sábado, 12 de setembro de 2015

Verdade ou mentira? Se a Igreja condenou Tomás de Aquino, isto não seria negligenciar o dogma da infabilidade papal?


Uma suposta condenação de São Tomás em 1277
Paris
     O avanço do averroismo: Enquanto na Itália a devoção popular se apossara de Tomás, em Paris a agitação doutrinal que opunha os conservadores neo-agostinistas da faculdade de teologia aos aristotélicos radicais da faculdade das artes não cessara desde sua partida, em 1272, e mesmo se acentuara. Alguns meses após a partida de Tomás, Boaventura, de retomo a Paris, pronuncia, durante a época da Páscoa de 1273, uma série de conferências, as Collationes in Hexaemeron, nas quais reage enfaticamente ao aristotelismo. Também o opúsculo De erroribus philosophorum (de Egídio de Roma?) consiste num eloqüente testemunho da inquietude suscitada pelas teses do aristotelismo árabe e judeu. Egídio de Lessines, por sua vez, submete a Alberto Magno uma lista de 15 proposições, "que os mestres mais reputados em filosofia ensinam nas escolas de Paris". O fato de que as 13 primeiras sejam mera retomada dos erros condenados em 10 de dezembro de 1270, e de que voltarão a constar da condenação de 1277, revela a persistência dessas posições radicais. Alberto responderá a essa consulta por seu De quindecim problematicus, mas é preciso dizer que o velho mestre de Colônia não é suficientemente convincente.
A imprudência de Estevão Tempier: Quando as ressonâncias dessa fermentação alcançaram Viterbo, inquietaram o antigo mestre de Paris, Pedro de Espanha - então recentemente eleito papa com o nome de João XXI -, que escreve ao bispo de Paris, Estêvão Tempier, em 18 de janeiro de 1277, prescrevendo-lhe inquirir sobre pessoas e meios que propagavam erros prejudiciais à fé e relatar-lhe o quanto antes. A resposta do bispo ao papa não chegou até nós, mas sabemos que ele reuniu uma comissão de dezesseis teólogos, que imediatamente se puseram ao trabalho para expurgar a literatura suspeita proveniente da faculdade de artes. Essa "investigação apressada e incoerente" conseguiu, em menos de um mês, enviar ao bispo uma lista de 219 proposições julgadas heterodoxas, e ele, indo além da missão de informação que lhe confiara o papa, efetuou sua condenação, em 7 de março de 1277. O papa não parece ter se aborrecido com essa medida, pois, algumas semanas depois, em 28 de abril, solicitava a Tempier que prosseguisse na depuração iniciada tam in artibus quam in theologica... facultate.
Condenação: Essa condenação, que englobava indistintamente teses heréticas e opiniões teológicas perfeitamente legítimas, foi julgada com severidade desde sua promulgação. No século XX é objeto de apreciações e interpretações diversas: de Pierre Duhem a Edward Grant, de Mandonnet ou Chenu a Jacques Le Goff, ou de Kurt Flasch a Luca Bianchi ou Alain de Libera, os historiadores voltam a examiná-la constantemente, para avaliar seu alcance e conseqüências – não sem cometer, por vezes, algum anacronismo. Sem nos envolver num debate que nos afastaria demais de nosso propósito, é certo que, se essa intervenção autoritária interrompeu por algum tempo, em Paris, o aristotelismo radical, igualmente exerceu considerável papel de freio quanto à evolução de um pensamento independente. Um espírito tão livre como Godofredo de Fontana admitia não poder se pronunciar sobre o modo de presença dos anjos em certo lugar por temer a excomunhão. Será preciso esperar 1325 - ou seja, cerca de cinqüenta anos, dois após a canonização de Santo Tomás - para que um dos sucessores de Tempier anule nessa sentença o que podia atingir teses tomistas. Mas entrementes muitos outros acontecimentos se passaram, e isso logo depois de 7 de março.
As teses de Tomás: Os trabalhos mais recentes modificaram sensivelmente a abordagem desse período. Desde o início e até há pouco tempo admitia-se, com efeito, que Tomás estava incluído na condenação dos 219 artigos. Duas de suas teses, em especial teriam sido visadas: a da unicidade da forma substancial no homem (Quod in homine est tantum a forma substantialis, scilicet anima intellectiva) e a da impossibilidade para Deus de criar matéria sem forma correspondente (Deum n posse facere materiam sine forma).
Ora, curiosamente, essas duas proposições não se encontram na lista de 219 artigos condenados por Tempier. O fato é tanto mais surpreendente que, a crer em Peckham, Tomás opunha-se diretamente ao bispo quanto a esse ponto preciso da forma única. Portanto, é forçoso concluir, com Rolando Hissette, que, se essa condenação de 7março - dirigida essencialmente às teses oriundas da faculdade das artes (como o diz claramente a introdução) - efetivamente atingia algumas das posições de Tomás, não era ele diretamente visado.
