Material de apoio às aulas de Psicologia, Ética e Religião
Teologia da Esperança de Jurgen Moltmann
Em 1965, um jovem teólogo alemão da Universidade de Tubinga
fez ressoar a sua voz através de seu livro The Theology of Hope (A Teologia da
Esperança), que saiu em inglês em 1967, cujo teor repercutiu grandemente no
mundo acadêmico. Há quem relacione ao movimento outros dois nomes: Wolfhart
Pannenberg, de Munique, e Ernst Benz, de Marburg, porém, em nosso estudo, entendemos
que Pannenberg se encaixa melhor em outro movimento, que apresentaremos no
capítulo seguinte. Porém, ainda que seja possível fazer essa distinção, não há
como negar que esses homens possuem muitos aspectos em comum. No ano de 1969,
foi publicada a sua segunda obra, Religion, Revolution and the Future
(Religião, revolução e o Futuro). Os teólogos receberam entenderam o livro de
Jurgen Moltmann como sendo um chamado refrescante a uma maior valorização da
escatologia, dentro da teologia cristã, além de ser um ataque devastador aos
teólogos existencialistas que argumentavam na linha de Bultmann.
10.1 – Entendendo a
teologia futurista de Moltmann.
A chave central para entender a teologia futurista de
Moltmann é sua idéia de que Deus está sujeito ao processo temporal. Neste
processo, Deus não é plenamente Deus, porque ele é parte do tempo que avança
para o futuro. No cristianismo tradicional, Deus e Jesus Cristo aparecem fora
do tempo, no atempo. Na teologia de Moltmann, a eternidade se perde no tempo. Para
Moltmann, o futuro é a natureza essencial de Deus. Deus não revela quem ele é,
e sim quem ele será no futuro. Desta forma, Deus está presente apenas em suas
promessas. Deus está presente na esperança. Todas as afirmações que fazemos
sobre Deus, são produto da esperança. Nosso Deus será Deus quando cumprir suas
promessas e com isso estabelecer o seu reino. Deus não é absoluto; ele está
determinado pelo futuro.
Segundo Moltmann, toda teologia cristã deve modelar-se
através da escatologia. Acontece que a escatologia para ele não significa a
previsão tradicional da segunda vinda de Jesus. Moltmann interpreta como aberta
ao futuro, aberta à liberdade do futuro. Deus entrou no tempo, e
consequentemente o futuro se tornou algo desconhecido tanto para o homem como
para Deus.
O cristianismo evangélico relaciona intimamente a
ressurreição de Cristo com a escatologia. O Cristo ressuscitado é “as
primícias” da ressurreição (1Coríntios 15.23; At 4.2). A morte e ressurreição
de Cristo são a garantia que Deus dá de que haverá ressurreição futura, e por
isso, o começo da ressurreição final. A ressurreição de Cristo é um fato
histórico que atribui pleno significado ao nosso futuro. Porém, para Moltmann,
a questão da historicidade da ressurreição corporal de Jesus não é válida.
Jesus ressuscitou dentre os mortos há quase dois mil anos com seu corpo físico?
Para Moltmann essa é uma questão sem importância. Não devemos olhar desde o
Calvário para a Nova Jerusalém, e sim olhar o nosso futuro ilimitado para o
Calvário. Afirma-se tradicionalmente que a ressurreição de Cristo é a base
histórica da ressurreição final. Moltmann porém diria que a ressurreição final
é a base da ressurreição de Jesus.
Ainda quanto ao futuro, Moltmann diz que o homem não deve
olhá-lo passivamente; ele deve participar ativamente na sociedade. A tarefa da
igreja é não é apenas se informar sobre o passado para mudar o futuro. É também
“pregar o Evangelho de tal forma que o futuro se apodere do indivíduo e lhe
impulsione a agir de modo concreto para mudar o seu próprio futuro. O presente
em si mesmo não é importante. O importante é que o futuro se apodere da pessoa
no presente”.
Para que o futuro se realize na sociedade, as categorias do
passado devem ser descartadas, pois não existem formas ou categorias fixas no
mundo. O futuro significa liberdade e liberdade é relatividade.
