500 provérbios portugueses antigos Educação moral, mentalidade e linguagem
O livro dos provérbios de Antonio Delicado
Na Biblioteca Municipal Mário de Andrade (São Paulo), encontra-se uma raridade: um exemplar original do livro do lecenciado prior Antonio Delicado, Adagios portuguezes reduzidos a lugares communs, Lisboa, Officina de Domingos Lopes Rosa, 1651. A obra recolhe cerca de 4000 provérbios [1] , (a grande maioria, populares), "reduzidos a lugares communs", isto é, agrupados em capítulos [2] .
Neste estudo, apresentaremos uma seleção de 500 desses provérbios [3] . Os numerados de 035 a 265 pareceram-nos mais significativos para os temas da mentalidade, da educação moral, da sátira dos vícios e para o estudo da linguagem da época.
O autor aponta, em breve prefácio, as razões que o levaram a realizar sua coletânea: "os adagios são as mais approvadas sentenças que a experiência achou nas acçoens humanas, ditas em breves e elegantes palavras", um tesouro não só de sabedoria moral, mas também de "todas as artes & sciencias". Trata-se, pois, de fazer, para Portugal, o mesmo trabalho com provérbios, que muitos autores estrangeiros da época estavam empreendendo, para diversos países da Europa [4] . Delicado encerra seu prólogo, dizendo que introduz uma novidade, a de "reduzir" as sentenças a "lugares communs" [5] : para facilitar a consulta e o uso ("...para ornamento da nossa lingua Portugueza e boa doutrina moral, que a todos os estados pertence").
Permanência/diversidade: a natureza humana apreendida nos provérbios
Recolhendo o saber popular, o livro é um documento que nos dá preciosas informações sobre Portugal (e, por extensão, sobre o Brasil) da época: o homem em sua existência quotidiana, as condições de vida, o sensato e o ridículo, as alegrias e as tristezas, as grandezas e as misérias, a realidade e os sonhos, a objetividade e os preconceitos... Mas não se trata só de interesse histórico (ou arqueológico...): mais do que qualquer outra expressão literária, os provérbios têm, freqüentemente, o dom de incidir sobre aquele núcleo permanente, atemporal da realidade do homem. E daí decorre sua perene atualidade.
Demasiadamente impressionados por sociologismos, relativismos e historicismos, nós tendemos à incompreensão de épocas passadas e a pensar que somos muito originais, quando, na verdade, o que realmente ressalta dos estudos históricos e antropológicos é não a diferença, mas a identidade. Para além das concretas formas históricas [6] , está lá o mesmo homem, com suas grandezas e mediocridades... Já há séculos, a sabedoria popular lusitana advertia:
001. "Tais somos nós, tais sereis vós" [7] .
O mesmo homem, por vezes decifrado em provérbios geniais. Por mais diversas que sejam as épocas, as latitudes ou as tribos, sempre encontraremos, essencialmente, pesadas críticas e ironias contra o egoísmo, a avareza, a inveja, a pequenez etc. e - invariavelmente também - o louvor da generosidade, da sinceridade, da grandeza, da lealdade etc. São fatos constantes em todas as culturas.
Precisamente a consciência dessas permanências, de que nós (apesar de nossa ilusão de progresso linear) não somos tão diferentes e "evoluídos" quanto pensávamos, talvez seja uma das principais contribuições que o leitor de hoje pode receber da obra de Delicado.
Provérbios e educação moral
Essa contribuição afeta diversas ordens. Antes de tratar do tema da permanência da linguagem, importa destacar, no contexto deste livro, a educação moral. Quando se tem em conta que a educação - mais do que no âmbito oficial da escola - exerce-se na interação social informal e que a moral pressupõe, antes e acima de tudo, conhecimento sobre o ser do homem, torna-se imediatamente evidente que a tradição viva de provérbios populares é poderosa instância de educação moral (que, naturalmente, valerá o que valerem os conteúdos veiculados...).
No caso, essa educação se faz, antes de mais nada, pela possibilidade de circunscrever, de configurar uma atitude que passaria despercebida, se os provérbios não chamassem a atenção para ela: especialmente para a educação moral vale a intuição contida na acumulação semântica da palavra castelhana enseñar: ensinar e mostrar! Há, portanto, parece-nos, uma co-relação entre a desorientação moral contemporânea ocidental e o desenraizamento das tradições proverbiais. E Delicado tem razão, quando indica o alcance educativo dos provérbios: "pera boa doutrina moral, que a todos pertence". Uma observação particularmente pertinente para o Bra-sil de hoje, carente de referenciais comuns: no campo da realidade e no da linguagem.
Nesse sentido, o Oriente, mais arraigado na tradição oral, recebe mais amplamente seus benefícios. Como dissemos alhures: "Precisamente um dos mais graves problemas culturais do Ocidente, hoje, é a ausência de referencial comum, duradouro e universal. Já não há, para nós, clássicos: nem Homero, nem a Bíblia, nem provérbios... (...). Já o oriental acha-se respaldado, em segurança, sob a proteção da verdade de um passado milenar que ele aceita, que lhe é próprio, que o norteia, que o ampara e não o deixa entregue à perplexidade de quem está num mundo, onde tudo é vivido por primeira vez, sem raízes; que lhe é impertinente" [8] . Para um antigo, era evidente que o comum, o social e o próprio Estado dizia-lhe respeito:
002. "Por teu Rey pelejaste (lutaste), tua casa guardaste".
Hoje, o que pode motivar um brasileiro a abdicar de seu individualismo? A educação moral é tarefa tão difícil quanto urgente numa época - sob a égide da "lei do oportunismo" - em que a linguagem viva já não dispõe sequer de nomes para as virtudes (nem para os vícios...)em que, quase se pode aplicar a toda uma sociedade o diagnóstico que os contemporâneos de Delicado aplicavam a um ou outro indivíduo:
003. "Onde nam ha honra, nam ha desonra" [9] .
Permanência/diversidade: a linguagem comum nos provérbios
Muito mais do que à primeira vista poderia parecer, até a linguagem comum de hoje continua marcada por modos de falar e expressões muito antigas. Naturalmente, em alguns casos, seu significado pode ter-se tornado, para nós, um tanto opaco; seu emprego, formal e mecânico: precisamente pela desvinculação do contexto proverbial que lhes dava plenitude de sentido [10] .
Daí que um dos mais interessantes efeitos do contato com essas sentenças do Portugal de há séculos, seja o resgate da formulação original de modos de dizer que ainda hoje continuam na boca do povo, mas sem a transparência e a viveza com que surgiram. E encontramos dezenas de expressões - Apêndice I (provérbios 266 a 315) - que continuamos usando, por vezes sem a força da formulação completa - o contexto dado por antigos provérbios - com que surgiram. É o caso de: "dor de cotovelo", "morrer na praia", "a torto e a direito", "dar no pé", "casa da sogra" e "outros baratos"...
Noutros casos - destacados no Apêndice II, provérbios 316 a 399 - chegou a nós o provérbio completo. Como por exemplo: "Gatto escaldado, da agua fria ha medo" e "Gram e gram enche a galinha o papo".
A apreciação da linguagem e da cultura popular da época pode se ampliar no Apêndice III, onde apresentamos uma amostra de outros Adágios portuguezes (provérbios 400 a 504), seguindo os "lugares communs" estabelecidos pelo próprio Delicado.
Influências de outras culturas
A maior parte dos provérbios colhidos por Delicado são genuinamente portugueses (alguns de séculos anteriores). E isto se evidencia pelo tom, pelo léxico, pela rima - "Com latim, rocim e florim, andarás mandarim" (cultura, cavalo e dinheiro é que dão status); veja-se também, p. ex., 225 e 226 - ou por conterem observações, necessariamente regionais, sobre o clima e a agricultura (época de plantio ou da colheita, associadas a datas de festas de santos etc.), como:
004. "Por Sam Clemente (dia 23 de novembro) alça a mam da semente".
