíritos, mas simplesmente em anjos (= mensageiros de Deus)! Seria, então, mais de acordo com a perspectiva da Escritura ter afirmado: “coisas invisíveis como os anjos, que acreditamos serem puros espíritos”. O documento é interessante à nossa análise por ser um pronunciamento atual sobre o tema. Uma coisa é certa: o magistério eclesial confirma e afirma a existência dos anjos.
Quanto à essência angélica, a doutrina mais antiga afirmava uma corporeidade sutil; depois Gregório de Nissa defendeu a não-corporeidade e pura espiritualidade angélica. Na Idade Média havia ainda disputa em torno do tema: Tomás de Aquino defendia a pura espiritualidade, enquanto a escola franciscana inclinava-se por afirmar uma corporeidade sutil. Hoje, a sentença mais comum entre os teólogos é a favor da pura espiritualidade angélica, apesar de haver teólogos como K. RAHNER que sustentam a opinião em favor de uma corporeidade sutil. O magistério eclesial não tem nenhum pronunciamento dogmático sobre este tema particular.
Quanto à personalidade, pelo que se pode apreender do dado revelado, os anjos possuem uma subjetividade, autodomínio e auto-transcendência. A tradição eclesial refuta reduzi-los a simples forças ou qualquer coisa do gênero. Como nome de anjos devem ser usados somente os três que ocorrem na Escritura. A consciência eclesial também rejeita o primitivo ensinamento sobre os anjos da natureza, encarregados particularmente pelos fenômenos do mundo natural. Que todo homem tenha um anjo da guarda não é até agora definido, mas esta é opinião comum na consciência eclesial desde os tempos antigos. Supondo uma pura espiritualidade angélica, constituirá sempre um mistério como isto é possível numa criatura, já que empiricamente só nos é acessível o ser vinculado à matéria. Os anjos seriam, por um lado, puros espíritos e, por outros, naturezas limitadas. Talvez uma indicação deste mistério esteja no fato de os anjos pertencerem ao Corpo de Cristo; deste modo sua natureza espiritual está inserida no corpo do Senhor e, por ele e nele, no cosmo, de modo análogo ao ser humano no estado intermédio entre a morte e a Parusia do Senhor. Podemos, neste caso, conjeturar que a finitude angélica expressa-se no fato de eles somente poderem refletir sobre si mesmos e dominar-se a si mesmos mediante o encontro com outras criaturas iguais. Cada anjo, ao comparar-se à pessoa do outro e dirigir-se a ele para depois voltar a si mesmo, realizaria sua própria existência. Esta espiritualidade pura não significaria falta de relação com a matéria: criados através de Cristo e para Cristo, inseridos no corpo de Cristo, eles estão ordenados à história da salvação e plenamente inseridos no plano salvífico de Deus. Assim, os anjos se auto-transcendem não somente em relação aos outros, mas também a Deus e ao mundo a ser salvo – mundo do qual eles próprios fazem parte! No que concerne à questão se os anjos estão agrupados em ordens distintas, não há nenhum pronunciamento normativos da Igreja sobre o tema. Quanto ao conhecimento angélico, sem querer entrar na especulação de escolas, podemos, seguindo a Escritura, afirmar uma força de penetração superior à nossa por parte dos anjos. A Escritura exprime tal convicção ao descrevê-los cobertos de inumeráveis olhos, como que afirmando que toda a sua essência é ver. Entretanto, os anjos são limitados e, como tais, não penetram nem as profundezas de Deus (cf. 1Cor 2,10) nem as profundezas do homem: este tem uma esfera íntima escondida aos próprios anjos. Sendo finitos, podemos conjeturar que os anjos podem crescer na sua ciência em relação à história salvífica. Em consonância com este saber superior está também sua vontade: por ser muito mais penetrante que a nossa e por sua força intelectiva, intuindo a transcendência de cada acontecimento, tomam suas decisões de modo simples e total, de modo que são irrevogáveis nas suas opções. A tradição bíblica e eclesial vê-los também numa intensa união com Deus, chamados que são ao diálogo e à comunhão com o Deus uno e trino: chamados pelo Pai através do Filho na potência do Espírito. É a resposta à autocomunicação de Deus em Cristo que os introduz ou não na plena comunhão com o Deus Trino, aquela comunhão denominada pela teologia clássica como “visão beatífica” (cf. Is 6,2; Dn 7,10; Mt 18,10).
