quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

ÉPOCA N° 747 DE 10/09/2012



ENTREVISTA - 14/09/2012 20h10 - Atualizado em 15/09/2012 09h00
TAMANHO DO TEXTO

Tom Holland: “A religião deve ser investigada”

O escritor britânico causa polêmica com livro e um documentário em que contesta a narrativa tradicional sobre as origens do islamismo

IVAN MARTINS
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A HISTÓRIA INVESTIGADA O escritor britânico Tom Holland. Seu mais recente livro provocou críticas por questionar a narrativa tradicional das origens do islamismo (Foto: Dwayne Senior/Eyevine)
Duas semanas atrás, o canal de TV britânico Channel Four exibiu um documentário sobre a religião islâmica, escrito e apresentado pelo historiador Tom Holland, de 44 anos. Com base em seu livro mais recente, À sombra da espada, o programa apontava inconsistências na narrativa tradicional sobre o islamismo. Holland sugeriu que a religião de Maomé foi elaborada ao longo de séculos, em vez de ter emergido pronta da boca do profeta, em Meca. Houve mais de 1.000 reclamações. Uma entidade islâmica contestou fontes e conclusões de Holland. Ele sofreu ameaças via Twitter. Holland falou a ÉPOCA antes da transmissão do programa. Sobre a repercussão, dias depois disse: “Vamos ver o que acontece”. À sombra da espada será lançado no Brasil em março.
ÉPOCA – Como surgiram as dúvidas em relação à história do islamismo?
Tom Holland –
 Nos anos 1950 e 1960, historiadores começaram a estudar os hadiths, as citações de Maomé, e a questionar se eram realmente do tempo do profeta. Quando ficou claro que, nesse caso, as “provas” que a tradição islâmica oferecia eram fracas, a estrutura toda começou a ruir. As biografias do profeta, os comentários ao Corão, as informações sobre o surgimento do islamismo, tudo ficou sob suspeita. Recentemente, os historiadores começaram a se perguntar se aquilo que os historiadores islâmicos dos séculos IX e X escreveram sobre o começo de sua fé era historicamente verdadeiro. A conclusão tem sido que, para entender o islamismo, as fontes islâmicas não são suficientes. Assim como se questiona se as narrativas sobre a vida de Cristo, escritas dois ou três séculos depois que as coisas aconteceram, correspondem aos fatos, o mesmo começa a ser feito com o islã.
ÉPOCA – Como surgiu a história do islã que conhecemos hoje?
Holland – 
Os bispos que triunfaram no Concílio de Niceia, no século IV, reescreveram a história do cristianismo para assegurar que houvesse uma única narrativa, linear, desde os tempos de Cristo. Provavelmente ocorreu o mesmo no islamismo. Existem diferentes interpretações dentro do islã, que parecem recuar no tempo até o século VII. Aquilo que conhecemos hoje como islamismo demorou pelo menos tanto tempo quanto o cristianismo para se consolidar. A história mostra que religiões e grandes civilizações não emergem formadas. Elas surgem pela confluência de circunstâncias e influências. Evoluem lentamente.
ÉPOCA – O senhor diz que o Corão é composto de várias influências – inclusive mitologia grega –, mas afirma que como documento histórico ele é sólido. Como é isso?
Holland – 
Quando se estudam as citações atribuídas a Maomé (os hadiths), percebe-se nitidamente que foram moldadas pelo período em que foram escritas. Elas contêm alusões claras a eventos históricos que tiveram lugar décadas e mesmo séculos depois da morte do profeta. Com o Corão, não é assim. Tanto quanto podemos perceber pelas cópias mais antigas, parece que todos aqueles que o copiaram agiram como se estivessem lidando com algo extremamente sagrado. Eles tentavam não mudar nada. Mesmo quando havia problemas entre o texto do Corãoe rituais e leis islâmicas correntes, o texto foi preservado. Por exemplo, os muçulmanos rezam cinco vezes ao dia, e isso parece ter origem nas práticas do zoroastrismo, a religião dos persas. Mas o Corão diz que se deve rezar três vezes. Não se tentou alterar o texto do Corão para adequá-lo à realidade, embora isso pudesse facilmente ter sido feito. Ao que tudo indica, o Corãofoi tratado como o livro mais sagrado, com que não se podia brincar. Portanto, o texto que temos hoje parece ser algo original, que veio de um período remoto e foi preservado através dos séculos.
ÉPOCA – O Corão foi escrito quando se diz que ele foi escrito?
Holland –
 Um de nossos desafios é descobrir precisamente de que período veio esse documento. A tradição islâmica diz que esse texto emergiu pronto da boca de alguém chamado Maomé, que viveu num certo período (570-632 d.C.). O peso das evidências dá apoio à tradição. O Corão parece aludir a episódios que tiveram lugar no início do século VII, um dos quais é uma derrota romana para os persas, que ocorreu na Palestina, exatamente no período em que a tradição diz que o profeta viveu. Há também uma passagem referente a Alexandre, o Grande. Ela ecoa, quase palavra por palavra, um texto escrito no Irã em 630 por um sírio ligado ao Império Romano. Essa é a data mais antiga em que podemos identificar uma fonte no Corão, e ela corresponde ao que nos informa a tradição. Uma vez que você aceita isso, pode aceitar o Corãocomo uma fonte de informação legítima, primária, capaz de nos dar pistas sobre onde, como e por que Maomé agia.
ÉPOCA – O senhor diz que Meca talvez não tenha sido o lugar onde Maomé nasceu e deu origem ao islamismo. Por quê?
Holland –