Que ele tenha sido implicado é igualmente certo, pois sabia-se muito bem que Tomás era lido na faculdade das artes. Qual seria, pois a razão desse silêncio, já que se tratava de um fato notório, bem no cerne da controvérsia?... Acreditou-se ter encontrado uma resposta plausível com a alegação o respeito que já se tinha em Paris pela memória de Tomás de Aquino, o que teria imposto ao bispo relativa moderação. Na verdade, é preciso buscar outra explicação, pois a seqüência dos acontecimentos revela claramente que Estêvão Tempier não hesitou em atacar diretamente Tomás.
Logo depois de 7 de março (e antes de 28 de março do mesmo ano de 1277), Egídio de Roma, que, sem ser discípulo do mestre dominicano, talvez tivesse sido seu aluno e partilhava muitas de suas posições, via recusada pelo bispo Tempier sua licentia docendi e era condenado por uma lista de 51 proposições extraídas de seu Comentário ao I Livro das Sentenças. Ora, 31 dessas proposições visam a Tomás, atingindo-o indiretamente, por intermédio de Egídio, e seus censores o sabiam muito bem. Apoiado pelo legado Simão de Brion, Tempier, após ter exercido a repressão contra a faculdade das artes, antecipava o expurgo da faculdade de teologia, que lhe seria solicitado por João XXI em 28 de abril. Além disso, como se mostrou de maneira irrecusável, essa censura a Egídio de Roma, em 1277, é essencialmente a revanche da faculdade de teologia contra um de seus membros, julgado por demais independente e considerado "o aliado de Tomás de Aquino”.
Na verdade, essa censura a Egídio de Roma inscreve-se num plano preconcebido, pelo qual Tomás é visado, como demonstra o processo desencadeado contra ele entre 7 e 28 de março de 1277. Vários teólogos contemporâneos aludem a isso: João Peckham, Henrique de Ganda e Guilherme de la Mare. João Peckham é o mais claro e um dos mais bem informados, uma vez que estava presente na Cúria romana na época (entre 22 de maio de 1276 e 12 de março de 1279). Em carta de 7 de dezembro de 1284, informa-nos que Estêvão Tempier pensara em iniciar um processo contra Tomás de Aquino, mas que, pela intervenção de certos personagens eminentes, o processo foi subtraído ao bispo de Paris e remetido a Roma, onde esteve suspenso durante a vacância da Sé apostólica, entre 29 de maio de 1277 (morte de João XXI) e 25 de novembro de 1277 (eleição de Nicolau III).
Henrique de Gand, por sua vez, alude a uma reunião convocada (entre 7 e 28 de março de 1277) pelo bispo Tempier e o legado pontifício, Simão de Brion; na ocasião, os mestres parisienses examinaram certo número de teses, e dentre elas uma retoma literalmente os termos de Tomás: Quod in homine est tantum una forma substantialis, scilicet anima intellectiva; proposição condenada por todos os mestres, segundo ele afirma, exceto, provavelmente, por dois mestres dominicanos que teriam se abstido. Quanto a Guilherme de la Mare, confirma e completa esses dados em seu célebre Correctorium (cerca de 1279), pois a essa primeira tese, que ele retoma, acrescenta uma segunda: Deus non potest dare actu esse materiae sine forma. Foi a ausência dessas duas teses que intrigou os pesquisadores na condenação de 7 de março, e delas Guilherme assegura terem sido recentemente reprovadas por todos os mestres.
Tratava-se, pois do início do processo diretamente voltado contra Tomás; Peckham lamenta sua interrupção a ponto de insistir junto a Martinho IV em 1º de janeiro de 1285, para que ele enfim se digne a ocupar-se do caso. Mas somente Honório IV (que o sucederá em 2 de abril de 1285) porá um ponto final ao litígio. Longe de exagerar sua gravidade, declinou sua responsabilidade e remeteu a decisão a Paris, não ao bispo, mas aos mestres da faculdade de teologia, que se ocuparão do assunto em data anterior ao 14 de abril de 1286, porém não procederão a nenhuma censura.
O envio aos teólogos, e não ao bispo, significa que o papa considera o debate uma questão de escola, em que a fé não está em jogo. A partir de 1285, Egídio de Roma foi reabilitado, recebendo autorização para voltar a ensinar, por meio de uma detenninatio magistrorum; iniciou-se mestre no outono de 1285. Depois de tudo o que foi lembrado, fica claro que esse novo episódio deve ser compreendido como etapa do processo que conduz à plena reabilitação de Tomás: se a implicação de seu aliado objetivo supostamente o comprometia, a retirada da censura que atingia esse aliado mostrava que ele próprio não mais estava implicado.
Ao que tudo indica, é a intervenção de João de Verceil, geral dos dominicanos, presente em Paris entre 15 de outubro de 1276 e 1278 como legado de João XXI, que está na origem do envio a Roma do processo contra Tomás. Mas ele tinha apoio na Cúria romana, onde ao que parece foram as intervenções dos cardeais João Caetano Orsini e sobretudo Tiago Savelli, amigos da ordem dominicana, que explicam a suspensão do processo. De fato, foi o segundo, tornado papa com o nome de Honório V, que impôs a solução mencionada. Acrescentemos que, na estratégia empregada por João de Verceil (e da qual existem outros indícios), a ida de Santo Alberto a Paris em 1277, para defender a memória de Tomás - outrora contestada por Weisheipl -, é considerada plausível pela crítica mais recente. 


