domingo, 25 de janeiro de 2015

Olavo de Fedeli "vs" Orlando Carvalho



O texto abaixo, retirado de http://www.olavodecarvalho.org/textos/fedeli4.htm, é a reprodução exata de uma querela histórica entre dois dos maiores filósofos brasileiros. Ambos católicos e deveras influentes no universo seminarista.




O método de aliciamentodo sr. Orlando Fedeli

por Amilcar Nadu


A única vez que chamei algum aluno do sr. Fedeli para vir falar comigo foi com a finalidade declarada e pública de que levasse a seu guru a gravação de minha aula, em razão de minha falta de tempo para lhe dar uma resposta por escrito. Já o sr. Fedeli, no seu esforço de salvar da minha nefasta influência as almas de meus alunos, desenvolve intenso trabalho subterrâneo de aliciamento, do qual às vezes, por acaso ou por falha da segurança, umas amostras chegam ao meu conhecimento. Meu aluno Amilcar Nadu, por exemplo, foi convocado pelo sr. Fedeli a vir de Curitiba ouvi-lo explicar as razões pelas quais, no entender do guru montfortiano, ele deveria abandonar meu curso imediatamente e filiar-se às hostes fedélicas. Infelizmente, o tiro saiu pela culatra: de volta à sua terra, Amilcar julgou que tinha o dever de me informar da conversa. O título é de minha responsabilidade. assim como os comentários – em vermelho – que a entremeiam.
Já pelo contraste entre os altos pretextos alegados e os métodos sórdidos de alcoviteiro, o sr. Fedeli dá, com seu exemplo pessoal, a mais fiel ilustração daquilo que dizia Simone Weil: “Estar no inferno é acreditar, por engano, que se está no céu”. – O. de C.



Prezado Prof. Olavo de Carvalho,

Em abril, forneci ao senhor alguns dos dados que obtive sobre o Sr. Orlando Fedeli. Tive, antes, o cuidado de, num período de quatro meses, ouvir ao menos 3 testemunhas diretas que me confirmassem os depoimentos umas das outras. Com base nisso, pude apurar que o Sr. Fedeli se auto-atribuiu a missão de salvar a alma das pessoas mediante o guiamento de suas inteligências. No cumprimento de sua missão, Fedeli diz, a sério, que ir ao seu Seminário é mais grave que matar uma pessoa.

Se isso não configura intenção de difamar e prejudicar, o Código Penal está errado.

Basta, para demonstrar o grau de alarmismo criado por esse senhor, o fato de ter um certo ex-aluno do Seminário chegado ao ponto de me ligar em Curitiba, onde resido, dispondo-se a fornecer-me hospedagem para que eu pudesse ter com OF [1] .

Durante a investigação que realizei, eu já havia tentado apurar com os hoje freqüentadores da Associação Montfort, quais as divergências que Fedeli teria com o senhor e a que livros eu deveria recorrer para inteirar-me delas. Nenhum dos freqüentadores da Associação Montfort foi, porém, capaz de me expor com a mais mínima precisão o pensamento fedeliano. Limitaram-se a assinalar que Fedeli conhecia extremamente bem a sua filosofia e a gnose, e que provara as íntimas ligações entre uma e outra, bem como a falsidade do “maometismo”. Espantou-me a mudança veloz de posição daquelas pessoas.

Na verdade, essas pessoas jamais “mudaram de posição”. Já chegaram falando da Associação Montfort (que então eu desconhecia) e oferecendo-se gentilmente para gravar as minhas aulas. Depois, desapareceram repentinamente, levando as gravações, e começaram a fazer contatos com os demais alunos meus para levá-los à Associação Montfort. Que é que posso supor diante disso, senão que vieram desde o início como agentes do sr. Fedeli e não como alunos?

De minha parte, procuro seguir sempre a Teoria dos Quatro Discursos, que tenho testado inúmeras vezes, e que, nesses casos, funciona como uma armadura espiritual que permite ao estudante enfrentar as mais temíveis controvérsias sem fragmentação da consciência e sem crises desnecessárias [2] . E, à luz dela, sempre tive claro que, antes de me posicionar sobre o que quer que fosse, deveria eu inteirar-me dos termos do debate. Assim, jamais receei encontrar o Sr. Fedeli. Tive mesmo, antes de confirmar o que ele havia dito sobre freqüentar o Seminário, alguma curiosidade a respeito de sua obra. Quando, porém, vieram as provas sobre o contexto em que aquela invectiva fora feita, restou-me apenas a obrigação intelectual de não negar ouvidos a quem pretenda revelar dados que eu supostamente desconheça. Ao ser informado no sábado (não cheguei a comentar isso com o senhor) que o Sr. Fedeli estava “à minha disposição” e ao sentir que uma eventual negativa minha poderia, e seria, interpretada como a fuga de um medroso que se furta à responsabilidade de encarar a verdade, fui sinceramente disposto a ouvi-lo e a anotar tudo quanto pudesse. Relatarei resumidamente, nas linhas seguintes, e tentando preservar ao máximo a ordem cronológica, como transcorreu a nossa conversa, que se deu na presença de mais duas testemunhas. Antes, porém, esclareço que o relato abaixo foi feito em tópicos não por uma decisão arbitrária ou por preguiça, mas por ser a forma escrita que melhor retrata o tipo de argumentação do Sr. Fedeli: não há transição entre os temas. Interrompe-se a discussão bruscamente e muda-se rapidamente de assunto. Não há partes compondo um todo. Há uma coleção fragmentária de “provas”, expostas com extrema velocidade e em tom sentencial.

1. Fedeli nos busca no metrô e nos leva numa mini van à Associação Montfort. A caminho de lá, quer saber o que houve na aula recém finda (aula do mês de abril) . É informado da fita, que lhe será exibida na Quarta feira próxima. Registra que o seu silêncio público é uma proposta tácita de acordo. Diz que não vai parar enquanto não desmascará-lo e que o senhor vai “levar um pau”.

Tenho o direito de interpretar isso ao modo de Fedelis e Felipes, como ameaça de agressão física? Ou, ao contrário, as palavras chãs da conversação oral do sr. Fedeli devem ser ouvidas com a sensibilidade literária que ele recusa conceder à leitura das minhas figuras de estilo? Sou eu que, quando uso uma metáfora inspirada em Léon Bloy, faço ameaça bruta em vez de figura de linguagem, ou é o sr. Fedeli que, quando vocifera ameaças diante de testemunhas, faz literatura e deve ser interpretado com distanciamento estético?

