Muitos me perguntam onde está na Bíblia o Purgatório? Ele é uma
exigência da razão e mesmo da caridade de Deus por nós. A palavra “Purgatório”
não existe na Bíblia, foi criada pela Igreja, mas a realidade, o “conceito
doutrinário” deste estado de purificação existe amplamente na Sagrada Escritura
como vamos ver. A Igreja não tem dúvida desta realidade por isso, desde o
primeiro século reza pelo sufrágio das almas do Purgatório.
1 - São Gregório Magno (†604), Papa e doutor da Igreja, explicava o
Purgatório a partir de uma palavra de Jesus: “No que concerne a certas faltas
leves, deve-se crer que existe antes do juízo um fogo purificador, segundo o
que afirma aquele que é a Verdade, dizendo que se alguém tiver pronunciado uma
blasfêmia contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado nem no presente século
nem no século futuro (Mt 12,31). Desta afirmação podemos deduzir que certas
faltas podem ser perdoadas no século presente, ao passo que outras, no século
futuro” (Dial. 41,3). O pecado contra o Espírito Santo, ou seja a pessoa que
recusa de todas as maneiras os caminhos da salvação, não será perdoado nem
neste mundo, nem no mundo futuro. Mostra o Senhor Jesus, então, neste trecho, implicitamente,
que há pecados que serão perdoados no mundo futuro, após a morte.
2 - O ensinamento sobre o Purgatório tem raízes já na crença dos
próprios judeus do Antigo Testamento; cerca de 200 anos antes de Cristo, quando
ocorreu o episódio de Judas Macabeus. Narra-se aí que alguns soldados judeus
foram encontrados mortos num campo de batalha, tendo debaixo de suas roupas
alguns objetos consagrados aos ídolos, o que era proibido pela Lei de Moisés.
Então Judas Macabeus mandou fazer uma coleta para que fosse oferecido em
Jerusalém um sacrifício pelos pecados desses soldados. “Então encontraram
debaixo da túnica de cada um dos mortos objetos consagrados aos ídolos de
Jâmnia, coisas proibidas pela Lei dos judeus. Ficou assim evidente a todos que
haviam tombado por aquele motivos… puseram-me em oração, implorando que o
pecado cometido encontrasse completo perdão… Depois [Judas] ajuntou, numa
coleta individual, cerca de duas mil dracmas de prata, que enviou a Jerusalém
para que se oferecesse um sacrifício propiciatório. Com ação tão bela e nobre
ele tinha em consideração a ressurreição, porque, se não cresse na ressurreição
dos mortos, teria sido coisa supérflua e vã orar pelos defuntos. Além disso,
considerava a magnífica recompensa que está reservada àqueles que adormecem com
sentimentos de piedade. Santo e pio pensamento! Por isso, mandou oferecer o
sacrifício expiatório, para que os mortos fossem absolvidos do pecado” (2Mc
12,39-45).
O autor sagrado, inspirado pelo Espírito Santo, louva a ação de Judas:
“Se ele não esperasse que os mortos que haviam sucumbido iriam ressuscitar,
seria supérfluo e tolo rezar pelos mortos. Mas, se considerasse que uma
belíssima recompensa está reservada para os que adormeceram piedosamente, então
era santo e piedoso o seu modo de pensar. Eis porque ele mandou oferecer esse
sacrifício expiatório pelos que haviam morrido, afim de que fossem absolvidos
do seu pecado”. (2 Mac 12,44s) .Neste caso, vemos pessoas que morreram na
amizade de Deus, mas com uma incoerência, que não foi a negação da fé, já que
estavam combatendo no exército do povo de Deus contra os inimigos da fé.
Cometeram uma falta que não foi mortal.
Fica claro no texto de Macabeus que os judeus oravam pelos seus mortos
e por eles ofereciam sacrifícios, e que os sacerdotes hebreus já naquele tempo
aceitavam e ofereciam sacrifícios em expiação dos pecados dos falecidos e que
esta prática estava apoiada sobre a crença na ressurreição dos mortos. E como o
livro dos Macabeus pertence ao cânon dos livros inspirados, aqui também está
uma base bíblica para a crença no Purgatório e para a oração em favor dos
mortos.