TORRELL, J.-P. OP Iniciação a Santo Tomás de Aquino. Sua pessoa e obra. São Paulo: Loyola, 1999, pp.349-355.

"Cur Deus Homo" ("Por que Deus se fez homem"), de Santo Anselmo da Cantuária

Fonte: http://www.monergismo.com/textos/cristologia/cur_anselmo.htm


"
Cur Deus Homo
por
Santo Anselmo




- condensado do argumento principal -
Tenho sido rogado freqüentemente por muitos, oralmente e por carta, que expusesse por escrito porque necessidade e por que razão Deus, sendo onipotente, tomou a humildade e a enfermidade da natureza humana para poder salvá-los.
Tentarei satisfazer aos seus pedidos, não para que pela razão se aproximem da fé, mas para que se deleitem das coisas que crêem pela inteligência e pela contemplação, e possam, o quanto possam, estarem preparados para darem uma satisfação àqueles que lhes perguntarem sobre a nossa esperança.
Vejamos primeiramente o que é pecar, e o que é satisfazer pelo pecado.
Se o anjo ou o homem sempre dessem a Deus o que lhe é devido, nunca pecariam, pois nada mais é pecar do que não dar a Deus o que lhe é devido, isto é, toda a vontade da criatura racional sujeita à vontade de Deus.
Quem não dá a Deus isto que lhe é devido, tira de Deus o que lhe é devido e o desonra, e isto é pecar. Enquanto não devolver o que é devido, permanece em culpa.
Não é suficiente, porém, devolver o que lhe foi tirado, pois pela injúria feita sempre deve-se devolver mais do que se tirou. É assim que não é suficiente para quem lesa a saúde de outro que lhe devolva a saúde, pois deve também, pela dor impingida, recompensar-lhe com algo mais. Do mesmo modo não é suficiente para quem viola a honra de alguém que lhe devolva a honra, pois deve também, de acordo com o dano que lhe causou, restituir-lhe algo a mais que seja de seu agrado.
Mas com que poderás resgatar a Deus pelo teu pecado? Arrependimento, um coração contrito e humilhado, abstinências, trabalhos corporais, misericórdia no dar e no perdoar e obediência? Em tudo isto, porém, o que dás a Deus? Ao dares a Deus algo que já lhe devias, mesmo que não tivesses pecado, não podes computar isto como o resgate que lhe deves pelo teu pecado. O que, pois, lhe darás pelo teu pecado? Se eu mesmo, e tudo o que eu posso, mesmo quando não peco, e Ele o devo para que não peque, nada mais terei com que possa resgatar pelo pecado.
Entretanto, ainda que estas coisas não as devesse já a Deus, mesmo estas não seriam suficientes para resgatar do pecado, mesmo de um pecado tão pequeno como um olhar contra a vontade de Deus.
Considera quão grave é o pecado. Se estás na presença de Deus e alguém te dissesse:
"Olha",
e Deus, ao contrário:
"De modo algum
quero que olhes",