Pergunta a mim e a meu amigo, (o terceiro aluno já frequentava a associação Montfort) sobre o tempo que freqüentamos o Seminário e como havíamos conhecido o senhor. Depois de saber sobre como o conhecemos, alega, ironicamente, que estamos recebendo doutrina gnóstica disfarçada de combate ao comunismo e dá algumas boas risadas. Ao saber que meu amigo freqüenta o seminário há apenas 2 meses, diz: “que bom! A sua cabeça ele ainda não teve tempo de envenenar”. Menciona, ainda, a existência de um padre a quem o senhor, desorientado, teria pedido conselhos sobre como lidar com a ameaça fedeliana. Tal padre teria “mandado” – e Fedeli, para assinalar a existência de uma organização (tema ao qual retornarei adiante) à qual o senhor se subordinaria, usava ainda a expressão “eles mandaram” – o senhor ignorá-lo.

Aqui o sr. Fedeli entra na área da difamação simples e direta. Não pertenço a organização nenhuma, esotérica ou exotérica, política ou religiosa. Não pedi orientação a padre nenhum, embora saiba quem é o sacerdote ao qual o sr. Fedeli se refere.

Ao chegar à Associação minha primeira e quase que instintiva atitude é a de olhar os trajes das mulheres: estão todas de saia.

1) Fedeli nos leva a uma sala reservada e nos mostra o livro sobre a vida de René Guénon que havia citado de Segunda mão. Mostra fotos de René Guénon, Titus Burckhart e um terceiro, o único cuja obra desconheço, e os chama repetidas vezes de palhaços, pois “se vestem de árabes” sem sê-lo. “Palhaçada”, repete Fedeli enquanto exibe várias fotos do livro.

Essa brutalidade configura nitidamente o crime de ultraje a culto (Art. 208 do Código Penal) e já basta para mostrar quem é esse sr. Fedeli. Talvez, para melhor esclarecimento, convém lembrar que só 8 por cento dos muçulmanos são árabes e que no entanto o uso do traje árabe nos ritos, sem ser estritamente obrigatório, é considerado um dever de polidez a que poucos homens religiosos se furtam voluntariamente. Pela lógica do sr. Fedeli, se eu, num rito judaico, metesse na cabeça um solidéu, parecendo portanto judeu sem sê-lo, me tornaria automaticamente um “palhaço”.
Palhaço, para mim, é aquele que, sem ser Jesus Cristo (resguardada a hipótese de engano da minha parte, é claro), proclama “salvar almas”. Mais que palhaço: charlatão.

2) O.F diz que Guénon era toxicômano, pois os de sua seita usavam regularmente e prescreviam haxixe e ópio. Faz ainda outros ataques a R.G.

Esse sujeito não mede realmente o que diz. Seu comportamento é nitidamente o de um furioso alucinado, cego de ódio e despeito.

3) Fedeli tenta rebater a sua alegação de que teria ele citado o livro em questão sem ler. Diz que “agora o está lendo” e que foi o senhor quem não leu o livro. Como prova desta afirmação, relembra que o senhor houvera dito que a autora da obra não sabia que Martin Lings e Sidi Abu-Bakr eram a mesma pessoa e que atribuíra a M. Lings episódios que haviam se passado com Burckhardt e vice-versa. Exibe-me, então, o índice onomástico do livro. Mostra-me que o nome de Martin Lings é ali citado numa única página e que, portanto, seria impossível existir troca de episódios.

Surpreendo-me vivamente. Respondo ao senhor Fedeli que o índice onomástico só poderia ser tomado como prova do número de vezes em que a pessoa de Martin Lings aparecesse no livro se não tivesse havido a confusão mencionada pelo senhor. (Deveria ser evidente que, se a autora atribuiu a outros os episódios ocorridos a Lings e que se, para ela, Lings e Abu-Bakr eram pessoas diferentes, o índice onomástico não poderia saber mais que a escritora e, por por algum processo miraculoso - apontar, no nome Martin Lings, as páginas referentes a Abu Bakr. Não poderia o índice, também, registrar, no nome Martin Lings as páginas dos episódios que com ele se passaram e que a autora tenha creditado a Burckhardt) O Sr. Fedeli brande o livro em suas mãos, replicando algo como: Você não está vendo? Que episódios trocados que nada! Quem não leu o livro foi ele! Como poderia haver troca de episódios se o Martin Lings só é citado uma vez no livro? Você não está vendo aqui? E conclui (reproduzo com exatidão): “Esse Olavo é um chutador!” Fico boquiaberto.

Ora, meu saco, se Lings foi trocado por outro personagem, é o nome deste que aparece, e não o dele. (V. nesta homepage minha “Nota sobre o livro de Marie-France James). A falta não somente de lógica no próprio raciocínio, mas de simples compreensão da lógica imediata daquilo que ouve, revela o estado em que se encontra esse homem.

4) Surge a questão sobre a gnose e o gnosticismo. Fedeli confirma o que um de seus alunos me havia dito: não há diferença entre eles. Segundo Fedeli, a aparente diferença foi inventada por René Guénon, que havia sido denunciado por sua amiga (Noema?) como membro da renovação hinduísta da antiga gnose, e visava a inocentá-lo. Fedeli recorre, para demonstrar a identidade de gnose e gnosticismo, à origem etmológica dos termos. Para ele, o fato de gnose e gnosticismo serem termos oriundos de um mesmo tronco já demonstra cabalmente que são um único só e mesmo fenômeno. (Percebo, de imediato, a extravagância de um raciocínio que pretende tomar a origem etimológica dos termos como prova evidente da origem e da identidade do conteúdo das doutrinas que eles designam. Sinto-me tentado a dizer que, se assim fosse, poder-se-ia, a partir da premissa da identidade etmológica das palavras “vírus” e “veneno”, concluir que o vírus da AIDS e o arsênico seriam idênticos em sua origem e semelhantes em sua composição. Contenho-me. Minha presença ali se devia ao meu desejo de conhecer, e não à minha vontade de argumentar, e eu já havia – impensadamente – polemizado com o senhor Fedeli minutos antes, conforme descrito no tópico anterior. Não era minha intenção fazer o papel de “Felipe Coelho”, que, segundo pude apurar, decidiu, após ter lido René Guénon, conhecer o Sr. Fedeli para “dar-lhe um cacete” (reproduzo o que me disse um amigo dele) e acabou “convertido”. Acalmei-me pensando que, longe de ocupar, no sistema fedeliano, o lugar de prova central, o estudo etimológico que me fora revelado teria ali um papel secundário, coadunando-se com outros elementos de muito maior valor probante. Devia eu, portanto, ouvi-lo em silêncio.)

5) Fedeli assinala que gnosticismo, gnose e metafísica guénoniana são uma só e mesma coisa. Esta coisa, para O.F, é, também, a sua metafísica que, segundo ele, o senhor define como sendo o “conhecimento da natureza”. Contenho-me novamente.

Bravo Amilcar. Haja paciência para ouvir tanta tolice!