Quanto às aparições angélicas, trata-se de um fenômeno de difícil, senão de impossível explicação. Certamente a teologia não deve se aventurar neste campo, sobretudo atualmente, quando sabemos o quanto o inconsciente humano é rico e complexo e temos consciência mais clara que a ação de Deus não é exterior, mas interior à própria estrutura natural! Poderíamos, como meras hipóteses conjeturar duas explicações: (1) o anjo produziria na psiché humana o conhecimento e o amor de acordo com o plano divino de salvação ou (2) o próprio Deus opera no homem, através dos anjos, determinados movimentos espirituais em conformidade com seu eterno plano salvífico. O homem, assim alcançado pela atividade divina, interpreta tematicamente a operação divina ao sabor de imagens da própria fantasia, certamente condicionada pela cultura e estrutura individual daquele sobre quem se deu a ação. Assim, a aparição do anjo – como qualquer fenômeno de “revelação” – não é puramente objetivo, mas constitui sempre uma objetivação do homem, sendo, portanto, a síntese de um suceder objetivo e de uma ativa experiência subjetiva, de modo que, como as revelações particulares dos místicos, requer sempre uma hermenêutica e uma purificação[6].
Concluindo, não poderíamos deixar de salientar mais uma vez que a angelologia cristã haverá de ser sempre fundamentada e limitada pela Escritura Sagrada, sem se perder em elucubrações que a fariam descambar para a demonologia grega. Chave hermenêutica de toda angelologia são a cristologia e a antropologia. São Tomás de Aquino afirmava que os anjos também pertencem ao corpo cuja cabeça é Cristo. No seu parecer, a própria santidade angélica está configurada por Cristo. Se formos atentos ao contexto do Lateranense IV, que situa a afirmação sobre a criação dos anjos na obra do Deus uno e trino, podemos afirmar, aprofundando a intuição do Aquinate, que a santidade angélica é cristo-pneumatológica: os anjos, como toda a criação, são chamados à plena comunhão com o Pai pelo Filho na potência do Espírito. Nesta mesma linha, São João da Cruz afirmava que o Filho de Deus se fez homem para congregar num só Espírito a humanidade resgatada juntamente com os anjos e Nicolau de Cusa considerava que Deus constituiu a Igreja una na base dos anjos e dos homens, unidos com ele através de Cristo no Espírito. Uma angelologia que ultrapasse tais limites, sem dúvida não seria de modo algum boa teologia! O cristão atual manterá a fé na existência dos anjos no sentido da Escritura e da Igreja, tendo presente que as afirmações bíblicas devem ser interpretadas segundo a exegese atual. É necessária também certa reserva em relação a algumas opiniões excessivas dos Padres e de alguns teólogos (inclusive atuais). Um cristão que deseje ter uma fé crível não mais pode chamar em causa os anjos onde ele sabe que operam forças impessoais, o que não significa negar-lhes a ação neste mundo. Como quer que seja, as ciências nunca poderão provar a existência dos anjos e nós saberemos da sua existência somente pela fé.
Se é verdade que a doutrina sobre os anjos não faz parte das doutrinas centrais da fé e não deve ser demasiadamente enfatizada na pregação, é também verdade que tem seu sentido próprio, pois ilustra a vontade de Deus de se comunicar aos homens em Jesus Cristo já a partir da criação. A fé na existência e ação dos anjos leva-nos também a confessar o quanto é limitada a realidade vista por nós e que o Reino de Deus é mais amplo que a realidade que conhecemos.

O diabo e seus anjos: a possibilidade do “não” ao Deus de Jesus Cristo

Se não é fácil articular equilibradamente um discurso teológico sobre os anjos, bem mais complexo é apresentar nos dias atuais o que a consciência eclesial afirma sobre o diabo e os demônios. Metodologicamente é importante, desde já, afirmar que se a fé cristã afirma a existência dos anjos como liberdades criadas, é plenamente compreensível a possibilidade que alguns deles tenham dito “não” ao chamado de Deus à comunhão. Esta decisão negativa certamente dá-se em relação a Cristo Jesus, através de quem e para quem tudo foi criado no céu e na terra. Assim, deve-se afastar de uma “demonologia” cristã qualquer sombra de dualismo, como se o diabo fosse um concorrente à altura de Deus e lhe ameaçasse a onipotência. Mais ainda: somente tem sentido uma demonologia cristã se esta tem como objetivo desmascarar o fascínio que o mal possa ter (cf. Jo 12,31). É vetado ao cristão pensar o demoníaco como um poder contrário a Deus, do mesmo nível que ele e com faculdades de entrar em luta ou em dialogo com ele: somente à criatura investida pela graça é dado uma tal relação dialógica!
Na Escritura Sagrada aparece seja a figura do diabo como a dos demônios:
a) No Antigo Testamento os termo hebraicos Satã ou Satanás ou o grego diabo (= aquele que confunde, perturba, desconcerta, desorienta) indicam um ser espiritual malvado, muitas vezes rodeado por muitos demônios que dele dependem e agem sob seu comando. Aí são também chamados de satã figuras terrenas hostis no campo político, jurídico e militar (cf. 1Rs 5,18; 11,24s; Sl 109,6; 1Sm 29,4); até mesmo Deus é assim chamado quando parece adversário do que sofre (cf. Jó 16,9; 30,21). Completamente subalterno a Deus, Satã já é apresentado no livro de Jó como uma vontade hostil senão ao próprio Deus, pelo menos ao homem: ele não acredita no amor desinteressado (cf. Jó 1-3). Em Zc 3,1-5 ele aparece como verdadeiro adversário dos desígnios do amor de Deus para com Israel. Em 2Cr 21,1, a peste, que na concepção mais antiga era tida como obra de IHWH, é atribuída a esse agente da catástrofe e da destruição que já possui um nome próprio: Satã. Sb 2,24, que atribui a entrada da morte no mundo à inveja do Diabo revela a influência dos escritos apócrifos do tardio judaísmo.
