Igreja centrada, de Timothy
Keller, editora Vida Nova.
Capítulo
16: As respostas culturais da igreja
RELATÓRIO DE
LEITURA
Alan Francisco de
Souza Lemos
Bem... pra começar, o livro é bom. Muito bom.
E, antes de resenhar o capítulo 16, faço desfilar minhas considerações
prolegomenares:
a)
Igreja ou igreja. Ao iniciar minha leitura, tive a
dificuldade de saber sobre qual dos dois termos ou conceitos Timothy Keller
está se referindo. Mais à frente, malgrado, esta dúvida será dirimida. Contudo,
este é um problema e uma displicência recorrente na maioria dos autores
protestantes. Muitas vezes, por ignorância e/ou por desonestidade intelectual,
fazem uso do termo de maneira a desconsiderar que, enquanto o vocábulo Igreja refere-se àquela que é a herdeira
da promessa e, ao mesmo tempo, o corpo místico de Cristo, do qual Ele é o
cabeça, o vocábulo igreja usualmente
designa a instituição ou a comunidade eclesial temporal. Assim, quando lemos o
título, não sabemos se o autor quer
nos mostrar quais são as respostas culturais da Igreja ou da igreja, ou seja,
quais são as respostas do corpo místico de Cristo ou da instituição temporal
histórica. Tais respostas são as que são dadas pela noiva do Cordeiro ou as que são dadas pela comunidade de fé variegada
e controversa. E, se tais respostas são as dadas pela comunidade de fé
temporal, de que comunidade Keller está falando? De uma denominação
protestante? De todas as denominações protestantes? Da maioria das denominações
protestantes? Só da Igreja Católica Apostólica Romana? Ou de todas? Lembrando,
ainda, que, em alguns contextos teológicos, o termo Igreja também pode se referir às duas coisas simultaneamente, ou
seja, à instituição temporal e à instituição espiritual (neste caso, o termo
comportaria a ação e a reação tanto da Igreja Protestante quanto da Igreja
Católica Apostólica Romana). Esta obumbrosidade,
no entanto, é non sense, já que,
supondo que o autor esteja falando das respostas que a Igreja dá, estas são
dadas necessariamente pela igreja (pelos crentes ou sacerdotes).[1] Assim, pode-se concluir
que a expressão que enseja o título deve preferencialmente ser interpretada
assim: AS RESPOSTAS CULTURAIS DOS CRENTES.
b)
Como
ocorre na maioria das literaturas, mormente nos editoriais protestantes, o
capítulo 16 oferece, consideravelmente, a opinião do autor, isto é, o seu ponto
de vista, sua mundivisão. É comum, até, que os autores escrevam pouco do que a Bíblia e a Tradição têm a dizer e muito
do que eles mesmos têm a dizer, baseados nas suas experiências e na sua bagagem
de leitura. Digo, pois, que isto não pode conflitar com aquilo. Se o que
Timothy Keller nos disser contrariar ou adulterar os cânones mais respeitados,
ratificados e reverenciados da Igreja, isto deve ser visto com cautela e
desconfiança. Assim é, por exemplo, no início do capítulo, quando Keller expõe
quatro maneiras de responder à pergunta sobre como devemos nos relacionar com a
cultura. O leitor, aqui, precisa ler atentamente a opinião de Keller e comparar com as demais opiniões de outros
autores sobre o mesmo tema além de, principalmente, averiguar o que dizem a Bíblia e a Tradição Cristã sobre o
assunto.
c)
Quero
outrossim parabenizar especialmente o editor e o diagramador da versão
brasileira, pois o conteúdo do livro é muito bem exposto e igualmente bem
disposto nas páginas, com o auxílio visual de caixas de texto e referências
contextuais (que destacam fragmentos do texto principal para a melhor elucidação
ao leitor).
Timothy Keller
inicia o capítulo apresentando, à guisa de comparação, a sua proposta
analisadora do engajamento cultural da igreja e a proposta de Niebuhr para um
bastante semelhante. Keller adota, como já fora apresentado em capítulos anteriores,
suas quatro maneiras, ou melhor, seus quatro modelos sócio-eclesiais: I -
o modelo
transformacionista, II - o modelo da relevância, III -
o modelo contracultural e IV - o modelo dos dois reinos.
