quinta-feira, 11 de junho de 2015

As respostas culturais da igreja ["Igreja centrada", de Timothy Keller, editora Vida Nova.]


Igreja centrada, de Timothy Keller, editora Vida Nova.
Capítulo 16: As respostas culturais da igreja




RELATÓRIO DE LEITURA
Alan Francisco de Souza Lemos

Bem... pra começar, o livro é bom. Muito bom. E, antes de resenhar o capítulo 16, faço desfilar minhas considerações prolegomenares:
a)      Igreja ou igreja. Ao iniciar minha leitura, tive a dificuldade de saber sobre qual dos dois termos ou conceitos Timothy Keller está se referindo. Mais à frente, malgrado, esta dúvida será dirimida. Contudo, este é um problema e uma displicência recorrente na maioria dos autores protestantes. Muitas vezes, por ignorância e/ou por desonestidade intelectual, fazem uso do termo de maneira a desconsiderar que, enquanto o vocábulo Igreja refere-se àquela que é a herdeira da promessa e, ao mesmo tempo, o corpo místico de Cristo, do qual Ele é o cabeça, o vocábulo igreja usualmente designa a instituição ou a comunidade eclesial temporal. Assim, quando lemos o título, não sabemos se o autor quer nos mostrar quais são as respostas culturais da Igreja ou da igreja, ou seja, quais são as respostas do corpo místico de Cristo ou da instituição temporal histórica. Tais respostas são as que são dadas pela noiva do Cordeiro ou as que são dadas pela comunidade de fé variegada e controversa. E, se tais respostas são as dadas pela comunidade de fé temporal, de que comunidade Keller está falando? De uma denominação protestante? De todas as denominações protestantes? Da maioria das denominações protestantes? Só da Igreja Católica Apostólica Romana? Ou de todas? Lembrando, ainda, que, em alguns contextos teológicos, o termo Igreja também pode se referir às duas coisas simultaneamente, ou seja, à instituição temporal e à instituição espiritual (neste caso, o termo comportaria a ação e a reação tanto da Igreja Protestante quanto da Igreja Católica Apostólica Romana). Esta obumbrosidade, no entanto, é non sense, já que, supondo que o autor esteja falando das respostas que a Igreja dá, estas são dadas necessariamente pela igreja (pelos crentes ou sacerdotes).[1] Assim, pode-se concluir que a expressão que enseja o título deve preferencialmente ser interpretada assim: AS RESPOSTAS CULTURAIS DOS CRENTES.
b)      Como ocorre na maioria das literaturas, mormente nos editoriais protestantes, o capítulo 16 oferece, consideravelmente, a opinião do autor, isto é, o seu ponto de vista, sua mundivisão. É comum, até, que os autores escrevam pouco do que a Bíblia e a Tradição têm a dizer e muito do que eles mesmos têm a dizer, baseados nas suas experiências e na sua bagagem de leitura. Digo, pois, que isto não pode conflitar com aquilo. Se o que Timothy Keller nos disser contrariar ou adulterar os cânones mais respeitados, ratificados e reverenciados da Igreja, isto deve ser visto com cautela e desconfiança. Assim é, por exemplo, no início do capítulo, quando Keller expõe quatro maneiras de responder à pergunta sobre como devemos nos relacionar com a cultura. O leitor, aqui, precisa ler atentamente a opinião de Keller e comparar com as demais opiniões de outros autores sobre o mesmo tema além de, principalmente, averiguar o que dizem a Bíblia e a Tradição Cristã sobre o assunto.
c)      Quero outrossim parabenizar especialmente o editor e o diagramador da versão brasileira, pois o conteúdo do livro é muito bem exposto e igualmente bem disposto nas páginas, com o auxílio visual de caixas de texto e referências contextuais (que destacam fragmentos do texto principal para a melhor elucidação ao leitor).