 Meca é um problema. De acordo com a tradição islâmica, ela era uma cidade pagã, sem traços de comunidades cristãs ou judaicas, e estava localizada num deserto. Maomé, vivendo ali, era analfabeto, porque não poderia ter aprendido a ler. Entretanto, no Corão há centenas de referências a profecias judaicas e cristãs. A Virgem Maria aparece no Corão mais que no Novo Testamento. Não só o profeta parece familiarizado com essas citações, como parece contar com uma audiência igualmente familiarizada com as tradições bíblicas – embora a tradição afirme que em Meca havia apenas pagãos. Algo ainda mais problemático é Meca ser mencionada uma única vez no Corão, de uma forma ambígua. Pode ser uma referência a um vale tanto como a uma vila. Não está claro. E nenhuma outra fonte do período menciona a cidade. De nenhuma forma. A primeira vez que o nome da cidade aparece é em 741. Quase um século depois da morte de Maomé. Mesmo assim, a cidade é localizada num deserto no interior do atual Iraque, não na Arábia. Não acho que Maomé seja originário de Meca. Ele provavelmente veio mais do norte. As evidências do Corão sugerem isso.
"Acredito que até mesmo o mais fanático muçulmano aceitaria o direito de alguém não muçulmano duvidar que
Corão tenha vindo de Deus"
ÉPOCA – Por que a tradição islâmica situa o nascimento da religião em Meca?
Holland –
 Justamente porque ela é tão remota, tão isolada. Se você acredita que oCorão veio direto de Deus, você tem de deixar claro que não poderia ter vindo de nenhuma fonte mortal. O paralelo é com a virgindade de Maria, na tradição cristã. Se os cristãos acreditam que Jesus é o filho de Deus, divino, eles não podem tolerar que Jesus seja filho de um pai terreno. Logo, Maria tem de ser virgem. Então, se o Corão é divino, se vem diretamente de Deus, os muçulmanos não podem tolerar nenhuma menção de que ele possa ter vindo de influências judaicas ou cristãs. Eles precisavam situar sua origem num lugar o mais remoto possível. Esse lugar é Meca.
ÉPOCA – Qual sua conclusão sobre Maomé? Ele existiu ou é apenas uma lenda?
Holland – 
Tenho certeza de que existiu. A dificuldade está em saber quanto mais do que isso podemos dizer. Sabemos que ele existiu porque há um texto de propaganda cristã, em 634, que descreve os árabes num ataque à Palestina sob a liderança de um “profeta dos sarracenos”. Quem poderia ser senão Maomé? Isso parece demonstrar, no mínimo, que alguém muito parecido com Maomé estava ativo na Palestina durante aquele período. Mas Maomé, de acordo com a tradição islâmica, morreu em 632. O mesmo texto que confirma a existência do profeta contradiz a tradição sobre a data de sua morte.
ÉPOCA – O que os muçulmanos acham de seu livro e de suas conclusões?
Holland – 
Isso depende. Alguns estão furiosos. Outros reconhecem que o debate é parte do processo de que emergirá uma forma ocidental de islamismo. Na tradição ocidental, é natural que a religião seja alvo de investigação intelectual e acadêmica. Agora que o islã está se tornando uma religião europeia, ele será alvo do mesmo tipo de abordagem histórica que foi feita em relação ao cristianismo e ao judaísmo. Quase todos os muçulmanos com quem conversei foram muito generosos e abertos a respeito de minhas ideias.
ÉPOCA – O senhor não tem medo de sofrer perseguições por causa de seus pontos de vista?
Holland – 
Acredito que até mesmo o mais fanático muçulmano aceitaria o direito de alguém que não é muçulmano duvidar que o Corão tenha vindo de Deus. A presunção muito difundida de que questionar a origem do islamismo significa receber automaticamente uma sentença de morte e que barbudos furiosos atacarão quem fizer isso está muito distante da verdade. A islamofobia assume que os muçulmanos são tão violentos e irracionais que, se você apenas questionar sua religião, eles virão matá-lo. Não acredito nisso. Essa imagem não corresponde a nenhum muçulmano que conheço.
ÉPOCA – O escritor Salmam Rushdie talvez discordasse dessa afirmação.
Holland – 
Bem, Salmam Rushdie era originalmente muçulmano. No caso dele, havia uma acusação de apostasia (trocar uma religião por outra). Mas ele também estava fazendo um esforço deliberado de provocar. Defendo seu direito de fazer isso como artista, mas insultar propositalmente a figura do profeta é muito diferente de questionar as bases históricas do que sabemos a respeito dele.  
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Últimos comentários
  • Montz
    Será que terei a felicidade de ver o fim de todas as religiões? Não consigo entender como milhões de pessoas acreditam nessas porcarias que só trazem malefícios pra humanidade. Acho que o século XXI ainda não começou. A Nova Era já era.
  • Lucio
    Do título capcioso, passa-se para todas as religiões...?!?! Já o capitalismo selvagem não precisa ser investigado não, não é, meu Amigo?
  • Henrique Mareze
    Todas as religiões deveriam ser investigadas a respeito de seus passados, e não somente a religião islâmica. Há muita coisa errada e conflitante em escrituras sagradas. Achei legal o trabalho desse historiador, mas discordo-o quando diz que ''acredito que até mesmo o mais fanático muçulmano aceitaria o direito de alguém não muçulmano duvidar que o Corão tenha vindo de Deus.'' Não subestimem os fundamentalistas !
  • Fatima Valadares
    Todas as religiões não passam de meras especulações sobre a origem da vida e para onde iremos depois de mortos. Cá pra nós : Deus existe !!??
  • Marconi
    Existem trilhões de páginas escritas sobre as origens do cristianismo e do judaísmo, com críticas e releituras sobre suas origens místicas, míticas ou canônicas. E o mundo não acabou por isso. Difícil entender porque escrever ou comentar sobre o islã é tão complicado.
  • Walquiria Faria
    Tom Rolland mexeu num "vespeiro". O fanatismo muçulmano não aceita, e nunca aceitará que se duvide, seja quem for, de alguma coisa que contraria o Corão.