Com estes confrontam-se os modelos niebuhrianos:
Cristo
contra a cultura, Cristo da cultura, Cristo acima da cultura, Cristo
e cultura em paradoxo e Cristo
transformando a cultura. Keller reconhece o grande esforço de Niebuhr,
mas faz uma crítica à ação de estabelecer modelos sócio-eclesiais, já que “Quando retornamos do plano hipotético para
a rica complexidade dos acontecimentos individuais, fica logo evidente que
nenhuma pessoa ou grupo jamais se conforma totalmente a um tipo” e que tais
esboços contém sempre “armadilhas”.
Esta crítica o próprio Niebuhr teria feito.
“Então,
por que fazer uso de modelos? Porque cada modelo traz consigo um tema ou uma
verdade bíblica orientadora que ajuda os cristãos a se relacionarem com a
cultura.”
Mas os modelos,
contudo, também são limitados e limitadores. Não dão conta de enquadrar a
variedade da descrição. Os modelos são simples, o conteúdo deles, porém, é
complexo. O corolário disto é uma variedade de posicionamentos dentro de um
mesmo modelo ou tipo.
Após a exposição
das críticas de outros estudiosos de Niebuhr, como D. A. Carson e James Hunter,
Timothy Keller, enfim, começa sua apresentação detalhada de seus quatro
modelos.
I - “O modelo
transformacionista interage com a cultura principalmente frisando que os
cristãos devem exercer suas profissões a partir de uma cosmovisão cristã e,
assim, transformar a cultura.”:
é quase a mesma coisa que o Cristo-transformando-a-cultura[2]
de Niebuhr. Depois, Keller começa a sua crítica ao modelo transformacionista, dizendo: a) que o “conceito de cosmovisão do modelo
transformacionista é demasiadamente cognitivo”, b) que “é geralmente marcado por ‘uma depreciação
da igreja’”, c) que “é propenso ao
triunfalismo, à justiça própria e à confiança excessiva tanto em sua capacidade
de entender a vontade de Deus para a sociedade quanto em colocá-la em prática,
d)
que “tem dado valor excessivo à
política como meio de mudar a cultura” e e) que “não reconhece os perigos do poder”.
Um exemplo de
comunidade eclesial que se alinha com a descrição acima feita é a chamada direita cristã estadunidense. Aqui no
Brasil, não vejo alguma comunidade de fé que esteja irmanada com tais ideais,
pelo menos não na mesma intensidade, mas a que mais se aproxima do modelo
transformacionista talvez seja a ortodoxia católica.
II - O modelo da relevância de Timothy Keller
abarca os modelos Cristo-da-cultura e Cristo-acima-da-cultura de Niebuhr.
IIa - Enquanto Cristo-da-cultura, o modelo da
relevância de Keller enxerga a IP como estando bem à vontade tanto dentro
quanto fora da igreja, isto por que, para tal modelo contemporâneo de
engajamento cultural, “o cristianismo é
compatível de modo fundamental com a cultura circundante.”. Deus redime
todo e qualquer movimento cultural incompatível (e, quiçá, até contrário) ao
movimento evangélico, harmonizando os opostos sobre a “asserção da unidade e da ordem mundial, em movimentos éticos pela
abnegação e pelo cuidado com o bem comum e em questões políticas pela justiça.”.
Mesmo tais movimentos e comportamentos sendo patentemente diferentes ou
contrários à ética cristã, os correligionários deste modus cognoscendi veem tais fenômenos não como opostos ao
Evangelho, mas como obra do Espírito de Deus! Para Niebuhr, alinham-se a esta
filosofia a teologia liberal (TL) e
a teologia da libertação (TDL), que,
a nosso ver, também é uma manifestação liberal. Aqui no Brasil, a Teologia da
Missão Integral (MIT) não é adepta do modelo da relevância de Keller, mas
aproxima-se perigosamente.
IIb - Enquanto Cristo-acima-da-cultura,
os sintetizadores (assim são chamados seus teóricos) não refazem os produtos
culturais, mas, ao contrário, “adotam
esses produtos e então os suplementam com a fé cristã. Esse modelo busca
‘edificar a partir da cultura para Cristo’.” e tem Santo Tomás de Aquino
como seu principal expoente. O mesmo que foi dito a respeito da MIT em IIa
vale para IIb.