Outros provérbios são importados, tradução/adaptação de provérbios latinos, árabes, franceses etc. Da tradição literária latina, procedem, entre outros:
005. "Affeiçam, cega a razam" - Paralelo ao Amantes amentes de Terêncio [11]
006. "Amor, dinheiro e cuidado nam está dissimulado" ou
007. "Amor, fogo e tosse a seu dono descobre". Ajunta "fogo", "dinheiro" e "preocupações" à clássica enumeração das realidades que não é possível esconder: Amor tussique non caelatur (Ovídio).
008. "Cada cabello faz sua sombra na terra" - Etiam capillus unus habet umbram suam (P. Siro).
009. "Huma mam lava a outra e ambas o rosto" - Retoma o clássico: Manus manum lavat (Petrônio).
010. "Qual cabeça, tal sizo" - Tot capita, tot sententiae.
011. "Quem dá logo, dá duas vezes" - Bis dat qui dat celeriter (Sêneca).
012. "Quem do escorpiam está picado, a sombra o espanta" - Este provérbio e os semelhantes ("Gatto escaldado..." ou "Gatto a quem morde a cobra...") retomam Ovídio: Tranquillas etiam naufragus horret aquas, "O náufrago tem medo até de águas calmas".
013. "Voz do povo, voz de Deos" - Vox Populi, vox Dei. Etc.
Particularmente importante é a influência de Espanha [12] . Muitos provérbios denunciam sua origem espanhola quando, retraduzindo-se para o castelhano, se recupera a rima, inexistente na versão portuguesa. Muitas vezes, perde-se a rima (e, com ela, parte da graça do provérbio), mas não se fazem concessões a estrangeirices [13] . Assim Delicado registra:
014. "Medicos de Valença, grandes fraldas, pouca Sciencia" [14] .
015. "Amizade de genro, sol de inverno (não aquece...)" (cast.: yerno/invierno).
016. "Avicena e Galeno [15] trazem a minha casa o bem alheo" (cast.: Galeno/ajeno).
017. "Minha filha Tareja, hum diabo a toma, outro a deixa" (cast.: Tareja/deja) [16] .
018. "Quem tem ovelhas, tem pelejas" (cast.: ovejas/pelejas).
019. "Ao homem mayor (maduro, idoso), da-lhe honra" (cast.:mayor/ honor).
020. "Quem bem está e mal escolhe, por mal que lhe venha nam se anoje (aborreça, reclame)" (cast.: escoge/enoje).
A influência árabe
A influência árabe (com sua multi-secular presença na Península) é visível em muitos planos, para além da mera tradução de diversos enunciados procedentes do patrimônio sapiencial oriental.
Não percamos de vista o fato de que o sistema língua/pensamento árabe encontra sua adequada tradução, precisamente no provérbio. A propósito, recolhemos aqui, sinteticamente, algumas teses que desenvolvemos alhures [17] :
- O provérbio (tal como a língua árabe) tende à associação imediata de imagens [18] , tal como em:
021. "Desejo de doente, vista de barbeiro, serviço de molher". Ou, no há pouco mencionado,
022. "Amizade de genro, sol de inverno" (vide 216, 428 etc.).
- A expressão, tão típica dos provérbios, por frase nominal - uma opção para o Ocidente - é uma imposição das línguas semíticas.
- Provérbios remetem à experiência, ao passado. Nesse sentido, destaquemos um fato mental e gramatical, à primeira vista surpreendente: em certos contextos (e, notadamente, no dos provérbios), o árabe vale-se do passado até para expressar o futuro! De fato, como diz Jamil A. Haddad, a visão árabe de mundo está envolta num multifacético infinito que "remete à noção de tempo: o árabe vê o passado como um bloco homogêneo. E vê o futuro como um bloco homogêneo" [19] . E o futuro é, para o árabe, determinado pelo passado. E, assim, pode ser expresso em sentenças proverbiais.
Não é por acaso, portanto, que encontramos em Delicado:
023. "Queres ver o por vir, olha o passado" ou
024. "Pello fio tirarás o novello e pello passado o que está por vir".
E o português acaba imitando formulações árabes em que o futuro (incluído no supra-temporal, fixado pela experiência) é expresso em tempo passado:
025. "Quem sofreo, vençeo" (sentença que o ocidental expressaria, normalmente, em presente ou futuro: "Quem sofre, vence" ou "Quem sofrer, vencerá").
Antigos preconceitos
Provérbios não condensam só sabedorias, neles há também disfunções: preconceitos (e, portanto, contribuem para a deseducação moral). O mesmo árabe é alvo deles. Assim, o nome do tipo de certas atitudes ridículas é Axa ('Aisha):
026. "Axa foy ao banho, teve que contar anno" [20] (cast.: año/baño).
027. "Axa nam tem que comer, convida hóspedes". E do "mouro", se diz:
028. "Em casa do Mouro, nam fales algaravia [21] ".
O judeu, o cigano, o mestiço, a mulher [22] , o negro etc. também não escapam ao desprezo de alguns provérbios:
029. "Da laranja e da molher, o que ella der".
030. "Inda que somos Negros, gente somos e alma temos".
031. "Boa fazenda (riqueza) é [23] negros, se nam custassem dinheiro".
032. "Ao bom cavallo espora e ao bom escravo açoute".
033. "A judeo, nem a porco nam mettas no teu horto" (por causa do estrago que farão).
034. "Do sangue misturado... me livre Deos" etc.
O realismo dos fatos
Delicado registra diversas formulações extremamente incisivas [24] e isto se torna evidente quando o leitor interage com o texto, procurando imaginar situações concretas do quotidiano em que se aplicam. Alguns, especialmente divertidos, expressam - para o bem ou para o mal - um traço cultural: um senso de realidade, a que o português é particularmente sensível: um realismo que beira o cru [25] . "C'um saber só de experiências feito", de "lições" aprendidas no passado, o pragmatismo, o pessimismo e a desconfiança informam as palavras e os provérbios que se tiram do "experto peito" (Lusíadas IV, 94). E reciprocamente: os provérbios são poderosos instrumentos para a educação das novas gerações: para ironizar os defeitos e desmistificar ilusões a respeito da realidade e do ser humano.
Assim, materializam-se em sentenças, muitas formas - freqüentemente cheias de sarcasmo - de condenar e ridicularizar as atitudes contrárias a esse realismo prosaico. Os provérbios que selecionamos, a seguir, expressam um agudo senso de observação nesse sentido.
Realidade palpável
(Afirmação do "ver com os próprios olhos", do "pássaro na mão", do "pés no chão", do "a vida é assim" do "não dar passo maior do que a perna" e ridicularização da falta de "objetividade", "das vitórias de Pirro" e dos falsos otimismos).
035. "Andava na egua e perguntava por ella".
036. "Tenhamos a pata (ou o frango): entam falaremos na salsa".
037. "Vi hum homem, que vio outro homem, que vio o mar".
038. "Elles mattaram de nós quatro e nós furtamos-lhe um sacco".
039. "Alchimia é provada (comprovada): ter renda e nam gastar nada" (Em se tratando de dinheiro, é melhor evitar aventuras mirabolantes...).
040. "Cada hum estenda a perna ate onde tem a cuberta".
041. "Já tu sabes mais que eu, vai-te buscar tua vida" [26] .
042. "Brincai com o asno, dar-vos-ha na barba com o rabo".
043. "O dado, dado e o vendido, vendido".
044. "Se esta cotovia matto, tres me faltam para quatro".
045. "A quinta roda ao carro, nam faz senam embaraçar".
046. "Nam crie cam, quem lhe nam sobeje pam".
047. "Mais val hum toma, que dous te darei" [27] .
048. "Nam busques o figo na ameixieira".
049. "Quem compra o que nam pode, vende o que nam deve".
050. "Morto o afilhado, desfeito o compadrado".
051. "Digo huma e digo outra: quem nam fia, não tem touca"
052. "Abelha e ovelha e a penna detrás da orelha e parte na Igreja, desejava para seu filho a velha" [28] .
053. "A essoutra porta, que esta nam se abre".
054. "Quem quer pescar, há-se de molhar".