No judaísmo tardio Satã é apresentado como inimigo e sedutor do homem e sua derrota era esperada para o final dos tempos. Ele é visto como alguém que age mal e tem ódio pelos homens. Satã é considerado o príncipe dos espíritos maus (os demônios), de modo que o homem deve saber distinguir entre os anjos de IHWH e os de Satã. No apócrifo sobre a vida de Adão e Eva, Satã é o tentador que fala através da serpente. Quando Adão pergunta o motivo de seu ódio pelos homens, ele responde que Miguel o expulsou do céu porque se recusara a adorar o homem, imagem de Deus. No livro de Enoc usa-se o plural “satãs”, como tentadores dos anjos e dos homens.
O Novo Testamento serve-se freqüentemente das idéias do judaísmo de sabor mitológico para chamar atenção com urgência escatológica sobre o poder do mal moral no mundo. Neste sentido, os textos que falam sobre Satã e os demônios jamais podem ser considerados da mesma importância que os textos que anunciam a salvação: eles são simplesmente o contraponto que alerta para a responsabilidade humana e a possibilidade concreta de um “não” a Deus. Nos sinóticos o diabo é chamado “o inimigo” (cf. Mt 13,36; Lc 10,19) e “o maligno” (cf. Mt 13,19; 38) e, nos escritos joaninos, ainda mais intensamente, “o príncipe deste mundo” (cf. Jo 12,31; 14,30; 16,11; 17,15; 1Jo 2,13s; 5,18) e, portanto, adversário da obra da redenção do Filho encarnado (cf. 1Jo 3,8; 3,10). A própria vida e missão de Jesus são apresentadas como uma luta contra Satanás: seu objetivo é a vitória do homem sobre o diabo, reduzindo-o à impotência. É este o contexto no qual devem ser compreendidas as palavras de Jesus sobre o diabo, bem como sua prática de exorcismos. A luta contra Satanás perpassa o combate de Jesus contra os judeus incrédulos, chamados “filhos do diabo” (cf. Jo 8,44), e chega ao seu paroxismo na paixão, que será, no entanto, o triunfo de Cristo. As dêutero-paulinas atribuem à vitória de Cristo uma dimensão cósmica (cf. Ef 2,2; 6,10-20; Cl 2,9.15) e o Apocalipse anuncia a derrota total de Satanás (cf. 12,7ss). No entanto, neste meio-tempo ele pode seduzir os fiéis (cf. 1Cor 7,5; 2Cor 2,11; At 5,3) e perseguir a Igreja (cf. At 13,10; 1Pd 5,8s; Ap 12,13-17). É ele o inimigo que semeia o joio no campo do pai de família (cf. Mt 13,39) ou arranca do coração do homem a semente da Palavra (cf. Mc 4,15). Paulo, ao falar do Pecado, parece supor a ação de Satanás, pai do pecado (cf. Rm 5,12//Sb 2,24; Rm 7,7//Gn 3,13). Assim, o cristão deve escolher entre Deus e Satanás, entre Cristo e Belial (cf. 2Cor 6,14), entre “o Maligno” e “o Verdadeiro” (cf. 1Jo 5,18s).
b) Quanto aos demônios, era comum a crença neles nas culturas do antigo Oriente, que dava uma feição pessoal à inúmeras forças obscuras que se pensava presentes por trás dos males que assaltam o homem. Praticava-se, então, ritos mágicos, como parte da medicina, para livrar as pessoas e controlar tais demônios: toda doença era atribuída a um tipo de demônio.
No Antigo Testamento fala-se em demônio do deserto (cf. Lv 16,8-26), da noite (cf. Is 34,14),do meio-dia (cf. Sl 91,6) e outros tantos demônios nocivos (cf. 2Cr 11,15; Is 2,6; Sl 106,6), exprimindo-se, assim, uma clara relação com a natureza. No entanto, a severa proibição da magia na Lei hebraica tende a excluir a doutrina e a prática demonológicas em Israel. A crença nos demônios, portanto, não se reflete de modo importante no Antigo Testamento, salvo em algumas alusões presentes na linguagem popular e em algumas referências à superstição entre os hebreus (cf. Dt 32,17; Sl 106,37; Is 13,21; 34,14). Os profetas protestaram energicamente contra uma visão pagã de tais demônios, na qual eles eram tidos até mesmo como deuses; no Antigo Testamento afirma-se sempre que são subordinados a IHWH. Nesta linha o judaísmo os vê como espíritos maus, identificados com os ídolos estrangeiros, capazes de seduzir o homem.