ÉPOCA DE 14/11/2011




A Câmara e o mérito religioso

R. R. Soares, Silas Malafaia, Paulo de Tarso Lockman, Dom Murilo Krieger e Valdemiro
No alto, R. R. Soares (à esq.) e Malafaia; Abaixo, da esq. para a dir: Paulo de Tarso Lockman, Dom Murilo Krieger e Valdemiro
A escolha dos homenageados deste ano com a medalha do mérito legislativo, concedida pela Câmara por indicação dos deputados, revela uma luta religiosa dentro do Congresso.  Dos 39 agraciados, sete são pastores, apóstolos ou bispos de várias denominações cristãs. Está na lista o polêmico pastor Silas Malafaia, vice-presidente do pomposo Conselho Interdenominacional de Ministros Evangélicos do Brasil. Indicado pelo deputado Ratinho Junior, na semana passada Malafaia ameaçou “fornicar” o líder da causa gay Tony Reis. Também compõem o grupo os concorrentes diretos de Silas, como o apóstolo Valdemiro Santiago de Oliveira, afilhado do deputado Eduardo da Fonte, o pastor Romildo Ribeiro Soares,conhecido na TV pela marca RR Soares, e escolhido pelo deputado Doutor Grilo, e o bispo Paulo de Tarso Lockman, presidente mundial da igreja metodista, apadrinhado pelo deputado Áureo. Fecha a lista o cardeal de Salvador e primaz do Brasil, Dom Murilo Krieger, indicação de ACM Neto. No ano em que a Congresso discute projetos que permitem o casamento gay, a lista revela uma demonstração de força dos conservadores.
Leonel Rocha

