segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Série CRÍTICA TEXTUAL: "Illa est genuina lectio, quae ceterarum originem explicat.".

"Quando nos deparamos com duas ou mais formas de um texto, a lição que consegue explicar como nasceram as variantes tem muito mais probabilidade de ser a original."

Em 2Samuel 9:7-11, o TM traz "à minha mesa". Porém, parece que o escriba repetiu erroneamente o possessivo "minha" dos vv. 7,10. Assim, no afã de estabelecer nexo, a LXX trouxe "à mesa de Davi" ou "à mesa do rei"; um manuscrito grego tardio traz "à sua mesa"; e a Vulgata "À tua mesa". Portanto, analisando a história da tradução e da transmissão do desta passagem do TM, conclui-se que a única alternativa coerente é "à sua mesa" e que a lição do TM deve ser aceita como a original, se bem que também deve ser modificada para gerar melhor significado. Deste modo, é esta lição (TM) que permitiu - com seu aparente erro de cópia - identificar as demais variae lectiones.

Série CRÍTICA TEXTUAL: "Lectio difformis a loco parallelo praestat conformi."

"Em textos paralelos, uma lição que diverge da do lugar paralelo prevalece sobre a que se lhe conforma"

Há sempre a tendência de harmonizar textos que são paralelos ou muito semelhantes. Assim, quando há diferenças, elas devem ser respeitadas.
O texto de 2Samuel 7:7 se assemelha ao de 1Crônicas 17:6. O primeiro traz "as tribos de Israel", o segundo "os juízes de Israel". Aqui, a LXX prevalece sobre o TM quando opta por "tribos".

Série CRÍTICA TEXTUAL: "Lectio brevior paestat longiori.".



"A lição mais breve prevalece sobre a mais longa."

Assim, em 1 Samuel 5:5, p.e., o TM diz que os sacerdotes de Dagon não punham os pés no templo. A LXX, porém, acrescenta "porque passavam além da soleira" para fazer uma explicação.

Série CRÍTICA TEXTUAL: "Lextio difficilior praestat facilior.".



"A lição mais difícil prevalece sobre uma mais fácil."

Sempre é mais explicável que o escriba ou o tradutor tenha procurado simplificar um texto difícil...

Lectio difficilior: lição atestada (ou conjectura) que se distinga de todas as outras lições atestadas (ou de todas as outras conjecturas) por causa do seu grau de dificuldade ou raridade do ponto de vista morfológico, semântico ou lexical. É um dos critérios do usus scribendi usados na selectio. O editor crítico tenderá a preferir a lectio difficilior, dado entender-se que deverá estar mais próxima do original, pois se pressupõe que, por ser rara e difícil, os copistas a tenham reproduzido com mais atenção, havendo tendência para conservá-la na tradição. No entanto, Fränkel aconselha alguns cuidados na adopção do critério da lectio difficilior: «o que é realmente plausível: que a lição estranha, porque mais difícil, se corrompeu numa mais fácil, ou que, pelo contrário, a lição estranha é difícil porque corrompida?». 

Lectio faciliorlição errada resultante da reinterpretação de uma lição menos comum por analogia com outra mais comum e que lhe é semelhante na forma. Por exemplo, eteridade > eternidade. 

Assim, em Êxodo 32:34 (TM), temos "para aquilo que te disse; já, na LXX, temos "para o lugar que te disse". Neste caso, o TM é preferível como lição mais difícil, e parece que a LXX acrescentou "o lugar" para tornar mais clara a ordem do Senhor.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Síntese da obra salvífica de Jesus Cristo _ Primeira parte: A obra terrena de Jesus Cristo


Material didático: apostila de Teologia Sistemática 2, do Prof. Dr. Nelson Célio Rocha
Aluno Prof. Alan Francisco de Souza Lemos






Síntese da obra salvífica de Jesus Cristo


          O NT pergunta: Quem é Cristo e qual sua função? “Jesus é designado no Novo Testamento de tantos modos, com vários títulos, entretanto, não podendo abarcar a totalidade de sua pessoa e obra, por si somente, num aspecto particular de sua pessoa. Todos os títulos encontram sua unidade na pessoa de Jesus” (p. 57, ls. 8-10).

