“À
sombra do Templo”. Editora Vida, São Paulo, Brasil. [Título original: In
the shadow of the temple. Downers Grove, Illinois, EUA.] Páginas 15-39,
99-130.
Síntese
dos capítulos 1º e 5º
INTRODUÇÃO
Foi-me
dada a tarefa de fazer uma síntese dos capítulos em tela. Não me foi pedido
fazer uma resenha crítica, um fichamento ou muito menos uma monografia.
Destarte, não me preocuparei se estarei criticando suficientemente, pontuando
as ideias e apontando as citações suficientemente ou se o número de páginas
será suficientemente grande. Uma boa síntese não é um resumo. Um resumo é uma
síntese de um texto maior que não deixa de fora nenhum assunto. Uma síntese
não. A síntese, para ser bem feita, deve deixar de fora alguns pontos ou
assuntos. Deve trazer somente o mais importante, a fim de, em um texto que não
canse o leitor, em poucos minutos, oferecer o que há de melhor no texto. A
síntese está para o seu texto como a sinopse está para seu filme. Ou alguém já
viu uma sinopse que contasse todo o filme – mesmo que resumidamente? Uma
síntese precisa vender o texto. Este
creio ser o meu dever aqui.
CAPÍTULO 1º (pp. 15-39)
O
capítulo 1° aborda a Dimensão cultural
do judaísmo e do helenismo, ou, mais precisamente, a interferência do segundo
no primeiro. Mais à frente, também será ventilada a relação entre o helenismo e
o cristianismo, com o enfoque na passagem daquele a este pelo judaísmo.
Oskar
Skarsaune inicia dizendo que o judaísmo da época de Jesus não era o mesmo das
épocas veterotestamentárias, ao contrário do que muitos podem equivocadamente
pensar, e que muita coisa aconteceu no período intertestamentário que é-nos
relatado mormente na literatura rabínica e cristã-apócrifa, sendo mister recuar
sua análise até 160 AEC pelo menos. Aqui, Oskar Skarsaune faz uma análise da
Revolução Macabeia.
Depois
do exílio babilônico, os judeus da Judeia viveram de maneira semi-autônoma sob
o domínio estrangeiro até que, em 175 AEC, subiu ao poder o governante
selêucida Antíoco IV Epífanes. Suas exigências despertaram a Revolta Macabeia,
que iria dar aos judeus um estado independente reconhecido pelos sírios e
somente expugnado pelos romanos em 63 AEC. A revolução dos Macabeus corporifica
o status questiones, isto é, a
situação de repreensão judaica na questão cultural com o avanço helenístico
estrangeiro. Todavia tal repugnância não era unânime entre os judeus. Havia
aqueles que, movidos por interesses econômicos, políticos, entre outros,
desejavam ter uma Jerusalém helenizada sócio-político-economicamente e uns até
procuravam induzir o governo selêucida contra as facções mais resistentes e,
por isto, necessariamente mais fieis ao depósito epistêmico-histórico e
cultural judaico. Porém, dificilmente havia um judeu que se colocasse
totalmente ao lado de Antíoco IV, pois, mesmo para o mais heterodoxo e apóstata
judeu, as ações antioquenas ultrapassavam a fronteira da radicalidade. Os
diferentes posicionamentos faziam crescer um mal-estar interno no judaísmo.
Assim, dificilmente quaisquer dos dois extremos poderia sair cem por cento
vitorioso: nem os judeus mais fieis aos seus pais e à Lei, nem os judeus mais
apostatados. Desta maneira, os hasmoneus sobem ao poder – após a primeira geração,
a geração conquistadora dos macabeus - sob uma classe de judeus
filo-helenísticos – um meio-termo entre as posições extremadas. E é nesta
dinâmica que um grupo emergente de judeus sintonizados como o helenismo começa
a ver o mesmo não mais como nocividade, mas como uma oportunidade para
crescimento político e cultural. Estes são os antepassados diretos dos fariseus
que viverão na época de Jesus Cristo.