055. "Nam se tomam trutas, às bragas (calças largas de pescadores) enxutas.
Pragmatismo - Política de resultados
056. "Negro é o carvoeiro, branco é o seu dinheiro".
057. "Onde bem me vay, tenho pay e may" [29] .
058. "Cabellos e cantar nam fazem bom enxoval".
059. "A carne de lobo, dente de cam".
060. "Mercador fidalgo, nunqua o verás medrado (próspero)".
061. "Antes velha com dinheiro, que moça com cabello".
062. "Ahi (aí) te doy (dói), ahi te darei".
Não se expor - Não "dar bandeira" - "Ficar na sua"...
063. "A pintura e a peleja (briga) de longe se veija".
064. "Farinha apurada (da boa) nam ta veja sogra, nem cunhada".
065. "Nam sejais forneira, se tendes a cabeça de manteiga".
066. "A boda nem batizado, nam vas sem ser convidado".
067. "Faze boa farinha e não toques bozina" (cast.: harina/bocina).
068. "Senta-te em teu lugar, nam te faram levantar".
069. "Faze-te morto, deixar-te-á o touro".
A atitude de "sospeytar o peyor" é impiedosa ao descrever os defeitos e as "verdadeiras" motivações humanas: não se supõem elevados ideais. Afinal, "Isso quer Martinho: sopas de vinho" [30] e, se há algo comum aos doze signos, é o cuidar de si.
Egoísmo - "Eu cuido de mim"
070. "Em tal signo nasci, que mais quero pera mym que pera ty".
071. "Isso quer Martinho: sopas de vinho".
072. "Dar-lhe-am e dar-nos-ha e dar-vo-lo-hemos".
073. "Ir-se-hão os hospedes, comeremos o patto".
074. "Partamos como irmãos: o meu, meu e o teu de ambos".
075. "O que reparte, toma a melhor parte".
076. "Melhor é o meu que o nosso".
077. "Ande eu quente, ria-se a gente".
078. "Besta (arma para disparar flechas) de amigo, rija de armar e frouxa de tiro".
O Avarento (Escaço), Apegos e Cobiça
079. "O avarento por hum real perdeo cento".
080. "O escaço, por não dar, não quer tomar".
081. "O escaço cuyda que poupa hum: e gasta quatro".
082. "O escaço, do real faz seitil (moeda de pouco valor) e o liberal do seitil faz real".
083. "Ao avaro, tanto lhe falta o que tem, como o que não tem".
084. "Ao avarento rico, não tem parente, nem amigo".
085. "Mal se doe o farto e rico do pobre faminto".
086. "O dinheiro do avarento duas vezes vay a feira".
087. "Quem muyto pede, muyto fede".
088. "Minha filha Tareja, quanto vê, tanto deseja".
089. "Depois de morto, nem vinha nem horto".
090. "Mao é o rico avarento, mas peyor é o pobre soberbo".
091. "Dinheiro de onzena (usura) com seu dono come à meza".
092. "Na arca do avarento, o Diabo jás dentro".
093. "Bem sabe o bom boccado, senam custasse caro" [31] .
094. "A cobiça rompe o sacco" ("Quem tudo quer, tudo perde").
095. "Ao Rey pertençe usar de franqueza (generosidade), pois tem por certo nam cair em pobreza".
Inveja
096. "Melhor me parece teu jarro amolgado (machucado) que o meu sam".
097. "Ao invejoso emmagresce-lhe o rosto e incha-lhe o olho".
098. "Nem o invejoso medrou (prosperou), nem quem a par delle morou".
099. "Pouco se estima o que tem quada (cada) vizinha".
100. "Huma irmam a outra irmam não quer ver mais louçam (vistosa, bela)" [32] .
101. "Se a inveja fosse tinha, que pez lhe bastaria?" [33] .
Desconfiança
102. "A chave na cinta, faz a mim boa e a minha vizinha".
103. "Na arca aberta: o justo pecca" (A ocasião faz o ladrão).
104. "Fazei-vos mel, comer-vos-ham as moscas".
105. "Nam me apraz chave, que em muitas portas faz (encaixa)".
106. "Debaixo do sayal, há al (algo)".
Dinheiro, Poder e Influência
107. "Manda o amo ao moço; o moço, ao gatto e o gatto ao rabo".
108. "Tanto val quada hum na praça, quanto val o que tem na caixa".
109. "Lá vam leys, onde querem Reys".
110. "A Quaresma e a cadea para pobres é feita".
111. "Mais val às vezes favor, que justiça nem razam".
112. "Dinheiro é a medida de todas as cousas".
113. "Faze por ter, vir-te-am ver".
114. "Rogos de Rey, mandados sam".
Interesses interesseiros
115. "Bolle (abana) com o rabo o cam, nam por ti senam pello pam".
116. "Obra do comum, obra de nenhum" [34] .
117. "Cada hum diz da feyra, como lhe vai nella".
118. "Onde o lobo acha hum cordeiro, busca outro".
Falar, falar, falar... - Palavras e fatos
119. "Carcarear e nam por (pôr) ovo".
120. "Mais sam as vozes que as nozes".
121. "Em linguagens longas, Alcaides e pregoeiros" [35] .
122. "Quem pouco sabe, azinha o reza" [36] .
123. "Depois de beber, cada hum dá seu parecer".
124. "Porcos com frio e homens com vinho fazem grão ruído".
125. "Quem faz casa na praça, huns dizem que é alta, outros que é bayxa".
126. "Quem de vinho falla, sede há (tem)".
127. "Besteiro que mal atira, prestes (pronta, rápida) tem a mentira".
128. "A mouro morto, gram lançada" [37] .
A Preguiça e suas "desculpas"
129. "Perdi a roqua e o fuso nam acho; tres dias há que lhe ando pelo rasto" [38] .
130. "Quando nam tenho vontade de fiar, deito (lanço) o fuso a nadar".
131. "Quem não quer fazer a cousa, escuza busca".
132. "Ajuntaram-se seis, pera pezo de tres".
133. "Com bom sol, se estende (se estira, se "espalha") o caracol".
134. "Levantou-se o preguiçoso a varrer a casa e pos-lhe o fogo".
135. "Mais custa mal fazer que bem fazer".
Fingimento, manhas, "indiretas", verdadeiras motivações
136. "Nam o quero, nam o quero, deita-mo (lance-me-o) neste capello (chapéu)".
137. "Quando o corsario promete Missas e çera (velas), por mal anda o galiam".
138. "Nam te direi que te vás, mas far-te-ei obras para isso".
139. "Quando o Diabo reza, enganar te quer".
140. "A Cruz nos peitos e o Diabo nos feitos".
141. "A dor de cabeça minha e as vaccas nossas".
142. "A ti o digo filha, entende-o tu, nora" (literalmente, uma "indireta").
143. "Quem troca odre (recipiente portátil) por odre, algum deles é podre".
144. "A viuva rica com hum olho chora e com outro repica (de alegria, como os sinos)".
145. "Unhas de gatto e habito (veste) de beato".
146. "À conta dos ciganos, todos furtamos" [39] .
147. "Lagrimas de herdeiros, risos secretos".
148. "Achaques à sesta feira, pera nam jejuar" [40] .
149. "O velho na sua terra e o moço na alhea, sempre mentem de huma maneira".
150. "Lançar a pedra, esconder a mão".
151. "Gaba-te cesto, que vender te quero".
152. "Ainda que vistais a mona (macaca) de seda, mona se queda (permanece)".
153. "Grande aparato e pequeno recado (cuidado, diligência)".
154. "O bom vinho escusa pregão" [41] .
155. "Jejuai Gallego, que nam ha pam cozido" [42] .
156. "Quem se empenna sem ter pena, depois se depenna".
157. "Quem te faz festa, nam soendo (não sendo seu costume) fazer, ou te quer enganar, ou te há mister (precisa de ti)".
158. "Beija o homem a mão que quisera ver cortada".