ÉPOCA N° 747 DE 10/09/2012

A Mundial vira municipal


O apóstolo Valdemiro Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus, deve devolver os horários que aluga em redes nacionais de TVs. Sairá da Band, da Rede 21 e da MIX, com que acumula grandes débitos. Valdemiro pretende substituir esses espaços por outros em 380 pequenas emissoras locais. A tarefa de montar a rede municipal da Mundial é conduzida por uma empresa paraense, a SMS.
Felipe Patury
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Um Comentário para “A Mundial vira municipal: Valdemiro Santiago encolhe na TV”

  1. BERNARDO:
    gente a bíblia é clara …haveriam tempos difíceis E a vinda dos falsos profetas..esse VALDOMIRO e sua gente irão queimar no fogo eterno sem passar pelo PURGATÓRIO…maior é NOSSA SENHORA . ILUDINDO O MAIS FRACOS, mas devemos ter discernimento..porque a raça humana é a única espécie o PAI deu cérebro para pensar.

ÉPOCA N° 746 DE 03/09/2012



ENTREVISTA - 09/09/2012 09h00
TAMANHO DO TEXTO

Vsevolod Chaplin: “As integrantes da Pussy Riot cometeram uma blasfêmia”

O arcipreste da Igreja Ortodoxa Russa defende a condenação das garotas da banda e diz que a liberdade de expressão deve ter limites éticos, ligados aos valores morais da sociedade

JOSÉ FUCS
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EM NOME DE DEUS O arcipreste Chaplin, da Igreja Ortodoxa Russa. Ele é um dos líderes da cruzada moralista na Rússia (Foto: Alexey Philippov/RIA Novosti/AFP)