Oskar
Skarsaune aponta que, na sociedade em que Jesus viveu, a cultura e o pensamento
helenista eram apreciados. Tal fato se deve, inicialmente, ao fato de que as
culturas dos povos conquistados não tiveram força política para vencer a
cultura de Alexandre. Inevitavelmente, assim, os judeus, os “gregos” e até os
apóstolos e discípulos cristãos carregavam o rico pensamento helênico dentro de
si. Num pequeno tour de force, Oskar
Skarsaune mostra como os gregos helenizaram os povos e como também foram
orientalizados por eles, e que esta mistura era visível nas poleis helenísticas (um pouco diferentes
das poleis gregas típicas, como
Atenas). Porém, atenta o autor, uma cidade, dentre muitas helenizadas ao seu
redor, praticava a amixia: Jerusalém. A helenização da Judeia dependia da
helenização de Jerusalém, mas os judeus desta cidade mantinham-se à parte do
helenismo, para serem fieis à Torá, o que permitiu ao judaísmo até hoje
existir.
Mais
a frente, o autor coloca a revolução teórica ocorrida no judaísmo hasmoneu
pós-selêucida que trouxe um novo conceito de Torá e judaísmo (pp. 28-33). Para
os gregos, o Logos era a razão divina anterior à criação e ao qual esta deve se
submeter. Os sábios judeus, como que registrando este conceito, aplicaram tal
ideia à Lei de Moisés. Assim, “uma vida
de acordo com a natureza é também uma vida de acordo com a Torá”. Este insight pode ser chamado de ideia da preexistência e da significação
cósmica da Torá e foi emplacado primeiramente pelo autor da Sirácida aproximadamente em 190 AEC.
Mais tarde, rabinos deram uma nova interpretação a Gênesis 1:1 – em sintonia com Provérbios
8:22 – e afirmaram que “o modelo com base
no qual o mundo foi criado é a Torá
de Moisés”.
“O
conceito da Torá divina como mediadora preexixtente à
criação do mundo – os rabinos a chamam de ‘Filha de Deus’ – é da máxima
importância quando se discute de que modo os primeiros judeus que acreditaram
em Jesus concebiam sua divindade em relação ao Pai.” (p. 29)
Esta
virada hermenêutica na teologia rabínica atinge também o próprio conceito de
judaísmo. No mundo antigo, o nome dos grupos e das tribos bem como os aspectos
de suas culturas atrelavam-se a sua origem, ou seja, à região onde aquele povo
“nasceu”. Com Alexandre, o Grande, porém, grego não era mais só aquele que
nascera na Grécia, mas qualquer que passasse a se portar, vestir e pensar como
tal – o helenismo era um modus vivendi
a que seus “adeptos” podiam se converter. Da mesma maneira, a liderança religiosa
israelita, a partir do século II AEC, passa a encarar o judaísmo como um estilo
de vida (a palavra judaísmo é
inventada aqui para expressar tal modus
vivendi) ao qual as pessoas gentias poderiam se converter.
Outra
questão importante, lembra o autor, é a presença não somente do grego enquanto
pessoa, mas também enquanto língua. O coiné (transliterado koinḗ, original koinή), aproximou os povos quanto ao
comércio, à literatura e à cultura. Este dialeto foi fundamental na
disseminação ativa do judaísmo e do cristianismo. Através dele, estas religiões
alcançaram as principais províncias romanas.
Por
fim, Oskar Skarsaune explicita a herança cristã da escatologia judaica.
Vivia-se um tempo de judaísmo ativo. Acreditavam os judeus estar muito perto a
vinda do Messias. Jesus vem justamente nesta atmosfera. A espera messiânica do
judeus transmuta-se na espera parusiástica dos judeus-cristãos. Deste modo, a
pregação querigmática dos primeiros cristãos caracteriza-se sobremaneira pelo
anúncio de um retorno iminente de Cristo.