Freqüentemente, prescreve-se a desconfiança por princípio, pois o ser humano é, além do mais, incapaz de se emendar:
Incorrigibilidade - "Pau que nasce torto..."
159. "A quem o Demo toma huma vez, sempre lhe fica um geito".
160. "Nam compres mulla manca cuidando (pensando) que há de sarar nem cases com molher má, cuidando se que há de emmendar".
161. "Castigar velha e espulgar cam, duas doudices sam".
162. "Quem de trinta nam pode e de quarenta nam sabe e de sinqoenta nam tem; nam pode, nem sabe, nem tem".
163. "Quem jugou, pedio, furtou; jugará, pedirá, furtará" [43] .
164. "Quem mas manhas ha (tem), tarde ou nunqua as perderá".
165. "Amigo quebrado, soldará mas não sarará".
166. "De amigo reconciliado e de caldo requentado, nunqua bom bocado".
167. "O lobo muda a pelle, mas não o vezo".
168. "O lobo perde os dentes, mas não o costume".
169. "Ensaboar a cabeça do asno, perda do sabam".
170. "Galinha nam nasçe, que nam esgaravate (cisque)".
171. "Nam ha geraçam, sem rameira ou ladram".
172. "Quem de doudice infermou, nunqua ou tarde há de sarar".
173. "Sal vertido (derramado), nunqua bem (re) colhido".
174. "O que no leite se mama, na mortalha se derrama".
175. "Sobre negregura, nam há hi (aí) tintura" (a cor preta não se deixa tingir).
Esse realismo está a um passo do pessimismo consumado e já, há séculos, tinha formulado:
As "Leis de Murphy"
176. "Eramos trinta, pario nossa avó" [44] .
177. "O dia em que me nam enfeitei, veyo a minha casa quem nam cuidei (imaginava)".
178. "Quando a velha tem dinheiro, nam tem carne o carniceiro".
179. "O filho bastardo e mulla, quada dia fazem ("aprontam") huma".
180. "Herva má nam lhe empece (não é destruída pela) a giada".
181. "Hum e nenhum, tudo é hum" [45] .
182. "O mal entra às braçadas e sae às polegadas".
183. "Fuy pera me benzer e quebrei o olho".
184. "Quem tem doença, abra a bolsa e tenha paciencia".
185. "Cerejas e más fadas, cuidais tomar poucas e vem-se dobradas" [46] .
186. "Manda e descuida, nam se fará cousa nenhuma".
187. "Manda e faze-o, tirar-te-á cuidado (preocupação)".
188. "O bem soa e o mal voa".
189. "Do mal que homem foge, desse morre".
190. " Amor louco: eu por ti e tu por outro".
191. "Hum canivete mesmo, me corta o pam e o dedo".
192. "Da mão à bocca se perde a soppa".
193. "Bem venhas mal, se vieres só".
194. "Por fugir do fogo cahio nas brazas".
Nem tudo é ironia e denúncia: muitos provérbios exortam positivamente à grandeza, à compreensão e à virtude, sem perder o tom realista.
Qualidades positivas
195. "Acometter, pera vencer". ("A melhor defesa é o ataque").
196. "Cavalga para não cair".
197 "Nam sam todos homens, os que mijam á parede" (para ser Homem é necessário honradez).
198. "Pera prospera vida, arte, ordem e medida".
199. "Madruga e verás: trabalha e terás".
200. "Cale o que deu e falle o que reçebeo".
201. "Encomendar a Deos, botar a nadar" ("Fé em Deus e pé na tábua").
202. "Deos diante, o mar é chão".
203. "Açenai ao discreto (o diligente, que resolve), day-o por feito".
204. "Nam é pobre o que tem pouco, senao o que cobiça muyto".
205. "Andar a pago, não pago, não é obra de fidalgo".
206. "Marido, nam vejas; molher, cega sejas".
207. "Tenhas ovelhas e não tenhas orelhas".
208. "Nam há mayor feitiço [47] que o bom serviço".
209. "O que é duro de passar, é doce de alembrar".
210. "Quem senhora é em casa, senhora é pella villa chamada".
211. "Gloria vam floreçe e nam gradeçe ("é inócua")".
212. "A perseverança toda a cousa alcança".
Outros contêm regras práticas de bom senso e de boa educação.
Conselhos úteis
213. "O que houveres de comer, nam o vejais fazer".
214. "As boas novas, a todo o tempo e as más pella menham".
215. "Ou é doudo, ou é privado (íntimo), quem chama apresurado (bate à porta insistentemente)".
216. "Azeite derriba, mel do fundo, vinho do meyo".
217. "Casa de terra, cavallo de herva, amigo de palavra, tudo é nada".
218. "Moça é Maria, quando se tosquia (corta o cabelo)".
219. "Azeite, vinho e amigo, o mais antigo".
220. "A tua mesa, nem a alhea, nam te assentes com bexiga chea".
221. "Quem as cousas muyto apura não vive vida segura".
222. "Estando alegre nam leas carta logo: porque nam nasça cuidado novo".
O sabor do saber popular
Para o tom dos provérbios como um todo, vale também [48] a coexistência de contrários ou contraditórios como no conteúdo de:
223. "Pobreza nam é villeza" e
224. "Quem diz que pobreza nam é villeza, nam tem sizo (bom juízo) na cabeça".
E, assim, ao lado das mais prosaicas sentenças sobre o egoísmo e sobre o lar (não uma casa portuguesa, com certeza) encontramos, de repente, dois poemas:
225. "Nam dá quem tem, senam quem quer bem".
226. "Minha casa e meu lar cem soldos val: e estimou-se mal, porque mais val" [49] .
Encantadores são também os jogos de palavras:
227. "Olhos verdes, em poucos os veredes".
228. "A perdiz é perdida, se quente nam é comida" (Aproveitar o momento certo, "malhar enquanto o ferro está quente").
Para os nossos "time que está ganhando.../sarna para se coçar", "apanhei-te cavaquinho/onça beber água" e "Mulheres, cheguei!" dizia o português:
229 "Bem estavas em teu ninho, passaro pinto (pintado)".
230. "Tenho-te no laço, pombo trocaz (pombo de raça)".
231. "Acudi-me (Venham a mim) cachopas (garotas) que já tenho botas".
O tom deliciosamente popular encontra-se em diversas outras formulações. É o caso da rima que atalha a curiosidade indiscreta (semelhante à resposta das crianças para a pergunta indevida: "Que é isso?" - "Chouriço"):
232. "Aonde his? A Évoramonte fazer barris".
Ou da que levanta maliciosas suspeitas:
233. "Miguel, Miguel, nam tens abelhas e vendes mel".
E da que lembra que o rosto é espelho da alma:
234. "O mal e o bem, à face vem".
Há as que se usam para cortar rente os que nos dão palpites importunos e conselhos não requisitados ("Sapo de fora não chia", diríamos hoje), ou censuram-nos depois de um desastre ou fracasso:
235. "Quem não cria, sempre pia".
236. "Ao coelho ido, conselho vindo" (cast.: conejo/consejo; ido/ venido).
Ainda no campo das rimas fulminantes, encontramos:
237. "Madrasta, o nome lhe basta".
238. "O ladram cuida (pensa) que todos tais sam".
239. "Moça louçam (vistosa, bela), cabeça vam".
240. "A molher sara e adoeçe quando quer".
241. "Com latim, rocim e florim, andarás mandarim".
242. "Amor de rameira e convite de estalajadeiro nam pode ser que nam custe dinheiro".
243. "Em tua casa nam tens sardinha e na alhea pedes galinha".
244. "Nam fartes o criado de pam, nam te pedirá requeijam".
245. "Ora pella pera, ora pela mançam, minha filha nunqua é sam".
246. "Bem canta Martha, depois de farta".
247. "A quem faz casa ou se casa, a bolsa lhe fica rasa".
248. "A má vizinha dá agulha sem linha".
Nos provérbios encontram-se conselhos de medicina popular (alguns com aguda sensibilidade para o psicossomático!) e freqüentemente ironizam - como o já citado "Medicos de Valença..." (Nº. 014) - a medicina profissional:
249. "Mais matou a cea (ceia) que sarou Avicena" (cast.: cena/Avicena).