Timothy Keller inicia o capítulo apresentando, à guisa de comparação, a sua proposta analisadora do engajamento cultural da igreja e a proposta de Niebuhr para um bastante semelhante. Keller adota, como já fora apresentado em capítulos anteriores, suas quatro maneiras, ou melhor, seus quatro modelos sócio-eclesiais: I - o modelo transformacionista, II - o modelo da relevância, III - o modelo contracultural e IV - o modelo dos dois reinos. Com estes confrontam-se os modelos niebuhrianos: Cristo contra a cultura, Cristo da cultura, Cristo acima da cultura, Cristo e cultura em paradoxo e Cristo transformando a cultura. Keller reconhece o grande esforço de Niebuhr, mas faz uma crítica à ação de estabelecer modelos sócio-eclesiais, já que “Quando retornamos do plano hipotético para a rica complexidade dos acontecimentos individuais, fica logo evidente que nenhuma pessoa ou grupo jamais se conforma totalmente a um tipo” e que tais esboços contém sempre “armadilhas”. Esta crítica o próprio Niebuhr teria feito.
“Então, por que fazer uso de modelos? Porque cada modelo traz consigo um tema ou uma verdade bíblica orientadora que ajuda os cristãos a se relacionarem com a cultura.”
Mas os modelos, contudo, também são limitados e limitadores. Não dão conta de enquadrar a variedade da descrição. Os modelos são simples, o conteúdo deles, porém, é complexo. O corolário disto é uma variedade de posicionamentos dentro de um mesmo modelo ou tipo.  
Após a exposição das críticas de outros estudiosos de Niebuhr, como D. A. Carson e James Hunter, Timothy Keller, enfim, começa sua apresentação detalhada de seus quatro modelos.
I - “O modelo transformacionista interage com a cultura principalmente frisando que os cristãos devem exercer suas profissões a partir de uma cosmovisão cristã e, assim, transformar a cultura.: é quase a mesma coisa que o Cristo-transformando-a-cultura[2] de Niebuhr. Depois, Keller começa a sua crítica ao modelo transformacionista, dizendo: a) que o “conceito de cosmovisão do modelo transformacionista é demasiadamente cognitivo”, b) que “é geralmente marcado por ‘uma depreciação da igreja’”, c) que “é propenso ao triunfalismo, à justiça própria e à confiança excessiva tanto em sua capacidade de entender a vontade de Deus para a sociedade quanto em colocá-la em prática, d) que “tem dado valor excessivo à política como meio de mudar a cultura” e e) que “não reconhece os perigos do poder”.
Um exemplo de comunidade eclesial que se alinha com a descrição acima feita é a chamada direita cristã estadunidense. Aqui no Brasil, não vejo alguma comunidade de fé que esteja irmanada com tais ideais, pelo menos não na mesma intensidade, mas a que mais se aproxima do modelo transformacionista talvez seja a ortodoxia católica.
II - O modelo da relevância de Timothy Keller abarca os modelos Cristo-da-cultura e Cristo-acima-da-cultura de Niebuhr.
IIa - Enquanto Cristo-da-cultura, o modelo da relevância de Keller enxerga a IP como estando bem à vontade tanto dentro quanto fora da igreja, isto por que, para tal modelo contemporâneo de engajamento cultural, “o cristianismo é compatível de modo fundamental com a cultura circundante.”. Deus redime todo e qualquer movimento cultural incompatível (e, quiçá, até contrário) ao movimento evangélico, harmonizando os opostos sobre a “asserção da unidade e da ordem mundial, em movimentos éticos pela abnegação e pelo cuidado com o bem comum e em questões políticas pela justiça.”. Mesmo tais movimentos e comportamentos sendo patentemente diferentes ou contrários à ética cristã, os correligionários deste modus cognoscendi veem tais fenômenos não como opostos ao Evangelho, mas como obra do Espírito de Deus! Para Niebuhr, alinham-se a esta filosofia a teologia liberal (TL) e a teologia da libertação (TDL), que, a nosso ver, também é uma manifestação liberal. Aqui no Brasil, a Teologia da Missão Integral (MIT) não é adepta do modelo da relevância de Keller, mas aproxima-se perigosamente.
IIb - Enquanto Cristo-acima-da-cultura, os sintetizadores (assim são chamados seus teóricos) não refazem os produtos culturais, mas, ao contrário, “adotam esses produtos e então os suplementam com a fé cristã. Esse modelo busca ‘edificar a partir da cultura para Cristo’.” e tem Santo Tomás de Aquino como seu principal expoente. O mesmo que foi dito a respeito da MIT em IIa vale para IIb.