1          -           A obra terrena de Jesus

a)      O profeta (πρoφήτης, prophḗtēs, איבנ, NABI)
Jesus era o próprio Deus falando, como Profeta. O próprio conceito de profeta, no contexto judaico (p. 58, l.1), cabia muito bem a Jesus: “homens visitados pelo Espírito Santo de Deus, que recebiam de Deus uma vocação particular, segundo se pode verificar no Antigo Testamento”. Este conceito, porém, destoava bastante de outros títulos atribuídos a Jesus e que promanaram das culturas grega e egípcia. Jesus não era um adivinho de adivinhações particulares ou “sob encomenda” (o anunciador do mundo helênico, πρoφήτης), mas falava a todo o povo e, por extensão, a toda a humanidade, em todos os tempos, já que, por ser o Criador, o Redentor e o Consumador de todas as coisas (João 1:3), falou à Criação. Assim também Jesus é o NABI, איבנ, o Áugure-mor que substituiu o alvo da esperança escatológica dos judeus de seu tempo, a saber, os textos dos antigos profetas (Joel 2:28ss). Todos estes profetas apontam para Jesus. Todas as suas profecias, dalgum modo, complementam-se, suplementam-se ou replementam-se no Evento-Cristo. Como o próprio Prof. Dr. Nelson Célio afirma em sua apostila, Jesus não era um profeta, mas o profeta; isto porque seu ministério era redentivo, único, suficiente e exemplar: “Esperava-se para o fim dos tempos um profeta único em que se realizaria toda a profecia anterior” (p. 58, ls. 24,25). Além disto, é no Evento-Cristo que todos os outros eventos históricos, todas as profecias, enfim, toda a Revelação ganha o completo e verdadeiro sentido, pois Ele é a consumação de todas as coisas (Mateus 13:40, 49; 28:20; Romanos 9:28; 1Coríntios 2:9; Hebreus 5:9; 9:26; 12:2; 2Pedro 3:10), como nos admoesta muito bem Horácio Simian-Yofre, citando o então cardeal Josef Ratzinger[1]:
“O princípio que funda essa continuidade é que somente a finalidade obtida e um processo permite entender o próprio processo. O ‘sentido que se manifesta no fim do movimento vai além do sentido que se podia extrair em qualquer etapa do percurso’ (p. 119). Na terminologia escolástica, isso significaria que a causa final precede à inteligibilidade das causas eficientes. Transferindo esse princípio à compreensão da história, pode-se concluir legitimamente que ‘a ação de Deus surge... como princípio de inteligibilidade da história’ (ibid.). Transferindo uma vez mais esse princípio ao estudo da Bíblia (sic), significaria que ‘o princípio que confere sentido à história é o evento histórico do Cristo... Toda a história e toda a Escritura devem ser pensadas a partir dessa ação’ do Cristo (ibid.)” – grifo meu.
Importa, outrossim e destarte, atinar para o fato conhecido de que, na cultura judaica do início do primeiro milênio, era comum a expectativa do retorno ou da revisitação dalgum profeta antigo; por isto, muitos diziam que Jesus era Elias ou mesmo João Batista) – cf. Mateus 16:15ss e par.; Deuteronômio 18:15; Malaquias 4:5; Atos dos apóstolos 3:22ss; 7:37). Assim, “A ideia do retorno à terra do mesmo profeta contribuiu para favorecer a certeza de que Jesus voltaria no fim do mundo” (p. 58, ls. 35,36) – o profeta do fim dos tempos (Mateus 21:46; 23:37; Marcos 6:4,14; Lucas 7:16). Assim, as obras de Jesus são as mesmas que os textos judaicos atribuíam à figura do profeta: operação de milagres, juntar as tribos de Israel, vencer as potências deste mundo e lutar contra o anticristo (p. 61, ls. 26-28).
A figura do profeta se atrela à do servo sofredor quando entendemos que, para o áugure divino, o sofrimento não é mais que uma consequência de sua pregação. É a característica principal do mártir cristão: sua pregação e seu ensino prendem-se por completo ao ato de ter consciência de que é necessário sofrer e morrer por seu povo.