250. "Mijar claro, dar huma figa ao Medico".
251. "Pam que sobre, carne que baste e vinho que falte".
252. "Faze da noite, noite e do dia, dia, viverás com alegria".
253. "Huma azeitona ouro, a segunda pratta, a terceira matta" (provar e não exagerar).
254. "Demandar e ourinar levam o homem ao hospital".
255. "Sinal mortal, nam desejar sarar".
256. "Vive o pastor com sua rudeza e morre o Fisico (médico), que a fisica reza (que professa a medicina)".
257. "Sobre (depois de) comer, dormir; sobre cear, passos dar".
Outro provérbio (também ele um poema) expressa que as dificuldades da vida (sobretudo as que decorrem de choques de relacionamento pessoal) têm o aspecto positivo de propiciar amadurecimento:
258. "A lima, lima a lima".
Um fino trocadilho adverte:
259. "Quem anda em demanda, com o Demo anda".
Seguindo a tradição medieval, o xadrez (e outros jogos) fornecem metáforas para a vida:
260. "Contra piam feito dama, nam pára peça no taboleiro" (cuidado com o pequeno que subitamente engrandece).
261. "Bem joga o da pélla, mas perde a ella" (no capítulo "Ventura", mais uma presença de Murphy).
A Bíblia é fonte inspiradora de algumas sentenças:
262. "Morra Samsam e quantos com elle sam".
263. "Nam des couce (coice) contra o aguilham" (cfr. At 26,14).
Outros ainda, baseiam-se em cômicos episódios da aldeia, tornados proverbiais:
264. "Cada feira val menos, como burro de Vicente".
265. "Discreto como os boys de Ioam Affonso, que fogem da relva, para a herva".
APÊNDICE I - "A torto e a direito" - expressões que ainda usamos (com sentido idêntico ou não e que remontam, direta ou indiretamente, a uma formulação proverbial - mais ampla e contextualizante -, hoje esquecida).
266. A torto e a direito - "A torto e a direito, nossa casa até o tecto [50] ".
267. A três por dois - Esta expressão, que hoje significa "amiúde", é evocada no provérbio: "A duas palavras, tres porradas".
268. Abrir os olhos - "Os mortos aos vivos abrem os olhos".
269. Alhos e bugalhos - "Fallo-lhe em alhos, responde-me em bugalhos [51] ".
270. Cantar de galo - "Triste da casa onde a galinha canta e o gallo calla" e
271. "Em casa de Gonçalo, mais pode a galinha que o gallo".
272. Casa da sogra - "Estende-se [52] como villam em casa de seu sogro".
273. Cheio de nove horas - "Às nove, deita-te e dorme" [53] .
274. Colcha de retalhos - "É falso, como manta de ratalhos".
275. Corpo bem feito - "Corpo bem feito, nam há mister (não requer) capa".
276. Dar com a língua nos dentes - "Mente, quem dá com a lingua no dente".
277. Dar no pé - "Dar ao pé, que tempo é".
278. De graça é caro - "Horta sem agua, casa sem telhado, marido sem cuidado de graça é caro".
279. Dois coelhos, uma cajadada - "Com este cajado mataste ja outro coelho".
280. Dor de cotovelo - "Dor de cotovello e dor de marido, ainda que doa, logo é esquecido".
281. Dourar a pílula - "Se a pirola bem soubera, nam se dourara por fora" [54] .
282. Duro (sem dinheiro) - "Quem nam tem, mais duro é que as pedras".
283. É fogo - "Filhos dous, ou tres é prazer, sete ou oito é fogo".
284. E meio - "Ao ruim, ruim e meyo".
285. É só papo - "Moço de quinze annos tem papo e nam tem mãos (para o trabalho)".
286. Especial (uma pessoa ou alguém especial) - "Muytos amigos em geral e hum em special".
287. Estar no papo - "Hum em papo outro em sacco e chora pello do prato".
288. Galinha criar dentes - "Disso vos podeis despedir, como a galinha dos dentes".
289. Há de pagar (o mal) - "Ninguém faz mal que o nam venha a pagar" e
290. "Deos paga a quem em maos passos anda".
291. Ir com sede ao pote - "Nem com toda a fome ao cesto nem com toda a sede ao pote".
292. Levantar a lebre - metáfora de caça: trazer à luz o essencial escondido. Aparece em diversos provérbios, como: "A lebre é de quem a levanta e o coelho de quem o mata" ou
293. "Levantas a lebre, pera que outrem medre (seja favorecido)".
294. Mau olhado - "Olho mao a quem vio, pegou malicia" ("O feitiço vira contra o feiticeiro").
295. Morrer na praia - "Nadar, nadar, ir morrer à Beira".
296. Na moita - "Mettes os caens na moita e arredas-te pera fora" [55] .
297. Não dar ponto sem nó - "Dá nó, nam perderás ponto".
298. Não mexe que fede... - "Em cousa çuja, nunqua bullas (remexas)".
299. O barato sai caro - "O caro é barato e o barato é caro".
300. Outros baratos - "Nam jogo aos dados, mas faço outros peiores baratos [56] ".
301. Ouvidos moucos - "A palavras loucas, orelhas moucas (surdas)".
302. Passei da idade - "Já passou o dia, que eu talhava e cozia".
303. Pau que nasce torto... - "Quem torto nasce, tarde se indireita".
304. Pedaço de mau caminho - "Em quada (cada) parte há pedaço de mao caminho".
305. Pegar pela palavra - "(Pega-se) Ao boy pello corno e ao homem pella palavra".
306. Pentear macacos (asno) - "Tal grado haja, quem o asno pentea". ("Para quem gosta é prato cheio...").
307. Quem viver, verá - "Quem viver, verá a volta que o mundo dá".
308. Rodeios (ao falar) - "Quem por rodeos falla, com arte anda".
309. Salve-se quem puder! - "A barca é rota, salve-se quem poder".
310. Ser boa - "Fermosa é do rosto, a que é boa de seu corpo".
311. Subir à cabeça - "Boa é a fazenda (riqueza), quando nam sobe à cabeça".
312. Uma no cravo; outra na ferradura - "Castigo de dura: huma no cravo, outra na ferradura" (A prudência que tempera o castigo, torna a lição duradoura).
313. Vender gato por lebre - "Em caminho frances, vende-se o gatto por res [57] "
314. Ver estrelas - "Farte-ei ver as astrellas ao meyo dia".
315. Vergonha na cara - "Melhor é vergonha no rosto, que magoa no coraçam".
Voltas que o mundo dá - "Quem viver, verá a volta que o mundo dá" (cfr. Nº. 307).
APÊNDICE II - "Gatto escaldado... " - provérbios que permaneceram (com forma e sentido semelhantes ou não).
316. "A bom entendedor, poucas palavras".
317. "A cabra da minha vizinha mais leite dá que a minha" [58] .
318. "Melhor é a galinha de minha vizinha, que a minha".
319. "A cavallo dado nam olhes o dente".
320. "A mor pressa, mayor vagar".
321. "A quada qual dá Deos o frio, conforme o vestido".
322. "Agoa molle em pedra dura, tanto dá até que fura".
323. "Ao villam da-lhe o dedo, tomar-te-á a mam".
324. "Caçar e comer começo quer" (Hoje: "Comer e coçar é só começar").
325. "Cada ovelha com sua parelha".
326. "Cada um chega a braza à sua sardinha".
327. "Cam, que muito ladra, pouco morde".
328. "Chega-te aos bons, seras hum delles".
329. "Com agua passada nam moe o moinho".
330. "Come pera viver, pois nam vives pera comer".
331. "Como me tangerem, assi bailarei" ("Dançar conforme a música").
332. "Corri Seca e Meca, olivaes de Sanctarem".
333. "Curtas tem as pernas a mentira e alcança-se azinha (rapidamente)".
334. "Cuspo pera o Ceo, cay-me no rosto".