Em resumo,
“A ideia inspiradora que sustenta essas abordagens [do modelo da relevância de Keller] é que o Espírito de Deus está operando na cultura para expandir seu reino; assim, os cristãos devem enxergar a cultura como aliada e unir-se a Deus na realização do bem. Portanto, a forma de engajamento cultural é a adaptação da igreja às novas realidades e a conexão ao que Deus está realizando no mundo.”
Assim, parte das pessoas que se enquadram – mesmo sem saberem – neste modelo “são otimistas em relação às tendências culturais e sentem menos necessidade de refletir sobre elas, de discerni-las e de reagir de maneiras discriminatórias para com elas”. Assim, porém, afastam-se do modelo da relevância de Keller o fundamentalismo católico (como no Pe. Paulo Ricardo de Azevedo) e a militância do Pr. Silas Lima Malafaia (Assembleia de Deus Vitória em Cristo - ADVEC), ambos no Brasil. Elas também “conferem muito destaque ao ‘bem comum’ e ao ‘desenvolvimento humano’”. Muitas creem na letargia eclesial para falar de Deus à sociedade e na operabilidade divina extra-eclesial. Disto aproximam-se especialmente o MIT e a TL. Afastam-se contundentemente Pr. Silas Malafaia e Pe. Paulo Ricardo. Muitas destas pessoas não “mencionam uma cosmovisão cristã (...) [evitando] intencionalmente a retórica negativa de uma cultura ‘moribunda’ ou ‘em declínio’ (...) que caracteriza a direita religiosa.” Nisto está mergulhada toda a TL e as igrejas dela adeptas. (Infelizmente!) Uma outra característica dos relevantes[3] - esta é comum a todos os seus correligionários – é que eles creem que “o problema principal da igreja (...) [é] o fato de ela ser incompreensível às mentes e aos corações das pessoas não cristãs, além se ser nada pertinente aos problemas da sociedade.” Lamentavelmente, esta é a dura realidade da maioria das igrejas pentecostais (como a Assembleia de Deus e a Igreja Congregacional Cristã),  neopentecostais (como a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e a Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD) e as seguidoras da Teologia da Prosperidade (TDP)). Apropinquam-se deste ponto a MIT, a TDL e a TL (em menor escala). Caso específico é o da ICAR que, não obstante seu empenho observável nos documentos e pronunciamentos oficiais, não tem conseguido um número compatível de resultados positivos. Os seguidores deste modelo fazem pouca distinção entre a maneira em que cada cristão deve agir e a maneira que a Igreja deve agir. Por isso, é difícil definir quais denominações seguem à risca tal orientação. Trata-se mais de um posicionamento pessoal do que qualquer outra coisa. A princípio, toda a ICAR participa desta visão. Mas há aqueles que procuram escapar da regra. No Brasil, a maioria dos protestantes é individualista, baseando-se no princípio de que “cada um que cuide de sua salvação”, mas as igrejas históricas (como as presbiterianas, as metodistas, as luteranas e as batistas tradicionais em geral) agem mais coerentemente com este princípio. Esta característica induz o crente a se posicionar politicamente. Assim, no Brasil, vemos certos líderes protestantes iniciarem uma coalizão com outros líderes protestantes ou católicos para derrotarem certas medidas governamentais e determinados movimentos que opõe-se à ética cristã. Assim, temos a “bancada evangélica” brasileira, por exemplo.
Depois, Keller começa a sua crítica ao modelo da relevância, dizendo: a) “Ao se adaptar tanto e tão prontamente à cultura, essas igrejas são imediatamente vistas como ultrapassadas sempre que a cultura se transforma.”, b) que, nos casos extremados, os relevantes hiperestimam a cultura e subestimam a Bíblia, ou seja, há um problema de doutrina, c) “Com certa frequência, a força motriz das igrejas que seguem esse modelo não é dirigida ao ensino do evangelho e à busca por conversões, mas à produção das artes, aos projetos de serviço ou à busca da justiça.” e d) “É especialmente nesse modelo que a singularidade da igreja (sic) começa a ficar desordenada.”.