O principal propósito da igreja é ser o instrumento por meio
do qual Deus trará a “reconciliação universal e social”. A participação da
igreja na sociedade poderá utilizar a revolução como meio apropriado, mesmo que
ela não seja necessariamente o único meio. Neste avançar para o futuro, o
problema da violência versus não-violência recebe o nome de “problema
ilusório”. A questão não é a violência em si, e sim se o uso da violência foi
justificado ou injustificado. Essa tendência pragmática em que os fins justificam
os meios é uma tendência muito forte dentro da Teologia da Esperança.
Assim como na “Teologia Secular”, aqui também pode ser vista
uma profunda consciência para com o mundo. A idéia de Moltmann de considerar a
Bíblia desde o começo como um livro escatológico pode parecer um atrativo para
o cristão ortodoxo. Realmente um assunto tão importante quanto a escatologia
não deveria ocupar as últimas páginas em nossos livros de teologia
sistemática. Porém, qualquer conservador
certamente saberá reconhecer os erros patentes de Moltmann, bem como os
horrores que traria a sua visão ética.
10.2- Objeções à
Teologia da Esperança.
Moltmann critica muitos conceitos neo-ortodoxos, mas ele
acaba levando os conceitos barthianos muito mais longe. Barth havia transcedentalisado
a escatologia por meio do emprego da distinção entre Historie e Geschichte, mas
Moltmann foi ainda mais além, e rejeitou todo o conceito objetivo da história.
Se por um lado a dialética de Barth acabou com a possibilidade da relação entre
história e fé, a teologia de Moltmann destruiu até mesmo a possibilidade de
haver história.
Ainda que Moltmann revista sua escatologia de conceitos
bíblicos, seu sistema está mais fundamentado no marxismo do que em Cristo. O
primeiro livro de Moltmann, “Teologia da Esperança” nasceu de um dialogo com o
ateu alemão Ernst Bloch, e quando lemos o seu segundo livro, vemos que nesse
intercâmbio, Moltmann assimilou muitas idéias de Bloch.
A idéia que Moltmann tem da escatologia é destituída de base
bíblica. Apesar de todo esforço de Moltmann para produzir uma teologia bíblica,
no final, seu sistema nada mais é do que uma teologia centralizada no homem, em
um homem que observa o futuro e age na sociedade. A meta do futuro de Moltmann
não é a plena manifestação da glória de Cristo; ela é a edificação da utopia na
terra. Para ele, o Reino de Deus se introduz na terra por meio da política e da
revolução. Para o apóstolo Paulo, no entanto, o Reino de Deus é, e será
introduzido por meio da proclamação do poder salvador de Jesus Cristo (Atos
28.30-31). Para Moltmann, esse reino é também uma realidade terrenal e
tangível; o Reino de Deus, no entanto, é descrito na Bíblia como celestial.
Para Moltmann, o Reino de Deus é trazido por meio da revolução; no entanto,
segundo a Bíblia, o Reino de Deus traz a paz, e não a guerra (Romanos 14.7).
Quanto ao conceito de Deus, ele não admitia nenhum Deus
eterno ou infinito. Ao entrar no tempo, segundo ele, Deus se tornou finito e
aberto a um futuro desconhecido. O Deus da Bíblia existe de eternidade a
eternidade; o de Moltmann, porém, só existe no futuro, pois no presente ele
sequer é Deus. Como observou certo escritor: “No monte sinai, Deus disse a
Moisés: Eu sou o que sou, mas Moltmann não permitua que Deus lhe dissesse o
mesmo.
A teologia de Moltmann tem maior dívida com Nietzche, com
Overback e com Feurbach do que com Paulo, Pedro ou João. Ela é mais marxista
que bíblica, e mais filosófica que teológica. Em seu afã de refutar as
teologias não-ortoxas do seu tempo, Moltmann ultrapassou o limite do bom senso
e acabou por propor uma teologia quase tão nociva quanto aquela a que ele se
dedicou a refutar. Essa teologia do Deus finito e temporal, e que ainda incita
a rebeldia e a revolução, não pode ser teologia bíblica. Ela é antes, um
tropeço, um escândalo e uma nociva ameaça à sã doutrina.