335. "Dá Deos a roupa, segundo é o frio".
336. "Dá Deos biscouto a quem nam tem dentes".
337. "De bons propositos, está o inferno cheo, o ceo de boas obras".
338. "De hora em hora, Deos melhora (faz melhorar)".
339. "De noite os gattos todos sam pardos".
340. "De pequinino se troçe o pepino".
341. "Devagar vam ao longe".
342. "Dize-me com quem andas, dirteei que manhas has (tens)".
343. "Em bocca fechada, nam entra mosca".
344. "Em casa de enforcado nam nomees o baraço (laço)".
345. "Em casa do ferreiro, peior apeiro [59] ".
346. "Entre pay e irmãos, nam te mettas as mãos" ("Em briga de marido e mulher, não meta a colher").
347. "Faze bem, nam cates (olhes) a quem".
348. "Fazei vós o que bem digo e nam o que mal faço".
349. "Feitos de villam, tirar pedra e esconder a mão".
350. "Filhos casados, cuidados dobrados".
351. "Gatto a quem morde a cobra, tem medo à corda".
352. "Gatto escaldado, da agua fria ha medo".
353. "Gram e gram enche a galinha o papo".
354. "Hahi (há) mal que vem por bem".
355. "Homem poem e Deos dispoem" [60] .
356. "Hum pay pera cem filhos e nam cem filhos pera hum pay".
357. "Huma andorinha nam faz veram".
358. "Ir por lam e vir tosquiado".
359. "Mais quero asno que me leve, que cavalo que me derrube".
360. "Mais val hum passaro na mão, que dous, que vam voando".
361. "Mais val que sobeie (sobre) que nam falte".
362. "Mais val quem Deos ajuda, que quem muyto madruga".
363. "Mais val só, que mal acompanhado".
364. "Mal me querem minhas comadres, porque lhes digo as verdades".
365. "Melhor é estar só, que mal acompanhado".
366. "Mentiras de caçadores sam as mayores" (Hoje: "pescadores").
367. "Na casa do homem pobre todos peleijam (brigam) e nam sabem de que e é porque nam tem que comer".
368. "Nam é o Demo tam feo como o pintam".
369. "Nam é tam bravo o leam, como o pintam".
370. "Nam é tudo ouro, o que reluz".
371. "Nam há peyor surdo, que o que nam quer ouvir". (Hoje: cego/ver)
372. "Nam passes o pé alem da mão" ("Não dar passo maior do que a perna").
373. "Não se fez Roma em hum dia".
374. "Nam se pode fazer a par: comer e soprar
375. "Na terra dos cegos, o torto (o que não vê bem) é Rey".
376. "Nem diga, desta agoua nam beberei, nem deste pam nam comerei".
377. "Nem tanto ao mar nem tanto à terra".
378. "O olho do amo engorda o cavallo".
379. "O que se aprende no berço, sempre dura".
380. "Onde a galinha tem os ovos lá se lhe vam os olhos".
381. "Onde fogo nam ha, fumo nam se levanta".
382. "Pelejam (brigam) as comadres, descobrem-se as verdades".
383. "Prata é o bom fallar, ouro é o bom callar".
384. "Preso por mil, preso por mil e quinhentos" (Hoje: "Perdido por um, perdido por dez").
385. "Qual o pay, tal o filho, qual o filho, tal o pay".
386. "Quando em casa não está o gatto, estende-se o rato".
387. "Quando o ferro está acçendido, entam ha de ser batido".
388. "Quem cala, consente".
389. "Quem cõ caens se lança, com pulgas se levanta" (Hoje: "Quem dorme/brinca com criança/fogo...").
390. "Quem diz o que quer, ouve o que nam quer".
391. "Quem engana ao ladram, cem dias ganha de perdam".
392. "Quem o feo ama, fermoso lhe parece".
393. "Quem promette, deue".
394. "Quem tem bocca vay a Roma".
395. "Quem tem telhado de vidro, nam tire pedras ao do vizinho".
396. "Recebido o dano, tapa o buraco" ("Pôr a tranca depois da casa arrombada").
397. "Rey morto, Rey posto".
398. "Tirar a castanha do fogo com a mão do gatto".
399. "Vam-se os gattos, estendem-se os rattos".
APÊNDICE III - Adágios portugueses reduzidos a lugares comuns (Seleção de Adágios portuguezes, nos "lugares communs" estabelecidos por Antonio Delicado).
AFFEIÇAM
400. "Obras sam amores e nam palavras doces".
401. "Quem nam apparece, esquece".
AGRADECIMENTO
402. "A dar está obrigado, a quem ham dado".
AGRICULTURA
403. "Água de Março: pior é que nódoa no fato (mancha na roupa)".
404. "Qual é o cam, tal é o dono".
AMIZADE
405. "Amigo de todos e de nenhum: todo é hum".
406. "Mais descobre huma ora de jogo, que hum anno de conversaçam".
ASNO
407. "De noite à candea (pequeno lampião), a burra parece donzella".
408. "Quer queira, quer nam queira, o asno ha de ir à feira".
ASTROLOGIA PERA AGRICULTURA
409. "Agosto: frio em rosto".
410. "Ao principio, ou ao fim: abril costuma ser ruim".
411. "Quer no começo, quer no fundo, em Fevereiro vem o entrudo [61] ".
BONDADE
412. "Cada cuba cheira o vinho que tem".
CAÇA
413. "Quem quizer caça vá à praça".
CAMINHO
414. "Se queres aprender a orar, entra no mar".
CASTIGO
415. "Quando vem ao soberbo o castigo, vem lhe mais rijo".
416. "Quem a hum castiga, a cento fustiga".
417. "Quem mal vive, por onde pecca, porhi (nisto mesmo) se castiga".
CAVALLO
418. "A cavallo roedor, cabresto curto".
CAZAMENTO
419. "Casar, casar, soa bem e sabe mal".
420. "Casamento feito, noivo arrependido".
421. "Da fea e da fermosa: a mais proveitosa".
422. "Em quanto fuy sogra, nunca tive boa nora".
423. "Em quanto fuy nora, nunca tive boa sogra".
424. "Filha desposada, filha apartada".
425. "Nam há panella tam fea que nam ache seu cobertouro".
426. "Quem casa com molher rica e fea, tem ruim cama e boa mesa".
COMER
427. "O ventre em jejum, nam ouve a nenhum" (Ainda hoje se diz em França: "Ventre affamé, ná pas d'oreilles").
ECONOMICA [62]
428. "Casa de pay, vinha de avô".
429. "O bem nam se conhece, se nam depois que se perde".
430. "O hospede e o peixe, aos tres dias fede".
FAMA
431. "Donde muitos cospem: lama fazem".
FILHOS
432. "Dos filhos, o que falta, esse mais se ama".
433. "Sofrerei (suportarei) filha golloza e muito fea, mas nam janelleira".
GADO
434. "Bezerrinha mança todas as vaccas mama".
GUERRA E PAZ
435. "Despreza teu inimigo, serás logo vençido".
436. "Quem acorda o cam dormido, vende a paz e compra roido".
437. "Quem ameaça e nam dá, medo há (tem)".
HOMEM
438. "Homem que falla como molher, livre-me Deos delle"
439. "Nam é villam o da Villa, senam o que faz villania".
440. "O homem é fogo e a molher estopa; vem o Diabo assopra".
441. "Os homens se encontram e nam os montes" (Ainda hoje se diz em França: "Il n'y a que les montagnes qui ne se rencontrent pas").
IGNORANCIA
442. "Besteiro torto (de vista defeituosa) atira aos pés e dá no rosto".
INGRATIDAM
443. "O rio passado, o santo nam lembrado".
JUSTIÇA
444. "Arrenego da terra, onde o ladram leva o juiz à cadea".
445. "Mais sam os casos que as leys".
LADROICE
446. "Jugar, parede em meyo é de furtar".
447. "Sempre o alheo suspira por seu dono".
448. "O que me deves me paga que o que eu te devo nam é nada".
LIBERALIDADE E ESCACEZA
449. "Em tempo e lugar, o perder é ganhar".