A literatura extra-bíblica do judaísmo tardio demonstra uma crença arraigada nos demônios e os vê como anjos decaídos. Em muitos aspectos tais crenças são influenciadas pela mitologia mesopotâmica e grega. Os demônios são também identificados com os filhos de Deus que casaram com as filhas dos homens (cf. Gn 6,1-4), de cuja união teriam nascido os gigantes folclóricos da mitologia. Tal interpretação corresponde efetivamente à perícope de Gênesis, que é um fragmento mitológico de origem desconhecida! Acreditava-se que tais demônios são responsáveis pelas doenças e pelas desgraças. Eles estariam organizados em um reino, sob um chefe chamado Mastema, Belial ou Satanás!
No Novo Testamento Jesus adota a linguagem do judaísmo, mas purifica-a, adaptando-a à cristologia: os demônios são espíritos impuros que se opõem ao advento do Reino de Deus instaurado por Jesus (cf. Mc 3,22-30); por isso ele os expulsa como sinal do Reino que começa a se fazer presente (cf. Lc 11,20). A tradição neo-testamentária interpretou a sua Páscoa como vitória que destruiu tais potências demoníacas (cf. 1Cor 15,23-28; Cl 2,15). Em outros textos neotestamentários, as vítimas dos sacrifícios pagãos são imoladas aos demônios (cf. 1Cor 10,20s) e os demônios são apresentados como espíritos sedutores, responsáveis por falsas doutrinas (cf. 1Tm 4,1); eles chegam mesmo a fazer maravilhas (cf. Ap 16,14), são chamados “anjos de Satanás” (cf. Mt 25,41) e lhes está reservado o fogo eterno. Quanto aos principados, tronos, autoridades, soberanias, dominações e autoridades (cf. Rm 8,38; 1Cor 15,24; Ef 1,21; 3,10; 6,12; 1,16; Cl 2,10) são de difícil compreensão. O importante é que o Novo Testamento afirma diante deles o absoluto primado de Cristo: se são perversos, foram subjugados por Cristo; se são bons, têm a Cristo como cabeça e estão a seu serviço!
Uma última observação quanto à demonologia bíblica: pode-se perguntar até que ponto o Novo Testamento, ao falar em Satanás e em demônios, utiliza a linguagem e o simbolismo da mitologia para personificar o mal. Certamente uma tal linguagem não implica em afirmações dogmáticas e filosóficas sobre eventuais forças do mal, pessoais e cósmicas. A questão não é de fácil solução. Mais adiante, trataremos dela.
Nos Padres da Igreja o Diabo é chamado sobretudo Satanás, o Maligno, Lúcifer (o portador da luz; isto com base numa exegese impertinente de Is 14,12 e Jó 41,10). Metódio chama-o “faraó”, Basílio o denomina “misantropo” e muitos outros identificam-no com a serpente de Gn 3 e 2Cor 11,3 (tal opinião foi completamente abandonada pela exegese moderna). No que diz respeito aos demônios, são anjos decaídos, vítimas do desejo de possuir as filhas dos homens. Quanto ao Magistério eclesial, impelido pelos erros dualistas dos priscilianos, o Papa Leão I, ensinou em 447, que o diabo não é uma substância originária saída de modo autônomo do caos: ele é criatura de Deus, essencialmente boa, que fez mau uso de sua liberdade[7]. Assim, ensinava Inocêncio III, o seu pecado é estruturalmente igual ao dos homens: um ato de livre vontade:
Nós cremos que o Diabo tornou-se mau não por predisposição, mas por livre escolha[8].
O Sínodo de Braga, em 561 já ensinava igual doutrina e rejeitou a opinião segundo a qual o diabo seria o responsável pelos trovões, raios e temporais ou, ainda, pela formação do corpo humano no seio materno[9]! Declaração infalível da Igreja sobre o assunto é a do IV Lateranense em 1215:
O Diabo e os outros demônios foram criados por Deus naturalmente bons e tornaram-se maus por sua própria culpa. E o homem pecou por sugestão do Diabo[10].
A intenção do concílio era condenar o dualismo dos cátaros e albigenses: estes afirmavam que a matéria não é obra de Deus e que o diabo e os demônios também não são criaturas de Deus: eram perversos e incriados ou chamados à existência por um princípio do mal anti-divino, independente de Deus. O ensinamento primário do concílio é muito sóbrio: há um só princípio, um só criador de tudo quanto existe: Deus, criador de todo o bem; o mal não vem de Deus, mas do mau uso da liberdade por parte da criatura. Assim, afirma-se a qualidade positiva da criação. O concílio não diz nada sobre o número dos demônios, sobre sua culpa ou a extensão de seu poder. Em outras ocasiões o Magistério pronunciou-se sobre o diabo, mas somente em proposições subordinadas e secundárias: ele é o soberano do império da morte[11] e de todo o mal moral presente no mundo[12]; ele é sujeito a uma pena perpétua[13].