6) Após enunciar a definição de metafísica que ele imputa ao senhor, Fedeli apresenta o que, para ele, em conjunto com tal definição, seria a prova inequívoca do seu gnosticismo: o seu conceito de filosofia. Diz Fedeli que tal conceito jamais existiu e que é uma “invenção sua” e sua apenas, sem qualquer relação, portanto, com a Filosofia propriamente dita. Esta invenção seria, à evidência, gnóstica. Fedeli exemplifica: pretender fazer do homem e do conhecimento uma unidade é o mesmo que dizer que o homem e as coisas conhecidas são, também, uma unidade. E isto porque ambos possuiriam uma “fagulha” do intelecto divino, que deveria ser acessada. Para Fedeli, portanto, toda a sua filosofia, e a sua “interpretação” das filosofias anteriores, seria um esforço para explicar, justificar e promover esta “unidade” gnóstica, entre sujeito, objeto e “Deus”, realizada pela intuição. Para Fedeli, só Deus pode conhecer “o todo” e sua proposta de unidade seria, exatamente a de dar ao homem este conhecimento e, portanto, indentificá-lo com Deus. E seria essa a sua gnose.]

Porca miséria. O sr. Fedeli aí prova sua total inaptidão para ser até mesmo aluno do meu curso. Qualquer aluno que compreendesse dessa maneira minhas explicações sobre teoria do conhecimento seria convidado a retornar ao curso primário.

Peço a palavra. Mentalmente, estou “vendo” a sua entrevista ao embaixador Caius Tragomir. Reproduzo, abaixo, o excerto em que me baseei para dialogar com o Sr. Fedeli:

“(..)Isso ligava-se de perto a uma segunda questão: a inteligência é por natureza sistêmica, unificante, orgânica. Ela repele o inorgânico, o disperso, o fragmentário, que é morto. Logo, ERA PRECISO BUSCAR A UNIDADE DO CONHECIMENTO NA UNIDADE DA CONSCIÊNCIA, E VICE-VERSA. ISTO COLOCAVA ENFIM A QUESTÃO DO CONHECIMENTO COMO SISTEMA ORGÂNICO, OU DA UNIDADE DO CONHECIMENTO. QUANDO DIGO QUE ESSA UNIDADE DEVE SER DE TIPO SISTÊMICO – E NÃO APENAS "SISTEMÁTICO" –, SUBENTENDO QUE NÃO PODE TOMAR A FORMA DE UM SISTEMA DEDUTIVO, COMO NO RACIONALISMO CLÁSSICO, MAS SIM A DE UMA UNIDADE VIVENTE QUE SE IDENTIFICA, EM ÚLTIMA ANÁLISE, COM A UNIDADE DE UM ENTE VIVO E CONSCIENTE: O INDIVÍDUO HUMANO REAL, UNIDADE PSICOFÍSICA E ESPIRITUAL, É O PADRÃO DA UNIDADE DO CONHECIMENTO. O homem, o indivíduo humano, é o portador do conhecimento efetivo. O conhecimento enquanto bem social é apenas conhecimento potencial, é coleção de registros e convenções que, para tornar-se conhecimento efetivo, deve ser efetivado, atualizado na consciência do indivíduo vivente” [3]

À luz desse trecho, que eu verdadeiramente “via” em minha frente, procurei fazer ver ao senhor Fedeli que: (a) a sua (a de O de C) explicação de unidade estava disponível na internet; (b) a sua concepção de unidade era bastante diferente da que ele lhe atribuía: Fedeli empregava “unidade” como sinônimo de “identidade” [4] e atribuía isso ao senhor, que empregava “unidade” em outro sentido (o “estrato lógico do conceito”, ou, na terminologia de Mortimer Adler, os “termos” eram diferentes, muito embora a palavra fosse a mesma). Se, por exemplo, digo – como o senhor faz na entrevista ao embaixador - que o organismo humano é uma unidade, não estou dizendo que o coração e o pulmão são uma só e mesma coisa. E era, neste sentido, como deixa claro o excerto acima (e a aula de maio), que o senhor empregava o vocábulo. Porém, Fedeli se sentia no direito de dizer que a sua unidade significava que o conhecedor e o conhecido eram uma só e mesma coisa (as partículas divinas, que se “uniam”).

Fedeli toma a palavra. (Noto que ele – que, segundo me informaram, conhecia extremamente bem a sua filosofia – desconhecia a objeção por mim levantada). Em resposta, diz-me que tem vários livros que comprovam o que ele antes me afirmara. Diz-me, ainda, que o senhor “inventa essas coisas para nos enganar e que, como eu não entendo nada de filosofia, fica muito fácil me enganar”. Olha nos meus olhos e diz: “Filho, eu não estou mentindo para você. Eu não minto para os meus alunos. Eu não sou o Olavo de Carvalho. Eu prefiro morrer a mentir para um dos meus alunos.” E, prossegue: “Como você pode acreditar num homem que diz que está na direita e que já avisa que pode voltar para a esquerda? (Esta indagação só serve, naquele momento, para me provar que Fedeli desconhece o seu conceito de direita e esquerda, disponível, aliás, no Imbecil Coletivo II. Para O.F, quando o senhor diz que pode voltar a apoiara esquerda, está dizendo que pode voltar a apoiar o marxismo). Simplesmente não consigo responder a tão grosseira confusão.

Como é que esse idiota não entende que, por exemplo, diante da ameaça de uma ditadura de extrema-direita, seria moralmente obrigatório, mesmo a contragosto, apoiar a esquerda, caso esta reforçasse o lado democrático? Fazer do anti-esquerdismo um princípio metafísico absoluto e imutável em vez de uma simples atitude prudencial e contintente é mais que fanatismo: é doença. E dizer que há uns fulanos que me consideram um extremista de direita! Nunca viram um, na verdade.

9) Fedeli expõe novas “provas” do seu gnosticismo. Alega que o senhor diz que o homem conhece e que a pedra conhece porque ambos possuem “centelhas divinas” que se “encontram” no ato de conhecimento.

“Centelha divina”, para encurtar a história, é a vovòzinha. O entendimento que esse sujeito tem (ou finge ter) da minha filosofia é puro delírio projetivo.

Peço a palavra. Digo ao senhor Fedeli que ele esquece-se que, na sua (a de O de C) terminologia, conhecer é simplesmente receber informação e ser conhecido é transmitir informação e que existe, além disso, o inteligir, que é apreender a verdade. A pedra “conhece”, mas só o homem intelige. Assim, não poderia ele realizar aquela equiparação, com vistas a dizer que a pedra, no ato de conhecimento, “inteligiria” a fagulha divina do homem, e vice-versa. Cito o já famoso exemplo da pedra, que recebe informações sobre a lei da gravidade, mas não trasmite informações para si própria (o que, aliás, na sua terminologia, chama-se consciência). Descabida, portanto, a alegação do senhor Fedeli, que supõe presentes, no homem e na pedra, capacidades idênticas (pois idênticas as fagulhas divinas) de conhecimento, inteligência e consciência, necessárias à, por assim dizer, “unificação” no sentido fedeliano.