O julgamento das garotas da banda russa Pussy Riot,condenadas a dois anos de prisão por causa de uma performance realizada num templo de Moscou, gerou uma onda de protestos pelo mundo e reforçou a percepção de que a democracia na Rússia se tornou uma quimera. Mais que tudo, talvez, o caso mostrou o poder crescente alcançado pela Igreja Ortodoxa Russa no país. Suas críticas contundentes à manifestação artística das meninas foram decisivas para selar o destino delas nos tribunais. Vinte anos após o fim do comunismo, a Igreja Ortodoxa conseguiu recuperar boa parte da influência que tinha na vida política e na sociedade nos tempos do czarismo. Com trânsito livre junto ao presidente, Vladimir Putin, e ao primeiro-ministro, Dmitri Medvedev, os ortodoxos têm obtido concessões significativas do governo, em especial em questões morais. Dois exemplos: a aprovação recente de restrições ao aborto, considerado um direito das mulheres na antiga União Soviética, e as seguidas proibições à realização da Parada Gay em Moscou.
À frente dessa cruzada moralista, o arcipreste Vsevolod Chaplin, porta-voz da Igreja Ortodoxa Russa e responsável pelo departamento de relações com a sociedade do Patriarcado de Moscou, joga duro. Recentemente, chegou a dizer que “as mulheres russas se vestem como prostitutas” e a defender a adoção de um código para regular a forma de se vestir na Rússia. Em entrevista a ÉPOCA, o arcipreste – cargo honorífico dado a um sacerdote ortodoxo – afirma que as meninas do Pussy Riot “cometeram uma blasfêmia” e diz que “a liberdade de expressão deve ter limites éticos, ligados aos valores morais da sociedade”. Chaplin fala também sobre a preocupação social da Igreja Ortodoxa na Rússia e sobre sua vinculação com o antigo regime czarista. “É verdade que, nos séculos XVIII e XIX, a igreja era muito envolvida com a máquina do Estado e não tinha liberdade suficiente e recursos intelectuais para atuar de maneira ativa pelas questões sociais.”
ENJAULADAS  Integrantes da banda Pussy Riot num tribunal de Moscou. Na mira dos ortodoxos (Foto: Andrey Stenin/RIA Novosti/AFP)
ÉPOCA – Como o senhor viu a manifestação das meninas do Pussy Riot na Catedral do Cristo Salvador, em Moscou?Vsevolod Chaplin – Elas cometeram uma blasfêmia. Fizeram uma encenação imoral e criticaram o senhor Putin. Mas não foi isso que causou uma reação tão violenta dos que seguem a religião ortodoxa russa. Foi a violação de uma igreja, o uso do nome de Deus em vão, com palavrões de todos os tipos. Sob essa ótica, é até natural que tudo tenha acontecido.
ÉPOCA – A condenação das meninas a uma pena de dois anos de prisão não foi um exagero?
Chaplin –
 Depois da sentença, o Conselho Superior da Igreja Ortodoxa Russa pediu clemência a elas, mas, ao mesmo tempo, disse que a decisão do tribunal deverá impedir ações semelhantes no futuro. Acredito que a decisão do tribunal terá um efeito preventivo, para que essas blasfêmias não se repitam.
ÉPOCA – No Ocidente, muita gente interpretou a prisão e a condenação delas como um sinal de autoritarismo do regime e uma restrição à liberdade de expressão na Rússia. O senhor concorda?
Chaplin –
 A liberdade de expressão deve ter limites éticos, ligados aos valores tradicionais e morais da sociedade. A sociedade ocidental tem sofrido muito por ter removido quase totalmente os limites morais. Ninguém deve ter liberdade para violar uma igreja e associar o nome de Deus a palavras de baixo calão e blasfêmias.
ÉPOCA – Algum tempo atrás, o senhor chegou a defender a proibição nas escolas de livros de grandes escritores, como Lolita, do russo Vladimir Nabokov (1899-1977), publicado em 1955, e Cem anos de solidão, do colombiano Gabriel García Márquez, publicado em 1967. Por quê?
Chaplin –
 A popularização desses romances nas escolas não fará com que nossa sociedade seja mais feliz do ponto de vista moral. Eles romantizam as relações sexuais entre adultos e crianças. A Rússia, hoje, precisa de uma revolução moral – ou uma contrarrevolução, se você preferir.
ÉPOCA – O senhor também já criticou o uso de minissaias e disse que as mulheres russas se vestem e se maquiam como prostitutas...
Chaplin –
 Não somente as mulheres. Os homens também. Um homem que sai por aí de shorts, camiseta e tênis não é digno de respeito. Isso não é uma atitude adequada em nenhuma sociedade que respeita a si mesma e aos outros. A forma de as pessoas se vestirem tem de ser mais bem discutida pela sociedade. Elas não devem ficar meio nuas em público, como costuma acontecer no verão em Moscou. Na Rússia, hoje, a maioria da população apoia a ideia de regular a forma como as pessoas se vestem. No começo dessa discussão, muitos diziam que isso era uma questão fechada e que cada um deve ter a liberdade de se vestir como quiser. Mas essa não é uma questão puramente pessoal. O comportamento das pessoas nos espaços públicos não é um problema só delas. Não seria nada mau se as empresas, as escolas e as universidades tivessem seus próprios códigos de vestimenta.
ÉPOCA – Em relação a questões como o divórcio e o aborto, qual é a posição da Igreja Ortodoxa Russa?
Chaplin – 