Em resumo,
“A
ideia inspiradora que sustenta essas abordagens [do modelo da relevância de
Keller] é que o Espírito de Deus está
operando na cultura para expandir seu reino; assim, os cristãos devem enxergar
a cultura como aliada e unir-se a Deus na realização do bem. Portanto, a forma
de engajamento cultural é a adaptação da igreja às novas realidades e a conexão
ao que Deus está realizando no mundo.”
Assim, parte das
pessoas que se enquadram – mesmo sem saberem – neste modelo “são otimistas em relação às tendências
culturais e sentem menos necessidade de refletir sobre elas, de discerni-las e
de reagir de maneiras discriminatórias para com elas”. Assim, porém,
afastam-se do modelo da relevância de Keller o fundamentalismo católico (como
no Pe. Paulo Ricardo de Azevedo) e a militância do Pr. Silas Lima Malafaia
(Assembleia de Deus Vitória em Cristo - ADVEC), ambos no Brasil. Elas também “conferem muito destaque ao ‘bem comum’ e ao ‘desenvolvimento humano’”. Muitas
creem na letargia eclesial para falar de Deus à sociedade e na operabilidade
divina extra-eclesial. Disto aproximam-se especialmente o MIT e a TL. Afastam-se
contundentemente Pr. Silas Malafaia e Pe. Paulo Ricardo. Muitas destas pessoas
não “mencionam uma cosmovisão cristã
(...) [evitando] intencionalmente a
retórica negativa de uma cultura ‘moribunda’ ou ‘em declínio’ (...) que
caracteriza a direita religiosa.” Nisto está mergulhada toda a TL e as
igrejas dela adeptas. (Infelizmente!) Uma outra característica dos relevantes[3] - esta é comum a todos os
seus correligionários – é que eles creem que “o problema principal da igreja (...) [é] o fato de ela ser incompreensível às mentes e aos corações das pessoas
não cristãs, além se ser nada pertinente aos problemas da sociedade.” Lamentavelmente,
esta é a dura realidade da maioria das igrejas pentecostais (como a Assembleia
de Deus e a Igreja Congregacional Cristã), neopentecostais (como a Igreja Universal do
Reino de Deus (IURD) e a Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD) e as seguidoras
da Teologia da Prosperidade (TDP)). Apropinquam-se deste ponto a MIT, a TDL e a
TL (em menor escala). Caso específico é o da ICAR que, não obstante seu empenho
observável nos documentos e pronunciamentos oficiais, não tem conseguido um
número compatível de resultados positivos. Os seguidores deste modelo fazem
pouca distinção entre a maneira em que cada cristão deve agir e a maneira que a
Igreja deve agir. Por isso, é difícil definir quais denominações seguem à risca
tal orientação. Trata-se mais de um posicionamento pessoal do que qualquer
outra coisa. A princípio, toda a ICAR participa desta visão. Mas há aqueles que
procuram escapar da regra. No Brasil, a maioria dos protestantes é
individualista, baseando-se no princípio de que “cada um que cuide de sua
salvação”, mas as igrejas históricas (como as presbiterianas, as metodistas, as
luteranas e as batistas tradicionais em geral) agem mais coerentemente com este
princípio. Esta característica induz o crente a se posicionar politicamente.
Assim, no Brasil, vemos certos líderes protestantes iniciarem uma coalizão com
outros líderes protestantes ou católicos para derrotarem certas medidas
governamentais e determinados movimentos que opõe-se à ética cristã. Assim,
temos a “bancada evangélica” brasileira, por exemplo.
Depois, Keller
começa a sua crítica ao modelo da relevância, dizendo: a) “Ao se adaptar tanto e tão prontamente à cultura, essas igrejas são
imediatamente vistas como ultrapassadas sempre que a cultura se transforma.”,
b)
que, nos casos extremados, os relevantes hiperestimam a cultura e subestimam a Bíblia, ou seja, há um problema de
doutrina, c) “Com certa frequência,
a força motriz das igrejas que seguem esse modelo não é dirigida ao ensino do
evangelho e à busca por conversões, mas à produção das artes, aos projetos de
serviço ou à busca da justiça.” e d) “É especialmente nesse modelo que a singularidade da igreja (sic) começa
a ficar desordenada.”.