Fedeli toma a palavra e diz que conhecer e inteligir são uma só e mesma coisa (noto, pela sua entonação, que ele até então desconhecia ou não havia meditado sobre distinções terminológicas supramencionadas) e que essas distinções o senhor as inventara para nos enganar e, como eu não entendia nada de filosofia, ficava muito fácil me enganar.

Paciência tem limites. Minha gnoseologia, então, não é minha gnoseologia. É um disfarce que inventei para não confessar que sou gnóstico! Valha-me Deus!

Uma das testemunhas, (que até então estavam em absoluto silêncio), vem em socorro de Fedeli e diz que a pedra não “conhece” a lei da gravidade, mas sim a “padece”. Fedeli concorda. (Percebo, de imediato, o equívoco, exatamente oposto ao anterior. Se, antes, à palavra unidade era dado um significado diferente do que ela possui no seu conceito de filosofia, agora, em relação à palavra “conhecer”, fazia-se o contrário: trazia-se à colação uma outra palavra (padecer) cujo significado (estrato lógico), naquele contexto, era idêntico ao do vocábulo utilizado pelo senhor (conhecer). E com isso – com um sinônimo - se pretendia provar um “equívoco” seu.) Não verbalizo o raciocínio entre parênteses, por receio de magoar a testemunha que se manifestara. Limito-me a coçar a cabeça.

O entendimento que essa gente tem das minhas explicações é fantástico. Não é realmente possível que alguém com mais de 12 de QI confunda a ação da gravidade, que a pedra padece de fora, com a informação mineralógica que está na própria pedra e da qual, portanto, a pedra é registro e portadora. Nem é possível que, lendo meus textos de gnoseologia, alguém confunda o sentido ativo do conhecer humano com o sentido passivo em que as pedras e plantas são registros de conhecimentos potenciais. Muito menos possível é que, após fazer essa confusão, o cretino a atribua... a mim!

Uma vez que eu houvera dito que, na sua terminologia, inteligir era apreender a verdade, Fedeli, em tom desafiador, pergunta “E o que é a Verdade?”. (Tal frase fora dita no calor da discussão, e nem Fedeli nem eu reparamos na semelhança, que só agora percebo, com a passagem bíblica.)

Respondo: verdade é o fundamento cognitivo universal e permanente de validade dos juízos.

Fedeli assusta-se e, reagindo como se tivesse ouvido uma frase em grego, exclama e interroga: “Hein?!”

Repito lentamente a frase, e fica evidente aos presentes que Fedeli nunca antes ouvira a sua definição de verdade. Aqui já não se pode dizer que Fedeli tenha lido, mas não tenha meditado. Não. Por sua reação, ele jamais antes tivera conhecimento daquela definição.

De chofre, Fedeli nega a veracidade do seu conceito, dizendo que trata-se de uma invenção sua, com a função de nos enganar e que, como eu não entendia nada de filosofia, ficava muito fácil me enganar. Fedeli sustenta que a verdade é a adequação do juízo ao objeto, e diz que sempre foi assim. Respondo-lhe que isso, na sua terminologia, chama-se “veridicidade”, mas sou ignorado.

Está aí: o “conhecedor profundo” da minha filosofia ignora por completo os conceitos lógicos de verdade e veridicidade, que são pontos de partida do meu pensamento. E ainda diz que são “invenções minhas”, como se um filósofo ser autor de sua própria filosofia fosse um demérito!

10) Fedeli muda o rumo da conversa para a questão do maometismo [5] . Pergunta-me se já li o Alcorão e respondo-lhe que não. Informo-lhe que li apenas a tradução, que é considerada um “livro de doutrina”;

Fedeli, surpreso, indaga: “Ué, que história é essa? E a tradução do Alcorão não é o Alcorão”? E responde por mim: “Ah! Já sei! É por causa daquela história do gato! Ele ainda anda contando aquela história de que o Alcorão paralisa gato? E vocês acreditam nessa bobagem?!”

Respondo ao senhor Fedeli que não fiz aquela observação tendo em vista a história do gato (que de fato não me ocorrera), mas sim tendo em vista os ensinamentos que eu havia colhido de sites de teologia islâmicos, que chamavam eles mesmos as traduções de “livros de doutrina” e apenas o original de Alcorão. Acrescento, ainda, que o Alcorão mesmo traz em seu corpo o desafio aos incrédulos: desafia-os a escreverem, se puderem, um livro semelhante.

Fedeli surpreende-se novamente. Afirma que no Alcorão não há o desafio a que me referi.

Pergunta-me sobre a tradução que eu lera. Respondo-lhe que ela não possui editora, pois a retirei de um website [6] . Fedeli me diz que possui inúmeras traduções do Alcorão e que em nenhuma delas há aquele desafio.

Charlatãozinho barato. Você, Orlando Fedeli, não leu NUNCA tradução nenhuma do Corão. Se tivesse lido encontraria esse arquiconhecido desafio já na Sura II:23 e repetido em X:38 e XI:13.
Com essa, já são três as falsas remissões que você faz a livros que não leu. Não basta isso para que a gente perceba com quem está lidando?

Finalizo a controvérsia, dizendo ao senhor Fedeli que aceitava a impugnação que ele fazia da minha tradução e que, sendo falsa a base em que me apoiei, eu me limitaria a ouvi-lo e a pedir que ele me indicasse algumas traduções confiáveis. Fedeli me diz que há várias traduções boas e que depois me recomendará algumas. Eis os argumentos de Fedeli contra o “maometismo”:

— Maomé era um pobre analfabeto e casou-se com sua Segunda mulher para aplicar-lhe o “golpe do baú”.

— a Segunda mulher de Maomé era pessoa pouco confiável e dona de caravana, o que lhe possibitava travar frequentes contatos com estrangeiros;

Quanta erudição! Rica e dona de caravana era a primeira esposa de Maomé, não a segunda.

— esses estrangeiros, judeus, é que teriam ditado a Maomé o Alcorão

Esses judeus deviam ser doidos, para ditar a Maomé um livro que os acusava de haver falsificado a Torah.

— Maomé inclusive frequentava a casa desses judeus, que o obrigavam, à noite, a decorar o Alcorão;

De que subliteratura ele tirou essas histórias da carochinha? São fofocas de hospício, meu Deus! Nenhum islamólogo ocidental com um mínimo de respeitabilidade acadêmica jamais deu atenção a esse gênero de tolices. Leiam Arberry, Dermenghem, Eliade, Corbin, Massignon e tutti quanti – não verão nada disso.