3 - Com base nos ensinamentos de São Paulo, a Igreja entendeu também a
realidade do Purgatório. Em 1Cor 3,10, ele fala de pessoas que construíram
sobre o fundamento que é Jesus Cristo, utilizando uns, material precioso,
resistente ao fogo (ouro, prata, pedras preciosas) e, outros, materiais que não
resistem ao fogo (palha, madeira). São todos fiéis a Cristo, mas uns com muito
zelo e fervor, e outros com tibieza e relutância. E S. Paulo apresenta o juízo
de Deus sob a imagem do fogo a provar as obras de cada um. Se a obra resistir,
o seu autor “receberá uma recompensa”; mas, se não resistir, o seu autor
“sofrerá detrimento”, isto é, uma pena; que não será a condenação; pois o texto
diz explicitamente que o trabalhador “se salvará, mas como que através do
fogo”, isto é, com sofrimentos.
4 - Na passagem de Mc 3,29, também há uma imagem nítida do
Purgatório:”Mas, se o tal administrador imaginar consigo: ‘Meu senhor tardará a
vir’. E começar a espancar os servos e as servas, a comer, a beber e a
embriagar-se, o senhor daquele servo virá no dia em que não o esperar (…) e o
mandará ao destino dos infiéis. O servo que, apesar de conhecer a vontade de
seu senhor, nada preparou e lhe desobedeceu será açoitado com numerosos golpes.
Mas aquele que, ignorando a vontade de seu senhor, fizer coisas repreensíveis
será açoitado com poucos golpes.” (Lc 12,45-48). É uma referência clara ao que
a Igreja chama de Purgatório. Após a morte, portanto, há um “estado” onde os
“pouco fiéis” haverão de ser purificados.
5 - Outra passagem bíblica que dá margem a pensar no Purgatório é a de
(Lc 12,58-59): “Ora, quando fores com o teu adversário ao magistrado, faze o
possível para entrar em acordo com ele pelo caminho, a fim de que ele não te
arraste ao juiz, e o juiz te entregue ao executor, e o executor te ponha na
prisão. Digo-te: não sairás dali, até pagares o último centavo.”
O Senhor Jesus ensina que devemos sempre entrar “em acordo” com o próximo,
pois caso contrário, ao fim da vida seremos entregues ao juiz (Deus), nos
colocará na “prisão” (Purgatório); dali não sairemos até termos pago à justiça
divina toda nossa dívida, “até o último centavo”. Mas um dia haveremos de sair.
A condenação neste caso não é eterna. A mesma parábola está´ em Mt 5, 22-26:
“Assume logo uma atitude reconciliadora com o teu adversário, enquanto estás a
caminho, para não acontecer que o adversário te entregue ao juiz e o juiz ao
oficial de justiça e, assim, sejas lançado na prisão. Em verdade te digo: dali
não sairás, enquanto não pagares o último centavo” . A chave deste ensinamento
se encontra na conclusão deste discurso de Jesus: “serás lançado na prisão”, e
dali não se sai “enquanto não pagar o último centavo”.
6 - A Passagem de São Pedro 1Pe 3,18-19; 4,6, indica-nos também a
realidade do Purgatório:”Pois também Cristo morreu uma vez pelos nossos pecados
(…) padeceu a morte em sua carne, mas foi vivificado quanto ao espírito. É
neste mesmo espírito que ele foi pregar aos espíritos que eram detidos na
prisão, aqueles que outrora, nos dias de Noé, tinham sido rebeldes (…).” Nesta
“prisão” ou “limbo” dos antepassados, onde os espíritos dos antigos estavam
presos, e onde Jesus Cristo foi pregar durante o Sábado Santo, a Igreja viu uma
figura do Purgatório. O texto indica que Cristo foi pregar “àqueles que
outrora, nos dias de Noé, tinham sido rebeldes”. Temos, portanto, um “estado”
onde as almas dos antepassados aguardavam a salvação. Não é um lugar de
tormento eterno, mas também não é um lugar de alegria eterna na presença de
Deus, não é o céu. È um “lugar” onde os espíritos aguardavam a salvação e
purificação comunicada pelo próprio Cristo.
Prof. Felipe Aquino