III – No modelo contracultural, “todos os seus seguidores
[contrastantes] enfatizam a igreja como
uma sociedade contrastante como o
mundo.”. O Reino se manifesta,
antes de tudo, como uma comunidade eclesiástica em oposição ao mundo. Ou seja,
a identidade da Igreja se dá na medida mesma do seu afastamento e da sua
oposição em relação ao reino deste mundo. “Os
seguidores desse modelo não enxergam Deus trabalhando redentivamente por meio
de movimentos culturais fora da igreja [sic].”. Para os contrastantes, não adianta
querer insistir na mudança cultural do meio mundano; é perda de tempo ocupar-se
com atividades políticas, pois isto não mudará o mundo. Como escreveram Stanley
Hauerwas e Willia, Willimon: “O mundo,
apesar de toda a sua beleza, é hostil à verdade.”. O corolário disto é a
inércia nos esforços sociais para a mudança de paradigmas, já que tal modelo
conclama a Igreja a não “se concentrar na
cultura e na busca de formas para lhe ser relevante, para alcança-la ou para
transformá-la”. Os contrastantes tendem a explicar as mazelas eclesiais
alegando que elas existem porque o mundo entrou na Igreja, ou seja, a cultura
pagã entrou perniciosamente na Igreja (isto é verdade em muitos casos). O
cristão não deve se misturar com o mundo, não deve se “assentar na roda dos
escarnecedores” (Salmos 1); ao invés
disto, deve sim ser o “sal da terra” e a “luz do mundo” (Mateus 5:13,14). Os contrastantes dizem que o esforço de tornar o
mundo mais parecido com a Igreja só torna a Igreja mais parecida com o mundo (erro constantiniano) e que é crassamente
errado e nocivo ímpeto das megaigrejas de transformar a igreja em shopping de consumo que reflete o
espírito capitalista e egoísta reinante.
Assim, os
contrastantes ou contraculturais mais famosos são alguns dos professores da
Faculdade Teológica da Universidade de Duke (principalmente, Stanley Hauerwas,
William Willimon e Richard Hays), o anabatista John Howard Yoder, David Fitch e
o neomonástico Shane Claiborne. No Brasil, não há, como nos demais modelos de
engajamento sócio-eclesiais de Keller, igrejas, movimentos ou líderes que se
encaixem perfeitamente nesta filosofia, mas pode-se ver, neste ou naquele
aspecto, a influência contracultural em algumas igrejas pentecostais – como a
Deus e Amor e a Assembleia de Deus -, em algumas batistas tradicionais, em boa
parte das igrejas históricas (de um modo geral), nos anabatistas, nos
adventistas, nas testemunhas de Jeová e no catolicismo.
Depois, Keller
começa a sua crítica ao modelo contracultural, dizendo: a) “Os críticos do modelo contracultural o acusam de ser indevidamente
pessimista quanto à prababilidade de mudança social.”, b) “O modelo contracultural tem a tendência de demonizar os
empreendimentos modernos, os mercados capitalistas e o governo.”, c) “O movimento contracultural não dá valor
suficiente à inevitabilidade da contextualização, de uma comunidade cristã que
necessariamente se relaciona e se adapta à cultura que a cerca.”, d) os contraculturais enfatizam
aquilo que Keller denomina aspectos horizontais do pecado – como a ofensa ao
próximo ou à natureza – e minoram a importância que geralmente se dá aos
aspectos verticais das atitudes pecaminosas – como a ofensa a Deus; “isto tende a minimizar as doutrinas da
justificação e do sacrifício reconciliatório de Cristo.” e e) “talvez sem intenção, esse modelo pode minar
a ênfase e a habilidade da igreja em evangelizar – até mesmo mais do que o
modelo da relevância”.
IV - O próximo modelo
abordado por Keller é o dos dois reinos.
Equivale ao modelo Cristo-e-cultura-em-paradoxo
de Richard Niebuhr e é mais conhecido em sua linhagem luterana europeia. Outros
reformadores endossam ser este o modelo de John Calvin (conhecido popularmente
como João Calvino no Brasil), ao contrário dos neocalvinistas, que seguem
Kuyper.