Quanto ao modo de ação do diabo e seus anjos no mundo, a teologia clássica e o Magistério ordinário afirmam três modos diversos: (1) a tentação, que se faz à maneira de sugestão, que desperta normalmente uma inclinação para o mal. Mas só há pecado quando provém do livre consentimento; (2) a obsessão, ação diabólica apenas exterior, na qual a vítima é atormentada fisicamente, sem que perca o domínio sobre os atos do seu corpo; quando a ação demoníaca incide sobre lugares e ambientes chama-se infestação e (3) a possessão, na qual o demônio se serve do corpo da pessoa, como esta mesma o faria: move-o, fala, atua, sem que o possesso consiga resistir a isso, embora sua vontade permaneça inatingida. Convém ressaltar que não há nenhuma declaração solene da Igreja sobre temas como a possessão e a obsessão, no entanto, a Escritura e a constante Tradição eclesial apontam para uma real possibilidade destas realidades, de modo que nega-las simplesmente é temerário.
Após este breve percurso pela Escritura, o Magistério e a tradição teológica da Igreja, convém uma breve apresentação do status quaestionis.
Alguns teólogos e exegetas mostram-se hoje propensos a negar a existência individual do diabo, que seria apenas uma manifestação concreta do mal moral no mundo, expressa numa cultura pré-científica pelos escritos do Novo Testamento. Em 1969, HEBERT HAAG, docente de Antigo Testamento em Tubinga, chegou a negar a existência do diabo: ele seria apenas a objetivação mitológica do mal presente no mundo, que ultrapassa a simples soma dos males individuais. Na atual sociedade científica uma tal concepção seria insustentável e desnecessária! A obra de HAAG influenciou muitos teólogos. No entanto, há teólogos mais moderados que afirmam que ainda que o diabo não exista como indivíduo, é absolutamente necessário continuar falando nele, como objetivação simbólica do mal que transcende na história a mera soma das opções negativas das liberdades individuais: o mal desencadeado pelo mal uso da liberdade humana teria uma tal força e dinamismo que já não está mais sob o controle do homem, mas se constitui uma realidade como que autônoma[14].
Que pensar de tais tentativas de compreensão? Se é verdade que a existência dos anjos é, segundo a grande maioria dos teólogos, verdade de fé definida pela Igreja, torna-se muito difícil negar a existência individual de Satã e seus anjos sem ferir a fé da eclesial: como já foi dito anteriormente, se existem liberdades criadas que não o homem, é necessário afirmar que tais liberdades são capazes de um não a Deus e é plenamente lícito supor que algumas de tais liberdades tenham, efetivamente, respondido negativamente a Deus. É esta a constante tradição bíblico-eclesial! Assim, deve-se manter como sendo parte da fé católica a afirmação da existência do diabo e seus demônios. No entanto, a posição de HAAG e outros teólogos tem o importante papel de convidar a teologia a uma maior moderação e mais acurado senso crítico nas suas afirmações sobre a demonologia. Neste sentido se movem importantes teólogos e exegetas atuais, como K.RAHNER, W.KASPER, K.LEHMANN, J.RATZINGER, CH. DUQUOC, entre outros, que fazem interessantes aprofundamentos[15].
Uma primeira observação é que não se pode com cândido desembaraço afirmar que Jesus, no que diz respeito ao diabo, simplesmente conformou-se à mentalidade do seu tempo. Nem todos na cultura judaica aceitavam a existência de Satã: é o caso dos saduceus (cf. At 23,8). Ademais, para uma reta avaliação da demonologia do Novo Testamento, RATZINGER propõe quatro pontos norteadores, de cunho hermenêutico:
i. Comparando a demonologia do Novo Testamento com a do Antigo, constata-se uma expansão do Novo em relação ao Antigo, com um peso impressionante na vida de Jesus. Tal processo de intensificação tem um forte significado: na história inicial da fé vétero-testamentária a afirmação de potências demoníacas deveria permanecer em segundo plano para deixar firme a fé no Deus único. Ora, a fé cristã proclama tal unicidade e somente a partir de Deus contempla e avalia o mundo. Quanto mais o homem está próximo a Deus, tanto mais torna-se realista e com mais clareza distingue e experimenta o que é santo e, em contrapartida, consegue desmascarar o engano do diabo. É precisamente esta a realidade trazida por Cristo.
ii. Para avaliar a importância de algum elemento da fé, é necessário sempre perguntar que relação ele tem com a realização interior da fé e com a fé concreta e existencial do crente. Uma asserção que tenha um influxo mais direto no desenvolver-se da existência cristã deve ser considerada como parte daquilo que é essencialmente cristão. Ora, a luta de Jesus com as potências demoníacas pertence ao específico caminho religioso do próprio Jesus: os exegetas atuais reconhecem que o Jesus se considerava vindo ao mundo para destruir o reino de Satanás, instaurando o Reino de Deus na força do Espírito (cf. Mc 3,20-30). Não deixa de surpreender que ele, que não aceitava ser um messias “milagreiro”, considerasse a luta contra o diabo como parte central de sua missão (cf. Mc 1,35-39) e dos poderes que ele concede aos discípulos (cf. Mc 3,14s). É de tal modo importante o modo como Jesus se refere a tais forças demoníacas que seu caminho espiritual muda profundamente se se exclui esta luta contra o Reino de Satanás.
