sexta-feira, 15 de maio de 2015

A Pneumatologia de J. I. Packer: resenha do capítulo 5 de "Na dinâmica do Espírito"



Mapeando a Rota do Espírito: A Vida Carismática
In: Na dinâmica do Espírito











RELATÓRIO DE LEITURA



            O autor afirma (p. 165) ser necessário estudar o movimento carismático porque ele tem sido o principal canal de atuação do Espírito Santo na Igreja, sendo, por isso, uma “nova força espiritual”. À p. 166, Packer afirma que os carismáticos são aqueles que mais avidamente anseiam e esperam que alguma manifestação avivalista ocorra no seio da Igreja. Isto por si só já basta para acreditarmos ser de grande valia o movimento em estudo. Ademais, é dito, logo depois, que muitos líderes do movimento (se é que ele os possui, nestes termos) pleiteiam, para o mesmo, o mérito de reunir crentes de várias denominações dessemelhantes, despontando como o escol do ecumenismo internacional e transdenominacional. Isto, porém, desperta-me controvérsias, já que, no Brasil, ocorre justamente o contrário: as igrejas não-carismáticas são as que mais se apropinquam das demais, inclusive a católica.[1]

            Na mesma página, citando Lesslie Newbigin, J. I. Packer explicita a visão deste teólogo de que o movimento carismático veio, até mesmo, renovar o conceito de Igreja. Afirma Newbigin que o conceito protestante reformado de Igreja como “congregação dos fiéis” e o católico de Igreja como “o corpo de Cristo” precisam ser ressignificados à luz do movimento pentecostal dos últimos tempos, que concebe, diz ele, a Igreja como “a comunidade do Espírito Santo”. “Isto”, ele diz, “é, agora, necessário para fertilizar e irrigar as outras duas opiniões”, completa Packer na l. 34. Na minha opinião, realmente, a Igreja não é apenas a congregação dos fiéis ou  o corpo de Cristo. Pelo menos, eu creio, estes não são os melhores termos para designá-la de maneira rápida, porém completa. A expressão “corpo místico de Cristo”, derivada da expressão latina Corpus Mysticum, parece-me mais adequada por enfatizar esta nuance espiritual. Mas é uma questão mais estilística do que teológica... Tal expressão pode-se notar em escritos paulinos, como 1 Coríntios 12:12-14, principalmente, e também em Romanos 12:5, Efésios 3:6; 5:23 e Colossenses 1:18; 1:24. Esta concepção de Igreja foi retrabalhada, posteriormente, na encíclica Mystici Corporis Christi (1943), de Pio XII, porém com a afirmação papal de que a Igreja de Cristo está ou subsiste única e exclusivamente na Igreja Católica Apóstólica Romana, o que, obviamente, não é aceito pelos protestantes. Eu, particular e honestissimamente, vejo que a Igreja de Cristo não é a ICAR necessária e exclusivamente, mas confesso, como estudioso da teologia – inclusive a católica -, ter dificuldades de rebater todas as formulações elaboradas para defender tal posição.

            Depois, Packer apresenta as diferenças e semelhanças presentes nos dois principais grupos de renovação carismática e que desenlaçam alguns pontos de tensão internos ao movimento em geral. A princípio, o catolicismo romano, por ser mais homogêneo e melhor estruturado, soube receber o movimento e conformá-lo em moldes mais ou menos pré-estabelecidos, sem grandes descalabros. O protestantismo, porém, essencialmente polissêmico e descentralizador, até hoje, tropeça em questões atinentes, como se uma pessoa deve ser contra ou a favor dos carismáticos. Enfim, a igreja protestante não costuma resolver os problemas eclesiológicos que possui, apenas joga-se a “poeira para baixo do tapete”. Se há um problema, quer generalizado, quer localizado, dá-se sempre um jeito de se escamotear o mal, seja mudando-se de igreja, seja mudando-se radicalmente a igreja, seja criando-se uma nova igreja, seja manipulando-se o fiel etc. Enquanto, na Igreja Católica, necessariamente, sob pena de ruir, os bispos “estapeiam-se” para encontrar uma solução para tais problemas; assim, na ICAR, ou se resolve, ou se resolve! Na IP, porém, se não se resolve, escamoteia-se... e pronto!