“O
rótulo ‘dos dois reinos’
(ou da mão esquerda) originou-se do
ensino básico de que Deus governa toda a criação por meio do ‘reino comum’, no
qual as pessoas agem pela revelação natural (Gênesis 9; Romanos
1:18-32; 2:14,15), e do ‘reino redentor’ (ou
da mão direita), no qual os cristãos são
governados por revelação especial. (Gênesis
12)” – p. 249
As características
do modelo dos dois reinos são:
IVa – “Os
proponentes do modelo dos dois reinos, diferentemente dos defensores do modelo
contracultural (ou dos petistas), incentivam muito os cristãos a ter profissões
‘seculares’. Todo
e qualquer trabalho é uma forma de servir ao semelhante.
IVb – Este modelo de
engajamento cultural da igreja diferencia-se do transformacionista quanto à
forma de realizar o trabalho no mundo. “Enquanto
o trabalho do cristão no reino comum tem dignidade e utilidade, os defensores
do modelo dos dois reinos ensinam aos cristãos que eles não devem buscar maneiras ‘caracteristicamente cristãs de realizar tarefas comuns’”. No modelo
dos dois reinos a palavra de ordem não é transformar a cultura mas tão-só frear
o mal no mundo. Tudo é passageiro e não é mister nosso empenho para
modificações. Um ponto de união entre os filósofos dos dois reinos e os
contraculturais contra os transformacionistas é que os primeiros, ao contrário
dos últimos, acreditam que servir a Deus não implica em restaurar a criação ou
levar a cultura a uma direção mais cristã, mas tão somente servir a Deus e ao
próximo. Assim, não pode, necessariamente, haver um anfíbio[4] rebelde ou revolucionário;
todos são conformados.
IVc – “Os
proponentes dos dois reinos diferem não apenas do modelo transformacionista,
mas também do modelo contracultural na questão de governo humano e do mundo
comercial em geral. Enquanto, para os transformacionistas, o estado secular é
um enorme problema e, para os contraculturais, ele é um poço de violência e
império, para os anfíbios ele é um estado neutro”, normal, “exatamente como Deus quer”. Isto
implica numa mudança da abordagem ou da expectação escatológica, inclusive. Os
cristãos não devem se sentir coagidos a interferirem no mercado. O capitalismo,
conforme a visão contracultural, não é
demoníaco, e também não o é para os anfíbios; para estes, o mundo comercial não
precisa ser redimido, como afirmam os transformacionistas.
IVd – O modelo dos dois
reinos é intrinsecamente pessimista quando ao feedback que recebemos, enquanto cristãos, da cultura. Não devemos
esperar muito desta vida (Eclesiastes
1:2)[5]. Como disse, certa vez, o
multipalestrante brasileiro Marcos Sousa: “Se
você age em um ciclo repetitivo, não adianta esperar mudanças”. Ou outro
alguém, que disse: “A vida é curta; então
curta a vida”. Mas William James discorda quando afirma: “A maior descoberta de minha geração é que o
ser humano pode alterar sua vida alterando suas atitudes." E Joseph
Campbell: “Devemos estar dispostos a nos
livrar da vida que planejamos para poder viver a vida que nos espera.”.
Basicamente, é
esta a “cara” do modelo dos dois reinos. Existe uma variegada graduação na qual
luteranos, ultracalvinistas e neocalvinistas divergem ou se afastam um pouco um
do outro. São correntes paralelas ao fluxo principal. São pequenos córregos que
partem de um rio, correm ao seu lado e tornam, ao final, para ele correr.
Depois, Keller
começa a sua crítica ao modelo dos dois reinos, dizendo: a) “O modelo dos dois reinos confere mais peso e crédito à função da graça
comum do que a Bíblia confere.”, b) “Muito
do bem social que os seguidores do modelo dos dois reinos atribuem à revelação
natural é, na verdade, fruto da introdução do ensino cristão (...) nas culturas
mundiais.”, c) “O modelo dos dois reinos
... ensina que é possível o ser humano ser conduzido por bases religiosas
neutras.”, d) “... produz uma forma
de ‘quietismo social’.” e e) “...
contribui para uma hierarquia muito elevada entre clérigos e leigos.".[6]
É difícil
enquadrar quaisquer igrejas pentecostais e neopentecostais no modelo dos dois
reinos, pois, de modo geral, estas igrejas são, mutatis mutandi, engajadas politicamente e/ou socialmente. No
Brasil, p. e., a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), assim como a ADVEC e
outras lançam seus candidatos políticos e seus líderes manifestam-se, de quando
em vez, na TV, contra esta ou aquela decisão governamental – inclusive aquelas
relativas ao plano econômico. É mais fácil, porém, encaixarmos, neste modelo, a
ICAR e as igrejas reformadas ou históricas – principalmente as mais
ultracalvinistas.