iii. Para uma exegese realmente eclesial é necessário observar de que modo determinadas realidades da Escritura foram acolhidas na fé da Igreja. No entanto, tal fé não é uma realidade unívoca e facilmente determinável, de modo que é necessário observar com exatidão em que medida uma realidade faz parte do núcleo da fé eclesial, a ponto de ser base da oração e da própria vida do povo de Deus, para além de qualquer contingenciamento cultural. Ora, o Batismo, experiência central do ser cristão, sempre foi celebrado na Igreja num contexto de exorcismo (menor) e renúncia a Satanás, introduzindo o homem no modelo de existência de Cristo, na sua luta e na sua liberdade. A partir do Batismo o cristão deverá apropriar-se do caminho do próprio Senhor, vencendo Satanás como Jesus venceu. Negar a potência demoníaca implicaria numa radical mudança do modo de conceber o Batismo e sua realização na vida cristã. Neste sentido, é importante que a teologia esteja atenta à experiência dos santos: sua experiência é a de Jesus: quanto maior é a presença da santidade, menos o diabólico pode esconder-se. É sintomático que o escondimento do demoníaco no mundo atual intensifica-se na mesma proporção do desaparecimento do que é santo!
iv. Um sério problema atual é a questão de conciliar a fé com determinada visão do mundo. Aquela deve ser continuamente crítica àquilo que vez por outra aparece como certeza simplesmente porque moderno e novo. Se é verdade que a fé não pode contradizer um conhecimento científico garantido, não é menos verdadeiro que ela não se move ao sabor dos gostos e modas mentais de cada época.
Estes pontos norteadores, de valor variável, apontam para a responsabilidade das afirmações concernentes à demonologia. Biblicamente é inegável a convicção da existência de forças demoníacas, ainda que denominadas de modo muito variável na Escritura, de tal maneira que o problema de sua existência não pode ser resolvido com um simples sopro de demitização! Exegetas sérios afirmam que não se trata simplesmente de demitizar tais forças para vencê-las: somente a fé em Deus e na sua promessa salvífica nos liberta realmente. Do ponto de vista exegético, devem ser superadas simplesmente algumas representações ligadas à cosmovisão da época, como responsabilizar os demônios pelas doenças, falar em “potências dos ares” (cf. Ef 2,2) e até mesmo a admissão do fenômeno da possessão.
Uma questão bem mais séria é aquela de determinar até que ponto se pode falar no diabo como um “ser pessoal”. A resposta a tal problema é complexa, pois o próprio termo “pessoa” é analógico se aplicado a Deus, ao homem ou aos puros espíritos. Já São Tomás de Aquino hesitava em empregar tal conceito para os seres que são puras inteligências. Se nos ativermos à definição de Boécio (persona est naturae rationalis individua substantia), então pode-se aplicar o termo pessoa a um ser que é puro espírito. Ora, a Escritura vai além deste simples conceito, ao supor que Satanás (Acusador, Tentador, Adversário, Corruptor) é dotado de inteligência e vontade, apontando assim para uma subjetividade que ultrapassa o conceito clássico de pessoa! É aqui que o conceito mostra-se problemático[16]: atualmente “pessoa” e “personalidade” envolvem uma profunda dimensão relacional eu-tu, no diálogo, na comunicação e na responsabilidade construtiva. “Pessoal” implica algo de exigência de amor, não sendo uma realidade neutra, mas pressupondo um verdadeiro encontro. Como, então falar do diabo como pessoa? Levando em consideração a riqueza que o termo atualmente comporta, faremos as seguintes esclarecimentos, inspirados em K.LEHMANN, J.RATINZGER e W.KASPER:
1. Satanás é um ser dotado de capacidade de conhecimento e vontade que, porém, não lhe serve para conhecer a verdade e desejar o bem, de modo que o seu agir é profundamente condicionado pela vontade de destruição. Na sua essência puramente espiritual aparece o quanto o mal não é somente privação do bem, mas também um agir positivo contra o bem: o diabo não é somente uma coisa má; ele é malvado, “Maligno”, no dizer de Jesus! Portanto, bem e o mal, do ponto de vista teológico, não podem ser definidos simplesmente em termos ontológicos como privação do bem, mas somente em relação a Deus, isto é como uma falta diante de Deus ou perversão da relação com ele. Malvada é aquela criatura dotada de liberdade que não reconhece o sentido do seu ser-criada e quer ser ela mesma seu deus. Ora, o sentido do ser contra Deus somente pode ser encontrado no ser ninguém: Satanás é ninguém, mas não é nada! Assim, o mal de Satanás e seus anjos constitui-se na livre negação de Deus e do seu plano salvífico em Jesus Cristo. O mal, portanto, não é privação do bem, mas privação de Deus até à perversão de si mesmo, do seu ser criatural: o diabo é dobrado sobre se mesmo, fechado, endurecido, não pelo seu próprio ser criado, mas por livre decisão sua, de modo que ele subverte seu próprio ser e anula sua própria liberdade como capacidade de bem, de resposta positiva ao Criador, de tal sorte que não é possível encontrar nenhuma analogia a tal situação na esfera criada. Dramaticamente, sua essência é o não estar jamais contente na sua obra de destruir, desejando destruir sempre mais! Por tudo isso, o Maligno é contraditório, perverso, esquizofrênico, totalmente alienante, absurdo, desorganizado, destrutivo e caótico.