            O movimento carismático enfatiza a experiência sobrenatural; o movimento evangélico, isto é, aquele que é bíblico, enfatiza, porém, a metanóia (gr. metnoia). O movimento carismático rarefaz a verdade inconcussa evangélica quando tolera as variegadas manifestações espirituais – muitas vezes contraditórias e excludentes. Estas são algumas dessemelhanças existentes entre os movimentos evangélico e carismático.

            Contudo, ambos os movimentos guardam algumas semelhanças. A fé, o arrependimento, o amor a Jesus, a prática de transformação de vidas pelo poder do Espírito Santo, o aprendizado acerca de Deus e através da Bíblia, uma oração eficaz, livre e fervorosa, o ministério de leigos em pequenos grupos e o apetite por músicas, cantos e louvores ritmados e excêntricos são as principais características que os movimentos conservam comumente. (Ver p. 168.)

            Percebeu-se que o movimento carismático, em comparação com o movimento original evangélico, é menos racional e mais espiritual; teologicamente menos sólido; sociologicamente mais inclusivo. É teologicamente menos sólido, pois nada põe de novo quanto à dogmática: “Eles sabem que não é este”, a reflexão teológica, “o objetivo do seu movimento”, afirma J. I. Packer, na p. 170.

            Mas, como identificar um movimento carismático? Como saber se tal fenômeno ocorre em determinada comunidade eclesial? Como quantificar isto? É preciso um cânon, isto é, um padrão, algo que sirva de gabarito para mensurar o quão se aproxima um igreja do fenômeno carismático pentecostal. Packer, assim, oferece-nos 5 principais características, resolutamente inerentes a todo e qualquer movimento carismático: 

a)    um importante enriquecimento da experiência cristã pessoal, posterior à conversão;
b)    “falar em línguas”;
c)    dons carismáticos;
d)    adoração “no espírito” e
e)    estratégia de renovação usada por Deus (presente especialmente no Movimento G-12).

Salta-se à leitura, na p. 174, §2º, o que Packer fala sobre a hinologia carismática: 

“(...) o estilo repetitivo, de progresso lento, algumas vezes incoerente, dos hinos e corinhos carismáticos contrasta marcantemente com as palavras mais teológica e poeticamente escolhidas, e com as músicas mais animadas de décadas passadas.” – grifo meu.

            Perceba como o movimento carismático é de difícil contenção e mensuração. O que o autor disse é universal? Não. Ao menos, não se aplica universalmente à igreja brasileira; mais especificamente a carioca, na qual estou imiscuído. São opostos dois tipos de hinos – ou louvores, ou músicas gospel -: o antigo (de décadas passadas) e o hodierno (carismático). Sobre o antigo, o autor diz que possuem palavras mais teológica e poeticamente escolhidas – o que é verdade na hinologia protestante brasileira – e é mais “animado”. Opa! Aqui, não! No Brasil, evidentemente, os louvores antigos não são mais “animados” que os atuais. E sobre o louvor carismático atual, Packer diz que são repetitivos – é verdade, no Brasil! -, de progresso lento – é mentira, no Brasil! – e, algumas vezes, incoerente – quase sempre, no Brasil, neste ou naquele ponto teológico. Assim, inversamente ao que o autor afirma, vemos que, no Brasil, o hino carismático é mais “animado” que o hino antigo. Talvez, seja exceção, o hinário das igrejas que cultivam a chamada “adoração espontânea”, aquela que se caracteriza pela presença da “ministração” e da “adoração espontânea”. Ademais, na p. 182, uma semelhante discrepância ressoa quando o autor afirma que “Sociologicamente, o movimento carismático é, em sua maior parte, formado de pessoas da classe média.”. Este é mais um ponto de divergência entre as realidades dos movimentos pentecostais do Brasil e dos Estados Unidos. No Brasil, patentemente, o movimento carismático não é composto majoritariamente por pessoas da classe média econômica e isto se deve, principalmente, às diferentes particularidades que as diferentes realidades conservam.

            A partir da p. 180, após expor as principais características da vida carismática, J. I. Packer traz os aspectos positivos do movimento:

a)    centralização de Cristo,
b)    a vida no poder do Espírito,
c)    emoção que encontra expressão,
d)    oração,
e)    alegria,
f)     envolvimento de todos os corações na adoração a Deus,
g)    o ministério de todos os membros no corpo de Cristo,
h)   o zelo missionário,
i)     o ministério de pequenos grupos.