MALDADE
450. "A carro entornado todos dam de mão".
451. "Companhia de tres é má res".
MEDICINA
452. "A quem doe o dente, doe a dentussa (toda a dentadura)".
453. "Como te fizeste calvo? Pello pellando".
MOLHER
454. "A casta, a pobreza lhe faz fazer vileza".
455. "A moça em se enfeitar e a velha em beber, gastam todo o seu haver (seus bens)".
456. "A quem tem molher fermosa, castello em fronteira, vinha na carreira, nam lhe falta cançeira".
457. "A molher polida: a caza çuja e a porta varrida" (cuida da fachada).
458. "A molher composta a seu marido tira doutra parte".
459. "A molher mal toucada (arrumada), ou é fermosa, ou mal casada".
460. "Aquella é bem casada, que nam tem sogra nem cunhada".
461. "As molheres, onde estam sobejam e onde nam estam faltam".
462. "Com a molher e dinheiro, nam zombes companheiro".
463. "Digna é de nome e fama, a molher que nam tem fama".
464. "May, que cousa é casar? Filha, fiar, parir e chorar".
465. "Nam basta ser boa, senam parecello".
466. "Nem tam fermosa que matte, nem tam fea que espante".
467. "Pello marido Rainha e pello marido mesquinha".
468. "Qual é Maria, tal filha cria".
MORTE
469. "À morte, nam há casa forte".
MULLA
470. "A mulla com affago, cavallo com castigo".
OBRAS MECHANICAS
471. "Muytos vam ao mercado: e quada hum com seu fado (sua sorte)".
472. "O bom panno na arca se vende".
473. "Obra começada, meya acabada".
OFFICIAES MECHANICOS
474. "Alfayate mal vestido, çapateiro mal calçado".
475. "Usa (pratica) serás mestre".
PESCADO
476. "Pela bocca morre o peixe e a lebre ao dente".
POBREZA
477. "Neste mundo mesquinho quando ha para pam, nam ha para vinho".
PROVIDENCIA
478. "A arma com que te defendes, a teu inmigo a nam emprestes".
PRUDENCIA
479 "Ao doudo e ao touro, dá-lhe o couro".
480. "Ainda que teu sabujo é manço, não o mordas no beiço".
481. "Ao cuco, nam cuques, nem ao ladram furtes" [63] .
482. "A quem te gabar a villa, gaba-lhe a Cidade".
483. "Cortesia de bocca, muyto val e pouco custa".
484. "Ide pello meyo e nam cahireis".
485. "Montes vem, paredes ouvem".
486. "Nam bebas cousa que nam vejas, nem assines carta que nam leas".
487. "Nam te has de fiar, senão com quem comeres hum moyo (medida: "muito") de sal".
488. "O que ouveres de negar, nam o des por escrito".
489. "Quando fores bigorna sofre e quando malho malha".
REY
490. "Em pessoa de çeptro nam há viçio secreto".
491. "Rey moço, Reyno perigoso".
RIQUEZA
492. "De rico a soberbo, nam há palmo inteiro".
493. "Fazenda em duas aldeas, pam em duas taleigas (sacas)" [64] .
SCIENCIA
494. "A sçiençia é loucura, se o bom sizo (senso, juízo) a nam cura".
495. "Gramatico desfavoreçido, nam tem assado, nem cozido".
496. "Quem para sy nam sabe, nam ponha escola".
SEGREDO E SILENCIO
497. "Secretos queres saber, busca-os no pezar e no prazer".
VALENTIA E FORTALEZA
498. "A espada e o anel, segundo a mam donde estiver".
VENTURA
499. "Alegrias entrudo, que a manham serà cinza" (À terça-feira de carnaval, segue-se a quarta-feira de cinzas).
VERDADE
500. "A verdade ainda que amarga se traga".
501. "Nam há peor zombaria que a verdade".
UZO
502. "Dize-me com quem vás, dir-te-ei o que farás".
503. "Hum só acto, nam faz habito".
ADAGIOS DOS MEZES
504. "Abril aguas mil, coadas por hum mandil (pano) e em Mayo tres e quatro".
[1] Este artigo foi originalmente publicado em Oriente & Ocidente 9, São Paulo, CEAr - FFLCHUSP. Seguindo o uso comum (e também o do próprio Delicado), não distinguiremos "provérbio" de "adágio"; como se este (como pretende, por exemplo, Batalha) fosse popular; enquanto aquele, teria aspecto de frase clássica, colhido em antigas coleções religiosas ou filosóficas (BATALHA, Ladislau História Geral dos adágios portugueses, Paris-Lisboa, Livrarias Aillaud e Bertrand, 1924, Prefácio).
[2] Sessenta, em ordem alfabética: de Affeiçam a Uzo e um apêndice sobre os meses do ano.
[3] Por serem, em geral, compreensíveis para o leitor de hoje e visando preservar seu sabor original, mantivemos - permitindo-nos apenas algumas mínimas alterações - a grafia da época, que, aliás, não é uniforme: aparecem, por exemplo, as formas: "não" e "nam"; "grão" e "gram"; "mulher" e "molher"; "pera e "para" etc. Para tornar o texto mais leve, suprimimos vírgulas antes do "e"; substituímos "he" por "é"; o acento grave, pelo agudo; grafamos i e u, respectivamente, em lugar de j e v e acrescentamos o hífen em formas enclíticas (por exemplo, em vez de "Darlheam e darnosha e darvolohemos", grafamos "Dar-lhe-am e dar-nos-há e dar-vo-lo-hemos").
[4] "Pello que, vendo eu, que sendo a lingua Portugueza não menos abundante destas sentenças, que todas as outras da Europa, me dispuz a colligir de varios exemplares esta pequena obra. Bem sei que pudera ser o numero muito mayor; mas eu escolhi somente aquelles, que pera a decencia e validade publica me pareceram mais approvados".
[5] Pelas diferenças de concepção e de linguagem (e pelos critérios pessoais de Delicado), o leitor contemporâneo talvez estranhe um ou outro título e, sobretudo, certas inclusões como a do provérbio "Nam crie cam, quem lhe nam sobeje (sobre) pam" no capítulo "Caça" ou a de "Da mão à bocca se perde a soppa", no título "Cazamento"... Dentro de cada lugar comum, Delicado ordena os provérbios alfabeticamente.
[6] E dos cacoetes,viseiras e preconceitos coletivos de cada época.
[7] Incluído no lugar comum "Filhos".
[8] LJL e A. R. Hanania Oriente & Ocidente: Língua e Mentalidade, São Paulo, FFLCHUSP, 1993, pp. 26-27
[9] No Brasil de hoje, o horizonte moral está se estreitando a tal ponto que as novas "virtudes" giram em torno do conceito de "esperto" e as novas "desonras", em torno de "trouxa"...
[10] Este desgaste das palavras e das expressões - ao sabor do esquecimento e da "lei do mínimo esforço" - é um fenômeno tristemente comum na evolução da linguagem.
[11] Extraímos os provérbios latinos da coletânea de L. De-Mauri Flores Sententiarum Milano, ed. Hoepli, 1926.
[12] Como diz Dulce de Faria Paiva: "O bilingüismo predominou dos meados do séc. XV à primeira metade do Séc. XVII, em virtude do estreitamento cada vez maior das relações políticas, sociais e culturais entre Portugal e Castela. A supremacia hispânica alcançou tal importância, que o castelhano, falado e escrito, era usado como segunda língua, não só pelos aristocratas, mas também pelas pessoas cultas e letradas de Portugal" - História da língua portuguesa II - Século XV e meados do século XVII, S. Paulo, Ática, 1988, p. 29.
[13] Ainda hoje, o brasileiro (desenraizado também lingüísticamente) dá boas risadas quando constata a aversão lusitana à adoção de estrangeirismos. E faz piada, dizendo que em Portugal trailer é "atrelado", rally é "prova de regularidade" e happy hour é "hora d'alegria"...