— As provas da influência judaica seriam (1) os excertos em que Maomé jura pela oliveira e pela figueira, árvores só existentes em terras dos judeus

Esse raciocínio prova o contrário do que pretende. O próprio Maomé dizia que o livro não fora escrito por ele, e sim ditado pelo Arcanjo Gabriel. Aliás é o que diz o próprio Corão. Por que, então, o livro deveria falar só de coisas vistas por Maomé?
O raciocínio do sr. Fedeli é um grosseiro non sequitur: o livro não é revelado: logo, foi escrito pelo próprio Maomé e só pode falar de coisas que Maomé conhecia; mas fala de coisas que Maomé desconhecia; logo, o livro não é revelado. Que papagaiada!

— (2) o Alcorão menciona. Deus é um e, portanto, só pode haver uma religião verdadeira;

Vil exploração de uma aparência de significado. O Corão afirma, sim, a unidade da religião verdadeira, mas inclui nela explicitamente os judeus e os cristãos, o que significa que “religião” nesse contexto, tem um sentido mais amplo, correspondente à palavra árabe din, que o sr. Fedeli desconhece.

— Outra prova de que não há qualquer influência divina no Alcorão seria o seu critério de edição. Na ausência de coerência interna, só restou aos editores o critério do “tamanho” das suratas. Em função daquele é que foi estabelecida a sequência destas. Para Fedeli, isso é algo ignomioso, afrontoso à inteligência e de um ridículo sem par. Isso o leva a indagar: “Como pode alguém acreditar num livro cujos capítulos foram dispostos em função da sua extensão?”

A ordem dos livros da Bíblia é um arranjo posterior, totalmente ignorado pelos autores inspirados no momento em que os escreviam. Isso acaso depõe contra a Bíblia? Ou o sr Fedeli, porque conhece essa ordem, compreende melhor o livro sagrado do que os autores humanos que não a conheciam? Basta esta observação para notar que a objeção inventada por ele contra o Corão é pura malevolência delirante.
O Corão, nas edições comentadas dos teólogos, é disposto em ordem segundo o arranjo teológico dos temas, mas não se viu (nem há) razão para que essa ordem estatuída ex post facto devesse predominar nas edições simples.

Tendo eu dito que não discutiria a matéria em função de haverem sido impugnadas as minhas fontes, limitei-me a, em função desta última crítica de Fedeli, formular-lhe duas perguntas, sendo a segunda de ordem metodológica. Primeira: perquiri sobre o destino dos hindus, muçulmanos e todos quantos, mesmo involuntariamente, não haviam recebido os influxos do cristianismo. Fedeli foi taxativo: “Se continuarem assim, irão todos para o inferno” (cito literalmente). Alguns segundos de silêncio são feitos; todos querem explicações. Fedeli mantém-se quieto e firme. Passo à Segunda questão: Indago-lhe se, aquele mesmo esforço que ele fizera para demonstrar a incoerência interna e a falsidade do Alcorão, ele havia também feito em relação ao cristianismo e a Igreja Católica, a fim de verificar que resultados obteria [7] . E se, o mesmo esforço que fizera para coerenciar os ensinamentos da Igreja, as passagens bíblicas e todo o depósito de conhecimentos cristãos, ele dispensara também à tradição islâmica.

Fedeli entra em estado de superexcitação. Olha para uma das testemunhas e exclama: “Eles querem me pegar em contradição! Ha! Ha! Ha!”. Olha para a outra e, vibrando, fala: “Eles acham que vão me pegar em contradição!”. E ri de novo. “Pois não vão não!” [8] .

O homem, de fato, não está bom.

Fedeli “responde-me” que “antes de converter-se, estudou muito a religião católica, e que não há livro mais perfeito e harmônico que a Bíblia. (Desnecessário dizer que minha pergunta não fora a esse respeito).

11) Provavelmente descontente com o fato de eu não haver mudado de opinião a respeito do Seminário e do senhor, Fedeli tenta recorrer a provas mais “acessíveis”. Pergunta-me: “Mas escute aqui, você não percebeu ainda que está numa organização maçônica, em que alguns são eleitos para receber os ensinamentos esotéricos? Você não notou que o pessoal do Rio recebe um tratamento diferenciado? O Pedro Sette Câmara, por exemplo, sabe de um monte de coisas que você não está sabendo.” (o tom da frase deixa subentendido que Fedeli também dispunha das informações de Pedro Sette e que elas confirmariam a tese fedeliana).

Que coisa espantosa! Os alunos que freqüentam meu curso há mais tempo sabem mais do que aqueles que chegaram depois! Tal é a prova de que se trata, inequivocamente, de uma organização maçônica! C. Q. D.

Respondo ao senhor Fedeli que: sinceramente eu nunca havia reparado em nada daquilo e que, ao contrário, eu sabia que o senhor havia recomendado a uma pessoa que se afastasse da maçonaria [9] .

Fedeli replica informando-me que o senhor pertence à maçonaria do Grande Oriente.

Mentira pura e simples. Não pertenço a Maçonaria nenhuma, do Oriente ou do Ocidente, do Norte, do Sul ou de Catolé do Rocha. Não pertenço a nenhuma sociedade, secreta ou pública, com exceção do Sindicato dos Jornalistas e da União Brasileira de Escritores. O sr. Fedeli, aí, revela-se mais que nunca o autêntico charlatão manipulador, que joga com informações falsas sabendo que o interlocutor não tem meios de conferi-las.

Objeto, indagando-lhe se o Padre a que o senhor teria pedido orientação também pertencia à maçonaria do Grande Oriente.

Fedeli informa-me que o Padre é membro da maçonaria ocidental, e que ambas as maçonarias estariam unidas nessa empreitada pois, assim como judeus e romanos uniram-se para crucificar o Cristo, agora também as forças maçônicas do oriente e do ocidente uniram-se movidas pelo interesse comum de impedir a vitória do cristianismo.

Conheço o padre a que ele se refere. É um membro do grupo fundado por Gustavo Corção e, como este, um antimaçom ferrenho (coisa que eu próprio não sou, pois me permito ter as minhas próprias idéias – nefando pecado! – sobre as relações entre Igreja e Maçonaria, as quais idéias expus nos capítulos finais de O Jardim das Aflições). Nada, nada na vida ou nos atos desse sacerdote indica nem de longe qualquer ligação com a Maçonaria. Ao perguntar-me de onde poderia o sr. Fedeli ter tirado idéia tão estapafúrdia, a única hipótese que me ocorreu foi a seguinte: o padre de que ele fala é um judeu convertido, e em geral os teóricos da conspiração maçônica, como o sr. Fedeli, não falam só de conspiração maçônica, e sim judaico-maçônica. Não vejo que outra linha de raciocínio ele pode ter seguido, se é que isso é linha e se é que é raciocínio.