2. O poder das trevas se manifesta, mas jamais se revela: o diabo subtrai-se a qualquer identificação e aqui reside a fonte da incompreensibilidade do Maligno: único na sua essência, múltiplo no seu aparecer, nada e ao mesmo tempo extremamente destrutivo, pessoal e ao mesmo tempo irreconhecível, transfigurado em anjo de luz! Por isso mesmo ele é a negação de pessoa e da personalidade: ele age de um modo que dissolve a pessoa, deformando o homem em pura e amorfa massa e eximindo-o de toda a responsabilidade pessoal. Com acuidade Ratzinger elege a categoria de “relação” para analisar a personalidade do diabólico: ele observa que somente as categorias “eu” e “tu” não são suficientes para abarcar a realidade; é necessário incluir a relação que une o “eu” e o “tu” e torna-se uma característica autônoma em relação aos dois pólos. Assim, a relação é uma força decisiva do destino, do qual o nosso eu não pode dispor à vontade. É precisamente nesta relação que se manifesta privilegiadamente o demoníaco, enquanto com ela o homem é constantemente confrontado numa realidade que lhe é exterior e atenta contra a retidão da relação entre o “eu” e o “tu”, colocando em xeque a própria liberdade humana! É aqui que se colhe a especificidade do demoníaco: a sua ausência de fisionomia, o seu ser anônimo, impessoal: ele é não-pessoa, a desagregação, a dissolução do ser pessoa, o sem-face, de modo que sua irreconhecibilibade é sua verdadeira força. Assim, ele é uma potência real, ou melhor, um concentrado de potências e não uma simples soma de “eu” humanos. Daqui é possível compreender como a força anti-demoníaca por excelência seja o Santo Espírito do Ressuscitado: ele é o intermediário no qual Pai e Filho se constituem numa só coisa; nele o cristão encontra a unidade com o Deus em Cristo e, em Cristo, com os irmãos. Por isso mesmo o cristianismo terá sempre uma missão de exorcismo: desmascarar e expulsar o demoníaco que se esconde no anonimato das modas e ideologias de cada época[17].
3. Estas reflexões mostram que o ser pessoal do diabo revela aspectos coletivos, a tendência de mascaramento, a intenção de enganar e o caráter de anonimato. Ratzinger tem razão de afirmar que o diabo é não-pessoa, manifestando-se em estruturas tipicamente a-pessoais, diluídas na massa. É exatamente aqui que os cristãos receberam de Cristo a missão de exorcizar Satanás e seus demônios: é dever dos discípulos de Cristo desmascarar e denunciar o mal, exorcizando-o em nome do Ressuscitado. Este exorcismo não se constitui simplesmente numa renúncia “humanamente correta”, mas numa invocação do poder daquele que recebeu toda autoridade no céu e na terra: somente na sua graça e com sua força o homem poderá vencer e expulsar o Maligno do seu coração e do coração do mundo!
4. Aparece, então, claramente o ser contraditório do diabo: o mal é o ninguém e ninguém busca o ninguém pelo fato de ser ninguém – busca-se-lo pensado ser um bem. Daí o diabo ter que travestir-se em anjo de luz, sendo o fingido, o mascarado, aquele que é ambíguo. Curiosamente, aqui reencontramos o antigo conceito de pessoa (prósopon) na sua acepção de máscara!
Por todos estes motivos acima elencados, é difícil, sem mais, atribuir um ser pessoal ao diabo. Por outro lado, convém recordar que ele continua um ser criado e amado por Deus, sua criatura, radicalmente boa, de modo que aqui se radica algo de personalidade, apesar da subversão operada pela sua vontade criatural desvirtuada. Este elemento pessoal é importante quando se reflete sobre a origem do mal, pois barra a entrada de qualquer interpretação naturalística do mal ou uma sua inadequada acentuação. O mal tem sua origem na liberdade do ser criatural.