pergunta em teu coração qual é o motivo que justificaria ir contra a vontade de Deus.
Se necessário fosse olhar para que todo o mundo e tudo o que não é Deus não perecesse e não voltasse ao nada, mesmo se houvessem muitos mundos cheios de criaturas e que estas se multiplicassem ao infinito, nem por isto deverias olhar, o que não significa outra coisa senão que tudo isto é de menos valor do que a gravidade do pecado.
Ninguém, pois, poderá satisfazer pelo pecado, por menor que seja, a não ser quem puder resgatar pelo pecado do homem com algo que seja maior do que tudo o que não é Deus.
Ora, somente poderá dar algo de seu a Deus que seja maior do que tudo o que há debaixo de Deus aquele que for maior do que tudo aquilo que não é Deus.
Ninguém, porém está acima de tudo o que não é Deus senão Deus.
Portanto, não poderá satisfazer pelo pecado do homem ninguém, senão só Deus. Mas também não o poderá fazer, se não for homem, caso contrário não será o homem que dará a satisfação.
É necessário, portanto, que esta satisfação venha do Deus homem.
A razão, portanto, nos ensina que quem satisfará pelo pecado do homem deve possuir algo maior do que tudo o que há debaixo de Deus, e que o dê espontaneamente, e não por uma obrigação, a Deus. Deverá, pois, se pôr a si mesmo para a honra de Deus, ou algo de si mesmo que de algum modo já não o devesse a Deus.
Se, porém, o Filho de Deus der a sua vida a Deus, ou se se oferecer à morte para a honra de Deus, isto Deus não o exigiria dele, porque a morte entrou no mundo pelo pecado, e o Deus homem não tendo pecado, não seria obrigado a morrer.
É fácil também ver que a morte deste homem é maior do que tudo aquilo que há ou pode haver no mundo.
Considera que se alguém te dissesse:
"Se não matares este homem,
perecerá todo este mundo
e tudo o que não é Deus",

deverias matá-lo para conservar todas as demais criaturas? Não o farias, certamente, mesmo que te mostrassem um número infinito de criaturas. E se te dissessem:
"Ou o matas,
ou todos os pecados do mundo
cairão sobre a tua alma"?

Deverias responder que mais preferirias que caíssem sobre a tua alma todos os pecados não só deste mundo, como de todos os que existiram e de todos os que existirão, do que matar a este homem.
Mas por que esta é a resposta que deverias dar, senão porque a vida deste homem, ou mesmo uma sua pequena lesão, vale mais do que todos os pecados do mundo? De onde que se segue que esta vida é mais amável do que são odiáveis todos os pecados.
Não vês que um bem tão amável pode ser suficiente para pagar o que é devido pelos pecados de todo o mundo? Na verdade o pode mais ao infinito.
Vê-se, portanto, como esta vida pode vencer todos os pecados, se por eles for entregue.
Se, porém, o Filho de Deus oferecer espontaneamente a Deus um dom tão grande assim, não é justo que fique sem retribuição. Mas o que se lhe dará que como Deus já não o tivesse, ou o que se lhe perdoará, se nada devia? Antes que o Filho oferecesse sua vida ao Pai, tudo o que era do Pai também era seu, e nunca deveu nada que pudesse ter que lhe ser perdoado.
Vê-se, assim, por um lado, a necessidade de ser recompensado,e por outro, a impossibilidade de se o fazer.
Mas se o Filho quisesse o que a si é devido, dá-lo a outrem, poderia o Pai proibir-lhO?
Mas a quem mais convenientemente atribuiria o fruto e a retribuição de sua morte senão àqueles por quem se fêz homem para os salvar e aos quais morrendo deu o exemplo de morrer pela justiça? Inutilmente seriam seus imitadores, se não pudessem ser partícipes de seus méritos.
Ou a quem mais justamente faria herdeiros da dívida, da qual ele não necessita, e da exuberância de sua plenitude, do que aos seus pais e irmãos? Nada mais racional, nada mais doce, nada mais desejável o mundo jamais poderá ouvir. É evidente que Deus jamais rejeitará a nenhum homem que dele se aproxime sob a tutela de seu nome. Verdadeiramente quem sobre este fundamento edifica, está alicerçado sobre uma rocha firme.
Quem poderá conceber uma misericórdia maior do que o pecador, condenado ao eterno tormento, sem ter como redimir-se, ao qual Deus Pai se dirige e lhe diz:
"Aceita o meu Filho Unigênito,
e ele te redimirá?"
E o próprio Filho:
"Toma-me contigo,
e redime-te?"
Pois é de fato isto o que dizem, quando nos chamam à fé cristã e a ela nos trazem. 

"




Conferir 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Prosl%C3%B3gio

https://sumateologica.wordpress.com/2010/12/02/cur-deus-homo/

http://charlezine.com.br/wp-content/uploads/2012/10/07-Santo-Anselmo-e-Abelardo-Cole%C3%A7%C3%A3o-Os-Pensadores-1988.pdf

 http://www.e-cristianismo.com.br/teologia/cristologia/por-que-deus-se-fez-homem.html

 http://churchsociety.org/docs/churchman/123/Cman_123_2_Saunders.pdf

 https://www.stmarys-ca.edu/sites/default/files/attachments/files/Cur_Deus_Homo.pdf

 http://www.jasper-hopkins.info/CurDeusI.pdf


 
 


 

 

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