III – No modelo contracultural, “todos os seus seguidores [contrastantes] enfatizam a igreja como uma sociedade contrastante como o mundo.”. O Reino se manifesta, antes de tudo, como uma comunidade eclesiástica em oposição ao mundo. Ou seja, a identidade da Igreja se dá na medida mesma do seu afastamento e da sua oposição em relação ao reino deste mundo. “Os seguidores desse modelo não enxergam Deus trabalhando redentivamente por meio de movimentos culturais fora da igreja [sic].. Para os contrastantes, não adianta querer insistir na mudança cultural do meio mundano; é perda de tempo ocupar-se com atividades políticas, pois isto não mudará o mundo. Como escreveram Stanley Hauerwas e Willia, Willimon: “O mundo, apesar de toda a sua beleza, é hostil à verdade.”. O corolário disto é a inércia nos esforços sociais para a mudança de paradigmas, já que tal modelo conclama a Igreja a não “se concentrar na cultura e na busca de formas para lhe ser relevante, para alcança-la ou para transformá-la”. Os contrastantes tendem a explicar as mazelas eclesiais alegando que elas existem porque o mundo entrou na Igreja, ou seja, a cultura pagã entrou perniciosamente na Igreja (isto é verdade em muitos casos). O cristão não deve se misturar com o mundo, não deve se “assentar na roda dos escarnecedores” (Salmos 1); ao invés disto, deve sim ser o “sal da terra” e a “luz do mundo” (Mateus 5:13,14). Os contrastantes dizem que o esforço de tornar o mundo mais parecido com a Igreja só torna a Igreja mais parecida com o mundo (erro constantiniano) e que é crassamente errado e nocivo ímpeto das megaigrejas de transformar a igreja em shopping de consumo que reflete o espírito capitalista e egoísta reinante.
Assim, os contrastantes ou contraculturais mais famosos são alguns dos professores da Faculdade Teológica da Universidade de Duke (principalmente, Stanley Hauerwas, William Willimon e Richard Hays), o anabatista John Howard Yoder, David Fitch e o neomonástico Shane Claiborne. No Brasil, não há, como nos demais modelos de engajamento sócio-eclesiais de Keller, igrejas, movimentos ou líderes que se encaixem perfeitamente nesta filosofia, mas pode-se ver, neste ou naquele aspecto, a influência contracultural em algumas igrejas pentecostais – como a Deus e Amor e a Assembleia de Deus -, em algumas batistas tradicionais, em boa parte das igrejas históricas (de um modo geral), nos anabatistas, nos adventistas, nas testemunhas de Jeová e no catolicismo.
Depois, Keller começa a sua crítica ao modelo contracultural, dizendo: a) “Os críticos do modelo contracultural o acusam de ser indevidamente pessimista quanto à prababilidade de mudança social.”, b) “O modelo contracultural tem a tendência de demonizar os empreendimentos modernos, os mercados capitalistas e o governo.”, c) “O movimento contracultural não dá valor suficiente à inevitabilidade da contextualização, de uma comunidade cristã que necessariamente se relaciona e se adapta à cultura que a cerca.”, d) os contraculturais enfatizam aquilo que Keller denomina aspectos horizontais do pecado – como a ofensa ao próximo ou à natureza – e minoram a importância que geralmente se dá aos aspectos verticais das atitudes pecaminosas – como a ofensa a Deus; “isto tende a minimizar as doutrinas da justificação e do sacrifício reconciliatório de Cristo.” e e) “talvez sem intenção, esse modelo pode minar a ênfase e a habilidade da igreja em evangelizar – até mesmo mais do que o modelo da relevância”.
IV - O próximo modelo abordado por Keller é o dos dois reinos. Equivale ao modelo Cristo-e-cultura-em-paradoxo de Richard Niebuhr e é mais conhecido em sua linhagem luterana europeia. Outros reformadores endossam ser este o modelo de John Calvin (conhecido popularmente como João Calvino no Brasil), ao contrário dos neocalvinistas, que seguem Kuyper.