Concluindo o
capítulo 16, T. Keller afirma que todos estes modelos não são de modo algum
estanques ou unívocos na prática sócio-eclesial. Toda esquematização possuirá
erros caso a entendamos como sendo predicações limitadoras ou estanques.
Igrejas, como a ICAR e a ADVEC, movimentos teológicos, como a TDL, a TL e a
MIT, e líderes religiosos, como o Pe. Paulo Ricardo e o Pr. Silas Malafaia, não
podem ser encaixados perfeitamente nos modelos sócio-eclesiais de engajamento
pois, ao mesmo tempo que atuam como produtores culturais, são produtos da
cultura em que estão imiscuídos. Destarte, p. e., no Brasil, a ADVEC, bem como
a sua liderança, não é uma igreja puramente transformacionista, nem relevante,
nem qualquer outra coisa. O mesmo vale para a ICAR. O mesmo vale para a Igreja!
Aliás, a Igreja, mesmo na Bíblia, mesmo
na Tradição milenar, sempre foi um caleidoscópio cultural de variações
ideológicas enredadas numa mesma trama doutrinal, como uma colcha de retalhos
que, não deixa de ser uma e somente uma coisa e não perde as sempre mesmas
finalidades. Se, na colcha de retalhos, cada retalho tem seu tamanho, sua cor,
sua textura e sua aparência, na Igreja, cada membro e cada denominação tem sua
matiz, sua maneira de pregar e aplicar o Evangelho etc, mas sempre não deixando
de ser a mesma Igreja, com as mesmas finalidades e, ao modo de um rio, correndo
sempre para um mesmo grande fim: Deus!
BIBLIOGRAFIA
KELLER, Timothy. As respostas culturais da igreja. In: Igreja
centrada. Vida Nova. São Paulo, Brasil,
2014. [Título original: Center Church:
Doing Balanced and Gospel-Centered Ministry in Your City. Grand Rapids.
Michigan, EUA.]
[1]
Doravante, para
não haver conflitos semânticos e para que possamos chegar mais perto do que
queremos explicar, adotaremos a seguinte correspondência sinonímica: a)
o termo Igreja designa a comunhão (no
que possível) material e espiritual das igrejas protestante, católica romana e
ortodoxa; b) o termo igreja
designa a(s) comunidade(s) eclesial(is) protestante(s) espalhada(s) no mundo,
podendo ser entendido aqui b¹) como a atuação geral e uniforme
de todas as comunidades eclesiais protestantes (como se fossem uma só coisa,
igual e sem mesclas) ou b²) como a atuação de parte ou da
maior parte das comunidades eclesiais protestantes do mundo (não representando,
portanto, a totalidade); c) a sigla ICAR será usada para
representar a atuação da Igreja Católica Apostólica Romana. Ainda se usará a
sigla IP para expressar o mesmo que em b¹).
[2] Doravante, para melhor
explicitação, entendo que os modelos de engajamento cultural de H. Richard
Niebuhr devem ser grafados com hífen.
[3] Assim chamo os
seguidores, conscientes ou inconscientes, do modelo da relevância.
[4] Assim eu chamo os
filósofos ou teólogos do modelo cultural de engajamento eclesial dos dois
reinos de T. Keller. O apodo é devido aos dois modi agendi, operandi, vivendi e cognoscendi de tais cristãos, o que lembra os dois habitat dos animais
de sangue frio.
[5] “’Vaidade de vaidades’, diz o pregador, ‘vaidade de vaidades! Tudo é
vaidade’.” (ACF).
[6] Há uma diferença
qualitativa significativa entre os trabalhos leigo e sacerdotal. Aqui,
sobressai o modus operandi católico,
romano ou ortodoxo.
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