b)     O servo de Deus (“Ebed Yahvé”, O Servo de Deus)
          Jesus, como Servo de Deus, não abriu sua boca (Servo Sofredor – cf. Isaías 53). Como diz o autor: “Servo de Deus é um dos títulos mais antigos relacionados à pessoa e à obra de Jesus” (p. 57, l. 12). Este segundo “ministério” de Jesus pode ser grosso modo sintetizado no conceito de substituição (à luz do sacrifício substitutivo judaico antigo no qual o cordeiro, imolado, morto, era o sucedâneo do pecador, levando sobre si os pecados deste último.
          A figura do Ebed Yahvé pode ser analisada, diacrônica e sincronicamente, de duas maneiras: no judaísmo e no cristianismo antigos.
          Quanto ao judaísmo antigo, no AT, pode-se encontrar tal personagem nos seguintes textos: Isaías 42:1-4; 49:1-7; 50:4-11; 52:13-53:12 (textos do Dêutero ou mesmo do Trito-Isaías). “Estes textos são importantes para se compreender o significado do batismo de Jesus, e também porque o Evangelho de Mateus contém citações de Isaias (Mt 12.18ss)”. Malgrado tentarem atrelar o Servo do Senhor ao Filho de Davi ou ao Moisés redivivo, ao próprio profeta-protagonista ou a uma especificada coletividade (Isaías 49:3) – como era comum no pensamento semita -, é de maior consenso que a figura do Servo aponta para Cristo; a maioria não tem a menor dúvida sobre isto.

“A história da salvação se desenvolve do começo ao fim segundo o princípio da substituição, segundo a forma de uma redução progressiva: da criação total, se passa à humanidade; da humanidade ao povo de Israel; do Povo de Israel ao resto; do remanescente a um só homem, Jesus.
Esse desenvolvimento da história da salvação é prefigurado pelo Ebed Yahvé, que é por sua vez: ‘resto’ e ‘indivíduo’.
O Ebed Yahvé é o Servo de Deus que sofre. Pelo seu sofrimento se substitui a um grande número de homens que deveriam sofrer em seu lugar. Assim, a Aliança concluída por Deus com seu povo é restabelecida, graças à obra substitutiva do Ebed. Ele é o mediador [2]  desta aliança.” (pp. 57,58).

          Assim, “O sofrimento do Profeta é consequente da sua pregação; já o do Ebed Yahvé é consequente de sua missão” (p. 58). Da mesma maneira, Jesus, como o Bom Pástor (João 10:8,12,18), “dá a vida pelas ovelhas”, e isto não é aceito pelos judeus, por não concernir ao modelo messiânico político. Jesus sabia que deveria morrer (Marcos 2:18ss)
            Já quanto ao cristianismo primitivo, são poucas as passagens bíblicas que esboçam Jesus como o Servo de Deus: Mateus 8:16ss (cf. Isaías 53:4); João 1.29; 2.19ss; 3.14,16; 10.11,17; 1Pedro 2:21; Romanos 5:12ss; 10:16; 15:3, 21; 1Coríntios 5:7; Filipenses 2:6ss, 19 (cf. Isaías 53:11). Em todas elas, os hagiógrafos neotestamentários mostram Jesus como o Cristo Sofredor, que cura e caminha valorosamente para seu martírio[3].
“Podemos afirmar que em Atos temos a solução mais antiga do problema cristológico (At 8.26). Prova que Jesus havia sido explicitamente identificado como o Ebed Yahvé no Sec. I, e que o próprio Jesus havia compreendido a sua missão” (p. 60)
            Desta maneira, o NT propõe a inseparabilidade entre a cruz e a ressurreição. A cristologia do Servo é a principal chave de leitura cristológica.
“A noção do Ebed Yahvé caracteriza a obra e a pessoa do Jesus histórico de uma maneira perfeitamente concorde ao testemunho cristológico do Novo Testamento.
A obra do Ebed Yahvé, por si mesma, basta como obra terrena, que anuncia em virtude de seu caráter decisivo as consequências que têm mais a ver com a obra terrenal de Jesus. Pode, perfeitamente, aliar-se às noções que fazem ressaltar a obra do Cristo presente, futuro e pré-existente” (p. 61).
               