12) (O que relatarei neste tópico e nos dois próximos foi discutido entre a exposição dos argumentos contra o islamismo. Por eu não poder precisar o ponto exato em que os temas foram abordados, e por serem questões relativas apenas à sua filosofia e que em nada se relacionam com o islamismo, tratarei delas em tópicos distintos, registrando, uma vez mais que entre os temas não houve transição harmônica, razão pela qual mantenho o esquema expositivo até aqui adotado.) Fedeli me diz que a dialética [10] é gnóstica, pois teria função de paralisar e inutilizar a razão, para que a intuição entrasse em operação e promovesse o “conhecimento” na acepção gnóstica do termo. Para provar o papel paralisante da dialética, toma uma caneta em suas mãos e me diz algo bem próximo disso: “Olhe aqui. Isso aqui é uma caneta. Ou é ou não é. Não tenho que ficar “dialetizando” nada. Para que ficar no ‘é caneta ou não é caneta’?”

Mas que supremo idiota! Ele nem percebe que está dialetizando! A conclusão inescapável é que ele não tem a menor idéia do que seja dialética, pois não a reconhece nem quando ela sai da sua própria boca.

Essa alternância “dialética” inviabilizaria o conhecimento racional, possibilitando apenas o intuitivo. E, para Fedeli, o intuitivo, ao menos na sua filosofia (não ficou claro a esse respeito o alcance da posição de OF), seria, como já vimos e como veremos no próximo tópico, a unificação das partículas divinas.

A interpretação que o sr. Fedeli faz da dialética bastaria para arruinar – se valesse mais que um arroto de mico – todo o método de Aristóteles e, junto com ele, a estrutura da disputatio escolástica que modela a Suma Teológica de Sto. Tomás. Não creio que devamos nos ocupar dessa hipótese.

Respondo a Fedeli que ele havia, para provar a função paralisante e a inutilidade da dialética, recorrido a um objeto de experiência. Estou “vendo” o seu texto Gilberto Freyre: Ciência Pessoal e Consciência Social:

“Usamos, por exemplo, a palavra “física”, supondo que existe no universo um campo, ou uma faixa, correspondente a objetos que chamamos “físicos”. Mas com um pouco de estudo descobrimos que essa palavra significava uma coisa para Aristóteles, outra para Newton, outra para Planck.” .

Pergunto a Fedeli sobre como resolver o problema sem recorrer à dialética para equacioná-lo. Ele me “responde”: “Evidentemente, só um deles está certo. Os outros estão errados. Só há uma Física” [11] .

Credo in unum Deum transformou-se em Credo in unam Physicam. E o gnóstico sou eu, porca miséria! Nunca esperei viver o bastante para ver uma coisa dessas! Longe de mim a tentação de discutir com o autor dessa doutrina, mas, para informação dos demais, não custa lembrar que o método da física aristotélica é dialético e que a crença em uma física absolutamente unívoca, sem as ambigüidades e imprecisões que Aristóteles (um antecessor do probabilismo) via em tudo quanto é da natureza sensível, é um sonho gnóstico renascentista, do qual tratei em O Jardim das Aflições. Não tive tempo nem sou paranóico o bastante para ficar ciscando indícios de gnosticismo no pensamento vivo de Orlando Fedeli, mas asseguro que esse não é o único.

(Estou “vendo” o resto do texto [12] , mas sou incapaz de citá-lo, por colocar o Sr. Fedeli em situação extremamente constrangedora. Neste momento abateu-se sobre mim a máxima desolação).

13) Fedeli explica ao meu amigo o problema da intuição, da razão, e do conceito. Diz a ele que conceito vem de conceber e que quem concebe é a razão, e não a intuição. Esta consiste em ir em direção a, ao passo que aquela é que, abstraindo, “conceberia”.

E abstrai de onde, caramba, senão dos dados intuídos?

Eis porque faltaria qualquer base ao que o senhor chama de intuicionismo radical, que seria, para OF, apenas mais um elemento gnóstico, resultado do seu menosprezo pela abstração e pela razão, faculdade incapaz de apreender as centelhas divinas, centelhas estas cuja apreensão se daria pela intuição [13] .

Lá vem ele de novo com a centelha divina. O objeto de intuição é a forma presente. Se dentro dela há uma centelha divina ou não, isto é problema do Orlando Fedeli, do qual nunca me ocupei.

14) Fedeli retomou a exposição sobre o Alcorão e no seu curso, não pôde deixar de reparar em meu estado. Pede-me para que fale com ele e, com simpatia, pergunta-me se estou magoado. Arrisca conjecturar que eu estaria magoado pelo fato de ele estar atacando alguém de quem eu gostava muito (o senhor). Nada mais longe do que de fato se passava comigo, e que já descrevi. Balbucio algumas palavras, desolado.

14) Fedeli nos adverte que Jesus, em muitos casos, passava apenas uma vez pela vida das pessoas, e que, portando, devíamos estar muito atentos para que, quando ocorresse essa passagem, não a jogássemos fora e nos condenássemos.

Essa ostensiva negação da misericórdia divina faz do sr. Fedeli um herético de carteirinha. Jesus jamais nos abandona. Ele fica conosco e bate à nossa porta até o último instante. Bate até à porta de um renitente culpado de superbia como o sr. Fedeli. Não temam, portanto: quando o sr. Fedeli voltar as costas a vocês, dizendo “Não vos conheço”, Jesus ainda os conhecerá e amará como sempre amou.

15) Fedeli se diz contrário a que freqüentemos o Seminário: nos explica que sua missão é a de salvar jovens e que, nos últimos vinte anos, salvou muitos rapazes e moças. Por isso, explica, pediu aos seus alunos que ainda frequentavam o Seminário que levassem à presença dele rapazes e moças – alunos apenas do Seminário - verdadeiramente dispostos a conhecer.

Só quem salva é N. S. Jesus Cristo. O sr. Fedeli não pode se salvar nem a si mesmo. Principalmente depois de dizer uma enormidade dessas.

16) Temos de deixar a Montfort, em virtude de o último ônibus para Curitiba estar quase de saída. Rezamos todos uma ave-maria, e Fedeli pede a Nossa Senhora que nos ilumine. Suplica-lhe para que nos faça ver a verdade, seja ela qual for e que, se for ele o mentiroso, não nos deixe a mãe do Cristo retornar à Montfort.

Amilcar Nadu não retornou e, a cada dia que passa, mais se mostra escandalizado com a demencial soberba do “salvador de almas”. O voto do sr. Fedeli a Nossa Senhora está valendo, ou era só para impressionar?

17) Fedeli coloca-se à nossa disposição, inclusive para vir a Curitiba quando desejarmos. Diz que nos dará aulas sempre que quisermos, com a única “condição” de nunca nos cobrar nada.