“O rótulo ‘dos dois reinos’ (ou da mão esquerda) originou-se do ensino básico de que Deus governa toda a criação por meio do ‘reino comum’, no qual as pessoas agem pela revelação natural (Gênesis 9; Romanos 1:18-32; 2:14,15), e do ‘reino redentor’ (ou da mão direita), no qual os cristãos são governados por revelação especial. (Gênesis 12)– p. 249
As características do modelo dos dois reinos são:
IVa – “Os proponentes do modelo dos dois reinos, diferentemente dos defensores do modelo contracultural (ou dos petistas), incentivam muito os cristãos a ter profissões ‘seculares’. Todo e qualquer trabalho é uma forma de servir ao semelhante.
IVb – Este modelo de engajamento cultural da igreja diferencia-se do transformacionista quanto à forma de realizar o trabalho no mundo. “Enquanto o trabalho do cristão no reino comum tem dignidade e utilidade, os defensores do modelo dos dois reinos ensinam aos cristãos que eles não devem buscar maneiras ‘caracteristicamente cristãs de realizar tarefas comuns’”. No modelo dos dois reinos a palavra de ordem não é transformar a cultura mas tão-só frear o mal no mundo. Tudo é passageiro e não é mister nosso empenho para modificações. Um ponto de união entre os filósofos dos dois reinos e os contraculturais contra os transformacionistas é que os primeiros, ao contrário dos últimos, acreditam que servir a Deus não implica em restaurar a criação ou levar a cultura a uma direção mais cristã, mas tão somente servir a Deus e ao próximo. Assim, não pode, necessariamente, haver um anfíbio[4] rebelde ou revolucionário; todos são conformados.
IVc – “Os proponentes dos dois reinos diferem não apenas do modelo transformacionista, mas também do modelo contracultural na questão de governo humano e do mundo comercial em geral. Enquanto, para os transformacionistas, o estado secular é um enorme problema e, para os contraculturais, ele é um poço de violência e império, para os anfíbios ele é um estado neutro”, normal, “exatamente como Deus quer”. Isto implica numa mudança da abordagem ou da expectação escatológica, inclusive. Os cristãos não devem se sentir coagidos a interferirem no mercado. O capitalismo, conforme a visão contracultural,  não é demoníaco, e também não o é para os anfíbios; para estes, o mundo comercial não precisa ser redimido, como afirmam os transformacionistas.
IVd – O modelo dos dois reinos é intrinsecamente pessimista quando ao feedback que recebemos, enquanto cristãos, da cultura. Não devemos esperar muito desta vida (Eclesiastes 1:2)[5]. Como disse, certa vez, o multipalestrante brasileiro Marcos Sousa: “Se você age em um ciclo repetitivo, não adianta esperar mudanças”. Ou outro alguém, que disse: “A vida é curta; então curta a vida”. Mas William James discorda quando afirma: “A maior descoberta de minha geração é que o ser humano pode alterar sua vida alterando suas atitudes." E Joseph Campbell: “Devemos estar dispostos a nos livrar da vida que planejamos para poder viver a vida que nos espera.”.
Basicamente, é esta a “cara” do modelo dos dois reinos. Existe uma variegada graduação na qual luteranos, ultracalvinistas e neocalvinistas divergem ou se afastam um pouco um do outro. São correntes paralelas ao fluxo principal. São pequenos córregos que partem de um rio, correm ao seu lado e tornam, ao final, para ele correr.
Depois, Keller começa a sua crítica ao modelo dos dois reinos, dizendo: a) “O modelo dos dois reinos confere mais peso e crédito à função da graça comum do que a Bíblia confere.”, b) “Muito do bem social que os seguidores do modelo dos dois reinos atribuem à revelação natural é, na verdade, fruto da introdução do ensino cristão (...) nas culturas mundiais.”, c) “O modelo dos dois reinos ... ensina que é possível o ser humano ser conduzido por bases religiosas neutras.”, d) “... produz uma forma de ‘quietismo social’.” e e) “... contribui para uma hierarquia muito elevada entre clérigos e leigos.".[6]
É difícil enquadrar quaisquer igrejas pentecostais e neopentecostais no modelo dos dois reinos, pois, de modo geral, estas igrejas são, mutatis mutandi, engajadas politicamente e/ou socialmente. No Brasil, p. e., a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), assim como a ADVEC e outras lançam seus candidatos políticos e seus líderes manifestam-se, de quando em vez, na TV, contra esta ou aquela decisão governamental – inclusive aquelas relativas ao plano econômico. É mais fácil, porém, encaixarmos, neste modelo, a ICAR e as igrejas reformadas ou históricas – principalmente as mais ultracalvinistas.  