E, na p. 186, ele se põe a mostrar os aspectos negativos do movimento:

a)    elitismo,
b)    sectarismo,
c)    emocionalismo,
d)    anti-intelectualismo,
e)    iluminismo,
f)     “carismania”,
g)    “super-sobrenaturalismo”
h)   eudemonismo,
i)     obsessão por demônios e
j)      conformismo.
Assim termino meu relatório de leitura do capítulo 5 de Na dinâmica do Espírito. Em suma, o autor encerra o texto apontando que não são tão grandes as diferenças entre carismáticos e não-carismáticos e que quase tudo o que os carismáticos fazem em congregação os não-carismáticos também o fazem ao seu modo e numa intensidade diferente.
Despeço-me, porém, com um pedido de cautela expresso num comunicado do Bem-Aventurado João Paulo II:
“A Renovação Carismática Católica ajudou muitos cristãos a redescobrir a presença e a força do Espírito Santo na sua vida, na vida da Igreja e no mundo. Esta redescoberta despertou neles uma fé em Cristo repleta de alegria, um grande amor pela Igreja e uma generosa dedicação à sua missão evangelizadora. (...)
(...) Pertenceis a um movimento eclesial e a palavra «eclesial» obriga a uma preciosa tarefa de formação cristã, que requer uma profunda convergência entre fé e vida. A fé entusiasta que reaviva as vossas comunidades deve ser acompanhada por uma formação cristã adequada e fiel ao ensinamento eclesial. Com efeito, de uma sólida formação derivar à uma espiritualidade profundamente radicada nas fontes da vida cristã e capaz de responder aos interrogativos cruciais apresentados pela cultura de hoje.
Na minha recente Carta Encíclica Fides et ratio, adverti contra um fideísmo que não reconhece a importância da obra da razão, não só para uma compreensão da fé, mas também para o próprio acto de fé.” [2]
Que Deus abençoe a todos nós!









FONTES BIBLIOGRÁFICAS E VIRTUAIS[3]

1.    PACKER, J. I. Mapeando a rota do Espírito: a vida carismática. In: Na dinâmica do Espírito. 1ª edição, Vida Nova. São Paulo, 1991. Título original em inglês: Keep in Step with the Spirit. 1ª edição, Fleming H. Revell Company. Tarrytown, New York, 1984.

2.    Carta encíclica Mystici Corporis do sumo pontífice Papa Pio XII. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/pius-xii/pt/encyclicals/documents/hf_p-xii_enc_29061943_mystici-corporis-christi.html

3.    Discurso do Papa João Paulo II aos responsáveis do movimento carismático católico - 30 de outubro de 1998. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/speeches/1998/october/documents/hf_jp-ii_spe_19981030_carismatici.html. Consultado em 15/05/2015.



[1] Vide, p. e., a relação que a Assembleia de Deus tem com a ICAR e a que a Igreja Luterana tem com a mesma ICAR. Ou melhor, enquanto há uma pequena, mas crescente, harmonia entre a comunidade luterana mundial e os católicos, simplesmente não há rigorosamente nenhuma relação entre os assembleianos e os católicos; mesmo entre os carismáticos de ambas as comunidades! Isto posto, contrariando J. I. Packer, concluo que o movimento carismático acentua o separativismo religioso. Só há um caminho para o ecumenismo, que é as igrejas encontrarem um ponto comum. Este ponto é cada vez mais comum quanto mais regressarmos no tempo, o que nos fará ver que é nos primeiros séculos de teologia e história cristãs que repousa a base comum a todas as comunidades ou denominações eclesiais. Isto aponta para a urgente necessidade – caso queiramos o ecumenismo – de nós cristãos estudarmos a teologia e a Tradição da Igreja, mormente nos primeiros séculos, até a principal separação ocorrida na revolução protestante.
[2]  Discurso do Papa João Paulo II aos responsáveis do movimento carismático católico - 30 de outubro de 1998.
[3] NOTA: repare esta bibliografia: isto é ecumenismo! Uma obra de autor protestante e dois documentos do Vaticano. Assim, abertos ao outro, estamos mais perto da verdade. Parafraseando Aristóteles, na contradição está parte da sabedoria!