A generosidade com que o sr. Fedeli oferece gratuitamente seus ensinamentos permite concluir que nem ele nem sua Associação vivem deles – nem de mensalidades quaisquer, que seriam uma forma indireta de pagamento das aulas, fazendo de seu oferecimento um ardil, coisa que nem me passou pela cabeça, evidentemente. Por outro lado, ele não deve ser um homem ocupado com afazeres rentáveis, já que ocupa seus dias caçando heréticos e estudando textos esquecidos de autores desprezíveis, coisa que não lhe é de nenhum proveito material (e, creio eu, nem mesmo espiritual, mas isto não vem ao caso). Sendo assim, e já que ele se dispensa de qualquer averiguação antes de afirmar resolutamente minha filiação a tais ou quais organizações secretas, será que há de se ofender se eu perguntar – apenas perguntar – quem, afinal, sustenta essa brincadeira toda? Ele não é obrigado a me responder, nem eu a acreditar na sua resposta.

18) Ao nos despedirmos, retorno ao assunto do “Maometismo” e peço ao Sr. Fedeli que me recomende as traduções do Alcorão que ele julgava confiáveis, uma vez que a minha havia sido impugnada. Fedeli me responde que há várias traduções. Peço-lhe que me recomende alguma, e ele me diz para “ler qualquer uma, pois aquilo é tudo lixo do mesmo jeito”.

Lixo são as remissões fingidas a livros nem lidos nem consultados. Lixo é espalhar informações falsas prevalecendo-se da impossibilidade em que o interlocutor está de verificá-las. Lixo é usar um voto a Nossa Senhora como blefe para impressionar a platéia. Lixo é, em toda a linha, o exemplo que Orlando Fedeli dá a seus alunos.

19) Fedeli nos leva a uma estação do metrô, e retornamos a Curitiba.



Notas



[1] O oferecimento de hospedagem não foi, de forma alguma, um ato de mera gentileza. Posso dizê-lo com certeza porque quando frequentei o extinto Seminário Literário, Bruno Tolentino incomodado com o fato de eu ter de dormir em hotéis, indagou de modo indireto mas bastante claro ao hoje aluno de Orlando Fedeli, se poderia ele me hospedar, tendo obtido em resposta uma negativa que veio em forma de mudança de assunto. Quando a mesma pessoa, que nunca antes havia me ligado, telefonou-me oferecendo-se para hospedar-me, tive assim redobrados os já significativos indícios de que havia o meu amigo recebido a orientação superior de tentar “salvar-me”, orientação esta que, como veremos, o senhor Fedeli explicitará ao final da nossa conversa.

[2] A demonstração das aplicações da TQD em campos como o da Psicologia e de seu valor como armadura espiritual foram já fornecidas oralmente a Luciane Amato, e por ela aprovadas.

[3] Note, por favor, que não havíamos tido, ainda, a aula do mês de maio, em que o senhor explicou – inclusive com certas atualizações em relação à terminologia usada na entrevista ao embaixador – as diversas acepções

[4] E mesmo o termo identidade seria aqui equívoco. Fritof Schuon, por exemplo, diferencia a “identidade substacial” da “identidade essencial” (Da Unidade Transcendente das Religiões). Esta observação me ocorrera concomitantemente à que estava verbalizando ao senhor Fedeli, mas por absoluta incompetência minha, não a formulei. Cumpre-me, aliás, registrar, que me foi tremendamente difícil expor o que expus ao senhor Fedeli, em primeiro lugar, por incompetência e, em segundo, porque, como registrei e como veremos, o senhor Fedeli, ao ser contraditado, recorria a expedientes pouco dignos de um professor, e menos dignos ainda de um “salvador de almas”, como ele se denomina. Como forma de atenuar a minha culpa por tão imperfeita e precária exposição, expliquei ao meu companheiro de viagem – que mal pôde dormir - umas dez vezes e com cem vezes mais detalhes – cada objeção do Sr. Fedeli.

[5] Em função dos inúmeros e surpreendentes mal entendidos acima descritos, eu tentava, naquele momento, compreender as origens daquela situação para que pudesse encontrar um ponto arquimédico a partir do qual fosse possível e uma forma diplomática que tornasse viável explicar ao senhor Fedeli algo da sua filosofia, em tom não professoral ou polemista. Acostumado, como todos os alunos do seminário, à má-fé dos comunistas - advogados à altura da causa que defendem – surpreendeu-me, embaraçou-me e deprimiu-me, (como reparou o próprio Sr. Fedeli e como veremos adiante) o fato de encontrar um defensor do cristianismo como o diretor da Associação Montfort. Minha intenção, àquela altura da conversa, já não era mais a de ouvi-lo; era a de tentar encontrar um modo de fazê-lo ao menos considerar a posição verdadeiramente preconceituosa que ele assumira. A mudança de assunto exigiu de mim e talvez de todos um tremendo esforço de concentração. No que me concerne, confesso que fui incapaz de dirigir toda a minha atenção ao novo tema. Preocupava-me muito a concepção errada que aquele defensor do cristianismo tinha da sua filosofia.

[6] Naquele momento não me lembrei do endereço do site: http://www.supervirtual.com.br

[7] A pergunta trazia explícita a regra de Fritojf Schuon, que apontou, por exemplo, na Bíblia, a intervenção do Espírito Santo, proibindo a pregação dos Apóstolos em área na qual posteriormente vingaria o islamismo. Minhas preocupações, porém, eram de outro nível, bem mais baixo e imediato: o que especificamente me movia a fazer aquela pergunta era o fato de um cristão não perceber os flancos que abre ao, extra muros, apontar como prova de falsidade de outra tradição o critério de edição de seu livro. Que aconteceria aos cristãos do site se o incauto Sr. Fedeli se abrisse um tópico no Fórum Sapientia e, sob o olhar do Sr. Caio Rossi e outros tantos, lá formulasse as críticas supradescritas ao Alcorão? Imediatamente choveriam textos, histórias sob a seleção e edição de Evangelhos etc. Todos os que frequentaram aquele fórum são, aliás, testemunhas do assanhamento que as discussões sobre as “tradições” provocam nesse tipo de gente, que tenta realizar o desejo que o Sr. Otávio Frias sintetizou de modo exemplar: que as religiões se anulem umas às outras. Eu já havia advertido os alunos do Sr. Fedeli, desde o segundo mês da polêmica, a não atirar pedra em telhado alheio sem antes verificar o estado do seu o próprio. Aconselhei a todos que seguissem as regras de Schuon e as suas. Exemplifiquei minhas assertivas e deixei claras as minhas preocupações. Especialmente porque o seu artigo publicado em O Globo sobre o tema ainda não havia sido escrito, coube-me alertá-los das possíveis consequências dos ataques que porventura viessem a fazer às outras tradições.