Concluindo o capítulo 16, T. Keller afirma que todos estes modelos não são de modo algum estanques ou unívocos na prática sócio-eclesial. Toda esquematização possuirá erros caso a entendamos como sendo predicações limitadoras ou estanques. Igrejas, como a ICAR e a ADVEC, movimentos teológicos, como a TDL, a TL e a MIT, e líderes religiosos, como o Pe. Paulo Ricardo e o Pr. Silas Malafaia, não podem ser encaixados perfeitamente nos modelos sócio-eclesiais de engajamento pois, ao mesmo tempo que atuam como produtores culturais, são produtos da cultura em que estão imiscuídos. Destarte, p. e., no Brasil, a ADVEC, bem como a sua liderança, não é uma igreja puramente transformacionista, nem relevante, nem qualquer outra coisa. O mesmo vale para a ICAR. O mesmo vale para a Igreja! Aliás, a Igreja, mesmo na Bíblia, mesmo na Tradição milenar, sempre foi um caleidoscópio cultural de variações ideológicas enredadas numa mesma trama doutrinal, como uma colcha de retalhos que, não deixa de ser uma e somente uma coisa e não perde as sempre mesmas finalidades. Se, na colcha de retalhos, cada retalho tem seu tamanho, sua cor, sua textura e sua aparência, na Igreja, cada membro e cada denominação tem sua matiz, sua maneira de pregar e aplicar o Evangelho etc, mas sempre não deixando de ser a mesma Igreja, com as mesmas finalidades e, ao modo de um rio, correndo sempre para um mesmo grande fim: Deus!


BIBLIOGRAFIA

KELLER, Timothy. As respostas culturais da igreja. In: Igreja centrada. Vida Nova. São Paulo, Brasil, 2014. [Título original: Center Church: Doing Balanced and Gospel-Centered Ministry in Your City. Grand Rapids. Michigan, EUA.]



[1] Doravante, para não haver conflitos semânticos e para que possamos chegar mais perto do que queremos explicar, adotaremos a seguinte correspondência sinonímica: a) o termo Igreja designa a comunhão (no que possível) material e espiritual das igrejas protestante, católica romana e ortodoxa; b) o termo igreja designa a(s) comunidade(s) eclesial(is) protestante(s) espalhada(s) no mundo, podendo ser entendido aqui b¹) como a atuação geral e uniforme de todas as comunidades eclesiais protestantes (como se fossem uma só coisa, igual e sem mesclas) ou b²) como a atuação de parte ou da maior parte das comunidades eclesiais protestantes do mundo (não representando, portanto, a totalidade); c) a sigla ICAR será usada para representar a atuação da Igreja Católica Apostólica Romana. Ainda se usará a sigla IP para expressar o mesmo que em b¹).
[2] Doravante, para melhor explicitação, entendo que os modelos de engajamento cultural de H. Richard Niebuhr devem ser grafados com hífen.
[3] Assim chamo os seguidores, conscientes ou inconscientes, do modelo da relevância.
[4] Assim eu chamo os filósofos ou teólogos do modelo cultural de engajamento eclesial dos dois reinos de T. Keller. O apodo é devido aos dois modi agendi, operandi, vivendi e cognoscendi de tais cristãos, o que lembra os dois habitat dos animais de sangue frio.
[5] “’Vaidade de vaidades’, diz o pregador, ‘vaidade de vaidades! Tudo é vaidade’.” (ACF).
[6] Há uma diferença qualitativa significativa entre os trabalhos leigo e sacerdotal. Aqui, sobressai o modus operandi católico, romano ou ortodoxo.

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