[14] Proferido em sua língua materna, o nome da cidade, Valencia, rimaria com sciencia, e produziria o mesmo efeito do original castelhano: "Médicos de Valencia: largas haldas y poca ciencia".
[15] Avicena e Galeno personificam a medicina... José María Sbarbi em seu Gran Diccionario de Refranes de la Lengua Española, Buenos Aires, Ed. J. Gil, 1943, explica que é o comentário do médico, que enriquece com sua ciência.
[16] Há, em todas as línguas, enunciados rimados com nomes de pessoas, como o nosso "Mateus, primeiro os teus" (já o velho Chacrinha brincava: "Alo, Sofia, como é que vai tua tia?"). E Delicado também apresenta o "Martinho" que o que quer é "sopas de vinho", o "Gonçalo" que não canta de "gallo" etc. Mas, apesar da extrema variedade dos nomes próprios, não se adaptou ao português este agudo provérbio (que tanto lembra o verso de "Mamãe, eu quero": "Eu tenho uma irmã que se chama Ana / De tanto piscar olho já ficou sem a pestana"). Para estabelecer um paralelo, se os espanhóis quisessem apropriar-se da nossa fórmula de Mateus, melhor seria, digamos, "Herrero, los tuyos primero" e não "Mateus, primero los tuyos" (?)...
[17] No já citado Oriente & Ocidente: Língua e Mentalidade.
[18] Mais característico do Ocidente é o uso de conceitos abstratos.
[19] "Interpretações das Mil e Uma Noites", Revista de Estudos Árabes, FFLCH-USP, Ano I, Nº. 2, 1993, p. 59.
[20] Cabem três sentidos ao provérbio: "Axa tem que contar (computar) um ano entre banho e banho" ou "Axa por ter ido ao banho já tem assunto (contar/ narrar) para um ano" e "O banho de Axa é lento, demora um ano".
[21] Há, provavelmente, um duplo sentido neste provérbio. Por um lado: "não fale em árabe ("algaravia") com quem domina essa língua (para que não fique claro seu desconhecimento...)". Por outro lado, "algaravia" é também discurso "sem pés nem cabeça" ou confusão, algazarra... Como se disséssemos hoje: "Em casa de negro, não digas 'a coisa ficou preta'") etc.
[22] Não tanto como gostariam as feministas que se comprazem em exagerar a discriminação da mulher no passado... O tema, já na época, é delicado: "Com a molher e dinheiro, nam zombes companheiro".
[23] Seriam. Neste e noutros provérbios o presente do indicativo toma o lugar do condicional...
[24] Muitas delas, curiosamente, não chegaram como linguagem viva a nós, talvez, precisamente, por sua profundidade e sutileza...
[25] Esse "realismo" é, aliás, uma tendência nos provérbios de todas as culturas. No caso de Portugal, é, talvez, mais acentuado.
[26] Já que você não aceita conselhos, assuma as responsabilidades e conseqüências...
[27] Provérbio francês medieval, em uso: Mieulx vaut un tiemn que deux tu l'auras.
[28] Paralelo ao nosso: "É bebé, mamar na vaca você não quer, né?"
[29] Minha pátria é onde eu ganho dinheiro...
[30] O vulgar prato de pequenos pedaços de pão molhado no vinho representa as motivações prosaicas...
[31] Que saboroso seria se não custasse caro...
[32] A inveja se exerce em relação aos que estão próximos.
[33] Refere-se ao tratamento da tinha (doença do couro cabeludo) com pez, resina. Há muitos invejosos dissimulados.
[34] Ninguém move uma palha senão em interesse próprio...
[35] Já naquele tempo os políticos eram estigmatizados pelos longos discursos vazios.
[36] Quanto menos se sabe, mais e mais rapidamente (azinha) se fala...
[37] Ironiza quem age com grande "valentia", quando já não há risco...
[38] O fiar - com a roca e o fuso - é atividade principal das mulheres no lar e é mencionado em muitos provérbios, como "May, que cousa é casar? Filha, fiar, parir e chorar".
[39] E eles, que já têm a fama, que levem a culpa. Os ciganos eram até mesmo objeto de legislação perseguidora e discriminatória (cfr. BATALHA História Geral... p. 226).
[40] A doença dispensa do jejum (obrigatório às sextas-feiras...).
[41]. Antigo provérbio, tradicional em diversas partes da Europa, que lança suspeitas sobre atitudes exageradamente elogiosas. Ainda hoje diz-se na Alemanha: Ein guter Wein rühmt sich selbst. Delicado recolhe também "O bom, por si se gaba".
[42] Não por piedade religiosa, mas por falta de comida ele "jejua".
[43] Delicado registra também: "Quem deu dará e quem pedio pedirá". Segundo Batalha (op. cit., p. 77) daí procede a expressão moderna "ao Deus dará" ("andar ao Deus dará"): "Só por equívoco de sonância aqui entra a palavra Deus, pois o antigo adágio tinha forma e sentido inteiramente diverso".
[44] Como se não bastassem os múltiplos problemas que já tenho, ainda vem mais um, de onde menos se poderia esperar...
[45] "Tudo é hum", "é idêntico", "equivalente" (veja-se o Nº. 405). No caso, o "hum" que se tem pode - e vai, é a lei de Murphy - falhar...
[46] Apanha-se uma cereja, vêm várias. Desgraça nunca vem sozinha.
[47] No sentido de "coisa que em belleza encanta" - MORAES SILVA, Antonio Diccionário da Língua Portugueza, Lisboa, Typographia Lacerdina, 1813.
[48] Fato freqüente em todas as culturas
[49] O soldo - do latim solidus - é a moeda de ouro estável e valiosa, a que "vale quanto pesa". Cem soldos é já muito dinheiro.
[50] Chaves grafa "teito" e perfaz a rima. Vide CHAVES, Pedro Rifoneiro Português, Porto, Edit. Barreira, 1945, 2ª. ed; Nº. 328.
[51] Bugalhos são frutos redondos dos carvalhos.
[52] Estar abusivamente "à vontade".
[53] Sendo o anoitecer muito cedo, o jantar é em torno das 18h. Assim, nove horas, durante muitos séculos, era a hora limite, imposta pelas normas de boa educação. A expressão liga-se, talvez, à freqüente invocação dessa norma - por exemplo, a visita que, cerimoniosamente, diz: "Já são nove horas, devo ir". Ao que se responde "Não, ainda não são nove horas" etc.
[54] O remédio de gosto amargo - que sabe a amargo -, é enfeitado para "enganar" o usuário.
[55] No sentido de "pular fora" e "deixar a bomba estourar na mão de outro".
[56] Viterbo explica: "`barato' se toma em mui diversas significações em os nossos antigos documentos do século XV e XVI, v.g. `haver por seu barato': ter por bem"; `esperar um barato da fortuna': esperar um favor ou benefício da fortuna; etc.". VITERBO, Fr. Joaquim de Santa Rosa de Elucidário das palavras, termos e frases que em Portugal antigamente se usaram e que hoje regularmente se ignoram, Lisboa, Fernandes Lopes ed., 2ª. ed., 1865.
[57] Caminho francês, explica Batalha (p.155 e ss.), eram as estradas por onde de França e de Portugal se dirigiam os romeiros para Santiago de Compostela. Eram também rota comercial.
[58] Este provérbio, do capítulo "Inveja", e o seguinte evocam a cantiga de roda, com que, ainda hoje, brincam as crianças: "A galinha do vizinho bota ovo amarelinho..."
[59] No sentido de qualquer aparelho da casa.
[60] Homo proponit, sed Deus disponit ("Imitação de Cristo").
[61] Entrudo é a terça-feira de Carnaval. O provérbio expressa a idéia de inexorabilidade do futuro certo. Aproxima-se do verso de Jorge Benjor: "Em fevereiro, em fevereiro tem carnaval...".
[62] No sentido de "relativo ao governo da casa".
[63] Chaves registra: "A p. não putes e a ladrão não furtes". O cuco (que corresponde ao nosso chupim) põe seus ovos no ninho de outro pássaro, para que este os choque...