Nossa posição é muito próxima da posição do Vaticano. Lamentamos cada divórcio, embora aceitemos a realização de segundo e terceiro casamentos. Ao mesmo tempo, nossa igreja faz o possível para preservar e restaurar as famílias que enfrentam problemas. Agora, se as famílias não existem mais, a igreja dá sua bênção a quem quiser realizar segundo e terceiro casamentos. Em relação ao aborto, negociamos com o governo, especialmente com o Ministério da Saúde, e com parlamentares uma revisão da lei de saúde pública. Algumas de nossas solicitações foram atendidas, como a obrigatoriedade de um período de reflexão antes da realização do aborto. A nova lei obriga a um período de reflexão obrigatório de dois a sete dias entre a mulher se apresentar para fazer o aborto e sua realização propriamente dita, conforme o período de gravidez. Também propusemos que as pílulas anticoncepcionais não sejam vendidas sem uma receita médica. Hoje, elas podem ser compradas até pela internet, sem nenhum controle.
"Pedimos clemência às meninas. Mas, ao mesmo tempo, acreditamos que a decisão do tribunal terá um efeito preventivo, para que essas blasfêmias não se repitam"
ÉPOCA – A que o senhor atribui a força adquirida pela Igreja Ortodoxa Russa hoje?
Chaplin –
 Na era soviética, a vida religiosa não desapareceu por completo. Os comunistas conseguiram se livrar dos empresários, dos latifundiários e dos filósofos não comunistas, mas não conseguiram exterminar a igreja, como a Coreia do Norte e a Albânia. É claro que o espaço da igreja era muito limitado, mas algumas paróquias continuaram funcionando. Elas ficavam superlotadas, em todas as missas. Mesmo os líderes do comunismo batizavam secretamente seus filhos, promoviam cerimônias religiosas e realizavam serviços funerários na igreja. Hoje, não podemos dizer que a maioria absoluta da população esteja envolvida em práticas religiosas. Isso acontece em poucos países. Mas acredito que um número significativo de pessoas na Rússia tem alguma prática religiosa. Uma pesquisa mostrou que cerca de 30% da população ao menos de vez em quando vai à igreja. Isso é muito diferente da situação anterior, mas ainda há muito a fazer nesse aspecto.
ÉPOCA – Qual é o principal desafio da Igreja Ortodoxa Russa hoje?
Chaplin – 
Nosso maior desafio está relacionado à postura ética da sociedade. Nos campos da vida pessoal, da economia, da política, muitas vezes não há nenhum limite ético. Isso está acontecendo porque, por diversas gerações, as pessoas na Rússia foram privadas de qualquer discussão sobre a importância da ética. Eram forçadas a seguir a moralidade comunista. Quando o Estado falhou em implementar a moralidade, muitas passaram a achar que era um vale-tudo. Anos atrás, nossa igreja criou um Conselho especial para lidar com a questão da ética econômica e da justiça social. A diferença hoje entre ricos e pobres é totalmente novo, depois de décadas em que as pessoas viviam com relativa igualdade. É um fenômeno chocante, especialmente para os mais velhos. Na Rússia, não temos muitos lugares em que as pessoas vivem na pobreza absoluta, como em algumas áreas do Brasil, mas até em Moscou temos pessoas que moram em apartamentos modernos, e pessoas vivendo muito modestamente. A diferença de renda é muito séria. É um dos grandes problemas da sociedade, em que a ideia de justiça – em especial de justiça social – está muito viva e é bem compreendida. Outro problema sério é a falta de confiança nos agentes econômicos. Muitos novos-ricos ganharam seu dinheiro de forma criminosa e desonesta, subornando altos funcionários do Estado, que lhes permitiam fazer fortuna rapidamente comprando a preços baixos as gigantescas indústrias soviéticas privatizadas. É claro que as pessoas se lembram de tudo isso e que essa confiança entre as duas partes deve ser restaurada de qualquer forma. Isso significa que os negócios precisam ser socialmente responsáveis, devem provar que trazem benefícios para as pessoas, e não só para alguns empresários.
ÉPOCA – Essa postura social da Igreja Ortodoxa é algo novo. Antes da revolução, a igreja tinha uma estreita relação com a aristocracia, o czar e a família real. Não havia preocupação com as questões sociais...
Chaplin –
 No início do século XX, antes da Revolução Bolchevique, havia muita reflexão social na igreja, havia filantropia religiosa. De certa forma é verdade que, nos séculos XVII a XIX, a igreja era muito envolvida com a máquina do Estado e não tinha liberdade suficiente nem recursos intelectuais para atuar de maneira ativa pelas questões sociais. Agora, os próprios desafios da época atual empurram a igreja para desenvolvimento do pensamento social. Em 2000, o Conselho de Bispos da Igreja na Rússia lançou um livro chamado A essência da doutrina social da Igreja Ortodoxa da Rússia. Trabalhamos nesse documento durante seis anos – eu era secretário do grupo de trabalho. O documento fala de muitas coisas, a igreja e a nação, a igreja e o Estado, economia, política, ética, guerra e paz.
  
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Últimos comentários
  • Alice
    Ridículo.
  • Renata
    Não faz nem um século que a revolução russa destrinchou o estado da igreja, e vejam só: o estado laico não passa de uma mentirinha... sem dúvida que o Putin é o novo czar, até no mandato do Medvedev, quem mandava era ele. O governo e a igreja russa dividem um mesmo ideal: poder
  • Nilson de Simas
    Cognição atrofiada pelo veneno da fé, que seguem o que foi apregoado em LUCAS:19:27: Siga-me e me aceite como único rei ou morra. Também em LEVITICUS 18:22 há uma efusiva demonstração de intolerância, mandando que matem todos os homossexuais, dando assim munição doutrinária para os dementes. NDSIMAS@YAHOO.COM.BR