Concluindo esta apresentação sobre anjos de demônios, podemos fazer o seguinte raciocínio. Toda a criação procede do Pai, pelo Filho, no Espírito e é chamada radicalmente à comunhão plena com o Pai através do Filho morto e ressuscitado na potência do Santo Espírito, Senhor e Vivificador de tudo quanto existe. A uma tal comunhão toda a criação é conjuntamente chamada, sendo parte de uma única historia salutis. Somente nesta perspectiva tem sentido uma reflexão teológica cristã sobre os anjos e demônios. Como os homens, também estes seres que a Escritura nos revela como pertencentes ao mundo invisível, igualmente criado por Deus, foram e são chamados à comunhão com Deus em Cristo e, assim, à comunhão com todo o criado. Do sim ou não ao chamado através de Cristo depende a realização plena ou a frustração profunda do seu ser criatural: nos anjos e demônios ocorre de uma só vez aquela situação de plenitude ou frustração que os seres humanos vivenciarão somente na Parusia do Senhor. É exatamente nesta real possibilidade de não a Cristo que tem sentido falar sobre o diabo e seus anjos: sua frustração, seu mascaramento, sua incapacidade de comunhão, sua desagregação como pessoa, seu desamor encontram sua última razão de ser no fechamento àquele que é Cabeça do corpo que, ao fim de tudo, será todo o mundo criado. Esta Cabeça é o Cristo Ressuscitado que, no seu Espírito que dá vida a toda a criatura, nos introduz na comunhão com o Pai
Uma última e insistente observação: afirmar a existência dos anjos e demônios não autoriza os cristãos a um concepção mítica da realidade nem a uma exegese ingênua e grosseira dos textos evangélicos!
 
 
[1] Na preparação deste capítulo valemo-nos das seguintes obras: B.Marconcini & alt., Angeli e demoni, Bologna, 1992; C.F.Gomes, Riquezas da mensagem cristã, Rio de Janeiro, 19812, pp.228-238; J.Auer, El mundo, creación de Dios, Barcelona, 1985, pp. 448-499; J.E.Martins Terra, A angelologia de Karl Rahner à luz dos seus princípios hemenêuticos, Aparecida, 1996; J.L.Mackenzie, Dicionário Bíblico, S. Paulo, 1984, pp. 225-227; 852-854; J.Michil, Anjo in H.Fries, Dicionário de Teologia, vol. 1, S. Paulo, 1983, pp. 106-120; K.Rahner, Ángel, in Sacramentum Mundi, vol. 1, Barcelona, 1982, cols. 153-162; Angelologia, ibidem, cols. 162-171; M.Schmaus, A fé da Igreja. Vol. II – Cristologia, Petrópolis, 1982; pp. 141-154; P.Grelot & P.M.Galopin, Anjos, in X.Leon-Defour,Vocabulário de teologia bíblica, Petrópolis, 1987, cols. 59-62; W.Kasper & K.Lehmann,(edd), Diavolo, demoni, possessione, Brescia, 1983.
[2] Alguns destes critérios foram inspirados em Karl Rahner, Angelologia, cols. 162-164.
[3]J. E. Martins Terra, op. cit., pp. 379-381.
[4] Denz 800
[5] Denz 3002
[6] Para uma apresentação mais clássica e sistematizada da angelologia, cf. C.F.Gomes, op. cit. A impostação é fortemente tomista. Aí aparecem afirmações como: “Discutem os teólogos se se deva dizer que a graça angélica, no que tem de essencial, seja devido a Cristo, ou se apenas receba seus influxos” (p. 236, nota 294)... como se existisse outra graça que não fosse gratia Christi!
[7] Denz 286
[8] Denz 797
[9] Denz 457-458.462
[10] Denz 800
[11] Denz 291
[12] Denz 1347; 1511; 1521; 1668
[13] Denz 801
[14] É esta a perspectiva do interessante e equilibrado estudo de J.R.Gopegui, As figuras bíblicas do diabo e dos demônios em face da cultura moderna, in Perspectiva Teológica, 29, Belo Horizonte, 1997, pp. 327-342.
[15] Além das obras já citadas no tocante à angelologia, cf. ; A.Ganoczy, Diavolo, in W.Beinert, Lessico di Teologia Sistematica, Brescia, 1990, pp. 176-178; Ibidem, Demoni, pp. 168s; Congregação para a Doutrina da fé, Foi chrétienne et démonologie, in Enchiridion Vaticanum, 5, Bologna, pp. 830-879; J.Navone, Diabo/Exorcismo, in S.de Fiores & T.Goffi, Dicinário de Espiritualidade, S. Paulo, 1989, pp. 267-278; J.Ratzinger, Dogma e predicazione, Brescia, 1974, pp. 189-197; W.Kasper & K.Lehmann (org), Diavolo, demoni, possessione, Brescia, 1983.
[16] Teólogos como w. Kasper, K. Lehmann e J. Ratzinger encontram dificuldades em dizer que Satanás e os demônios são pessoas.
[17] Na sua encíclica Dominum et vivificantem, João Paulo II apresenta uma penetrante análise dessa realidade (cf. nn. 42-48).57.