[8] O fato de o Sr. Fedeli achar que eu formulara a pergunta maliciosamente, quando o fiz movido pelas preocupações acima externadas, só aumentou o meu abatimento. Eu, que já me encontrava afundado na cadeira, desabei de uma vez. Incapaz de encontrar uma solução, passei a olhar para o vazio. Era esse o quadro que eu via: fala-se mal de Karl Marx e aparecem, de todos os lados, críticos. Fala-se de um assunto importantíssimo, espinhoso e novo aos olhos do público, como o da unidade das religiões (Lembrete de Natal) e ninguém dá a mínima, o que assinala o total descaso pelos temas religiosos. Num cenário desses, qualquer manifestação de alguém que pretenda “defender” o cristianismo é, a princípio, auspiciosa, por assinalar que ao menos existe preocupação com o assunto, por pouco culto que seja o defensor. Porém, o auspício transformou-se em suplício, em função do que relatei. Eu mal conseguia me sustentar, e o clima era o de um velório; nada mais distante de um ambiente polêmico e mesmo jocoso, que provavelmente teria lugar se a discussão fosse com um irredutível petista a respeito de Cuba.

[9] Ocorria-me naquele momento o caso da Professora Luciane Amato.

[10] Não me foi possível, embora eu tenha tentado, apurar o que o senhor Fedeli entende por dialética. Ele, no início desta discussão, me perguntou em tom desafiador o que eu entendia por dialética e, quando iniciei a resposta, explicando-lhe que a dialética, tal como o senhor a empregava, era a ... Fedeli interrompeu-me, sentenciando que só existia uma dialética, e passou a exemplificar os seus efeitos com a caneta. Assim, achei lícito presumir que, para o Sr. Fedeli, a dialética, a “única que existe” é sempre gnóstica. Empreendi uma pesquisa no site da Associação Montfort, de onde retirei esse excerto bastante esclarecedor:
“A DIVINDADE DIALÉTICA
A metafísica católica se fundamenta na verdade de que o ser é o que é.
Tal é o princípio de identidade. Todo ser é idêntico a si mesmo. Disso decorre o principio da não contradição: uma coisa não pode ser ela mesma e outra, ao mesmo tempo, sob o mesmo aspecto.
E isto é assim porque o próprio Criador de todas as coisas é idêntico a Si mesmo. Essa realidade é confirmada pela Revelação e pela Teologia. "Eu sou aquele que é", disse Deus, o Ser absoluto, a Moisés no Sinai.
Contrariamente, a dialética - no sentido metafísico do termo - nega a identidade do ser, o que é uma característica da gnose.
A visão dialética do ser sustenta que este possui, em si mesmo, dois princípios absolutamente iguais e contrários, em constante oposição. Imanente a todo ser haveria um constante antagonismo de dois princípios ou forças opostas que, sendo iguais, se anulariam, causando uma instabilidade tal que nada seria jamais idêntico a si mesmo.
Os que admitem a dialética afirmam que de tal modo as coisas estão constantemente mudando que, na realidade, sequer se poderia dizer que existe a coisa que muda, mas apenas a mudança, o devir. Portanto, não haveria ser.
Foi o que ensinou, por exemplo, Heráclito.”
(www.montfort.org.br/veritas/mestre.html)
Também Guimarães Rosa é apontado por Fedeli como gnóstico, e sua dialética apontada como prova do gnosticismo. E, em seu texto sobre o romantismo alemão, Fedeli dirá que aquele do movimento tem formulações de natureza paradoxal ou, “mais precisamente, dialética”.

[11] Em função do texto que reproduzi na nota anterior, pude compreender posteriormente o que Fedeli pretendia dizer com o seu “só há uma Física”. Quando citei a ele a multiplicidade de significados do termo, Fedeli inexplicavelmente achou que aquilo seria o mesmo que defender múltiplas mudanças, paradoxais e contraditórias, na realidade a que o vocábulo se referia. Isso, aliás, atesta mais uma vez um completo desconhecimento da sua filosofia. A leitura do próprio texto sobre Gilberto Freyre deixaria bem clara ao Sr. Fedeli a improcedência de sua suposição. E, o texto “Os três estratos do conceito” colocaria por terra qualquer dúvida remanescente, ao esclarecer e delimitar inequivocamente o as relações entre uma palavra, seus diversos alcances, a intenção de quem a usa e a realidade mesma. Registre-se, porém, que a minha exposição não deixou margem a dúvidas. Registre-se ainda que, do fato de haver uma só realidade, evidentemente não se pode deduzir a inutilidade da dialética, cuja necessidade é atestada pelo exemplo acima citado e pelo trecho abaixo transcrito. Fedeli deduzia ainda do fato de haver uma só Física outro fato: o de que apenas um dos cientistas estaria correto. Não poderiam todos estar errados e nem parcialmente certos. Esta confusão eu a percebi imediatamente, mas, novamente, para não embaraçar terrivelmente o Sr. Fedeli, só vim a comentá-la na viagem de volta, com a outra testemunha que subscreve este relato.

[12] “Aí não temos alternativa senão perguntar se essas três significações dadas à palavra designam três aspectos percebidos sucessivamente no mesmo objeto ou três objetos completamente diferentes. No primeiro caso, contraímos a obrigação de descobrir qual a unidade ou substância da qual esses três aspectos são as propriedades ou acidentes. E, quando tivermos a felicidade de descobri-lo, teremos inaugurado uma quarta acepção da palavra física, incumbida de designar o estudo científico do objeto unitário cujos aspectos separados foram estudados sucessivamente por Aristóteles, Newton e Planck. Na segunda hipótese, isto é, se descobrimos que o termo escolhido designou historicamente três objetos diversos e independentes, o problema que isto nos coloca é mais espinhoso ainda: trata-se agora de saber se as distinções entre as três ciências que receberam ao longo do tempo o mesmo nome de “física” correspondem a distinções objetivas, isto é, às fronteiras que separam os entes entre si, ou se refletem apenas três distintas direções possíveis da atenção humana, projetada acidentalmente sobre entes, propriedades e acidentes escolhidos a esmo.”

[13] Na viagem de retorno, expus ao meu amigo o equívoco cometido pelo senhor Fedeli. Expliquei a ele que em “Os três estratos do conceito” estava apontada a origem etimológica do termo. Tanto em latim quanto em alemão, o termo remete à noção de “pegar, agarrar” várias coisas ao mesmo tempo. Ora, “pegar, agarrar”, requer evidentemente que se “vá em direção” do objeto. Longe, portanto, de excluir, o conceito exigia a faculdade intuitiva. Ao senhor Fedeli nada foi dito, pois já havia ficado claro que seria inútil argumentar com quem não estava disposto a me ouvir, e que havia havia se dispensado de examinar o texto em tela..
Assinalei ainda a falsa sensação – falsidade registrada em seus textos - que temos de poder opor um conhecimento “racional” à “intuição”. A análise etimológica e todas as suas considerações, disse-lhe, deveriam servir para que, nós próprios observássemos o nosso modo de conhecer. Esta simples auto-observação bastaria (como me bastou) para atestar a veracidade do intuicionismo.