CAPÍTULO 5º (pp. 99-130)
Quantos
e quais eram os “judaísmos” no primeiro século? Esta pergunta é respondida pelo
autor neste capítulo. Ele chama a atenção para o famoso episódio da destruição
do Templo de Jerusalém, que liquidou com os judeus, ou, melhor, liquidou com
todos exceto o que convencionou chamar de judaísmo rabínico. Todos os partidos
judaicos acabaram, mas, por uma atitude, para uns, de covardia, para outros, de
inteligência, o judaísmo rabínico prosseguiu nas mãos de Johanan ben Zakkai,
que fugira antes do colapso. De modo similar, os cristãos perseguidos, no
século I EC, garantiram a prevalência do cristianismo porque fugiram. Esta é,
segundo o autor, a teoria tradicional. Mas o judaísmo anterior à destruição de
Jerusalém não continuou igualzinho àquele que conseguiu sobreviver. O judaísmo
farisaico das primeiras décadas, deu lugar ao judaísmo rabínico.
Nos
parágrafos que se seguem, Oskar Skarsaune vai fazendo uma série de revelações
surpreendentes. Mostra que Jesus estava muito mais em sintonia com os fariseus
do que se pode pensar e que é um erro achar que o judaísmo rabínico
pós-setenta-da-era-comum e seus textos (Mixná etc) se inserem no mesmo contexto
pré-setenta-da-era-comum.
Os
sacerdotes eram o grupo religioso de maior prestígio, já que a vida do judeu
orbitava no Templo. Flávio Josefo ainda fala dos saduceus, fariseus e essênios.
O autor complementa com o zelotas e fala também do judaísmo sinagogal.
A
elite sacerdotal não deixou escritos. Não se pode afirmar muita coisa dela.
Sabe-se somente que era composta por sábios de origens variegadas e que não
eram saduceus nem pertencentes a qualquer outra facção. Os saduceus, embora
menores em número, compunham o judaísmo sacerdotal. Não há informação
consolidada quanto ao conteúdo de sua teologia. Flávio Josefo aparenta
tendenciosidade na sua descrição. A
priori a informação mais disseminada entre os estudiosos da época e também
posteriores é que os saduceus não criam na ressurreição dos mortos, nem em
anjos, nem em espíritos, nem na imortalidade da alma. As passagens bíblicas que
nos trazem lampejos sobre isto, segundo o autor, não são apodícticas. Os
essênios, guardadas as menores diferenças entre suas subdivisões, eram de um
rigor moral muito grande, muitos retiravam-se para regiões desertas, vestiam-se
rusticamente, criam na imortalidade da alma e na necessidade do esforço para se
alcançar a justiça. Diferentemente dos saduceus – que se aproximavam mais do
epicurismo -, os essênios se apropinquavam mais do estoicismo. Os fariseus
destacavam-se pela estrita observância da Lei, pelo sacerdotalismo e pela habilidade política, mas também pela
ardilosidade e pela hipocrisia. Eram muito estudiosos e hierosolimitas, não no
sentido de terem nascido em Jerusalém, mas no sentido de que sua teologia e sua
práxis moral tinha a cidade de
Jerusalém como centro. Por isto, também eram templistas ou templocentristas.
Mas não havia partido mais nacionalista que os zelotas (ou zelotes). Com Flávio
Josefo e Oskar Skarsaune entendemos que os zelotes eram os fariseus mais
radicais; eram direitopatas,
extremistas conservadores de direita, se os dispuséssemos no modelo político
atual. Eram libertários, intransigentes. Somente Deus os liderava. Para
defender seus ideais e sua fé, pegavam até em armas e adotavam treinamento de
guerrilha (p. 124).
MINHA CONCLUSÃO
O
autor, nos capítulos primeiro e quinto, traz dois acontecimentos
supra-importantes na história do judaísmo que mudaram não só a história deste
como influenciaram sobremodo o desenvolvimento do cristianismo: a expansão
grega alexandrina e a destruição do Templo hierosolimita. Se os estudantes mais
avançados conseguem detectar vestígios de cultura, filosofia, linguística,
história e teologia gregas no Novo
Testamento, isto é porque o movimento expansionista grego, como nunca
antes, criou uma filosofia de dominação que considerava a cultura local e
promovia o sincretismo religioso. Se, ainda, tais estudantes percebem uma
diferença entre o judaísmo neotestamentário e o veterotestamentário, isto se
deve à destruição do Templo e, com ele, de quase todos os partidos e grupos
judaicos, com seus diferentes “judaísmos”. Tal compreensão parece ter sido o
desejo de Oskar Skarsaune.