           
c)      O Sumo Sacerdote (ἀrcieres)

Como Sumo Sacerdote, Jesus foi sacrificante e sacrifício simultaneamente. A figura do Sumo Sacerdote é judaica. Relaciona-se somente com o ministério terreno de Jesus[4] e é tipo do lendário Melquisedeque (Gênesis 14:18ss; Salmos 110:4; Hebreus 7). Mas Jesus não é apenas o Sumo Sacerdote; é também Rei; por isso, muitos O consideraram o Rei-Sacerdote, figura próxima a do Mestre da Justiça (Testamento dos Doze Patriarcas, Levi 18).
“O judaísmo conhecia um sacerdote ideal que devia consumar ao final dos tempos o sacerdócio judaico, como único e verdadeiro sacrificador.
O Sumo Sacerdote, o verdadeiro mediador entre Deus e o seu povo, ocupava uma posição soberanamente elevada. O judaísmo possuía na pessoa do Sumo Sacerdote um homem que já podia satisfazer, dentro do quadro cultual, a necessidade do povo, de um contato com Deus.  Mas, o sacerdote existente decepcionava as altas esperanças do povo. O povo aguardava com ansiedade um novo tempo, onde haveria a consumação de todas as coisas.  Destarte, é importante perceber como essa noção do Sumo Sacerdote foi transferida para Jesus” (p. 63).
            Eis outros textos utilizados: Mateus 12:6; Marcos 14:58; João 2:19,21.
“Jesus critica a prática sacerdotal que não condiz com a realidade do Reino de Deus. Essa crítica fazia parelha com a esperança de um sacerdote ideal, segundo o Salmo 110, que enfatiza o ‘Sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque’. É um competidor contra o Sumo Sacerdote.
Esse tipo de sacerdote a Igreja identificou na pessoa de Jesus, o cumprimento do Salmo 110, constituindo-se importância capital para a Igreja Primitiva. Assim, foi de grande importância para o desenvolvimento da consciência que Jesus passou a ter de si mesmo: sabia que ele era o Rei-Sacerdote ‘segundo a ordem de Melquisedeque’” (p. 63).
               
Para os judeus, o sacerdócio era passageiro e imperfeito, mas, em Jesus Cristo, anunciou-se o sacerdócio que sobrepuja a imperfeição, como Hebreus mostra.



[1] “L’interpretazione bíblica in conflito”, tradução a partir do francês de seu texto original “Schriftauslegung im Widerstreit. Zur Frage nach Grundlagen und Weg der Exegese heute” em RATZINGER, J. Schriftauslegung im Widerstreit (Quaestiones disputatae 117), Feiburg-Basel-Wien, 1989, pp. 15-44. In: SIMIAN-YOFRE, H (Org.).  Metodologia do Antigo Testamento, 2ª edição,  Loyola, São Paulo, 2000, p. 22. [Título original: Metodologia dell’Antico Testamento, Centro Editoriale Dehoniano, Bologna, 1994.]
[2] Cf. a função do Mediador em de João Calvino: As Institutas ou Tratado da Religião Cristã, Volume II, páginas 101-127 e 230-300. O autor afirma que Cristo é único Mediador da redenção da humanidade eleita.
[3] Dietrich Bonhoeffer im August, teólogo-mártir alemão nascido em 1906, em sua obra Tentação [Versuchung. Bearbeitet und hrsg. von Eberhard Bethge. 3. Auflage. Kaiser, München 1956], vê, no Ebed, o Cristo Pro Nobis, isto é, para / por nós.
[4] Os adventistas, porém, creem que este sacerdócio jesuíno ganha complemento na sua “atividade” no céu, onde Ele prepara o Santuário Celestia para nós.

EXEGESE DA SEGUNDA EPÍSTOLA UNIVERSAL DO APÓSTOLO SÃO JOÃO


Minhas observações sobre 2Jo.



            Pela exiguidade das duas últimas epístolas de João, dificilmente, estes textos seriam conservados no cânon. Porém, como a elas muitos autores antigos fizeram referências, como Policarpo (Phil. 7,1), Irineu (Adv. Haer. 1,16), o cânon Muratori, Tertuliano (De Carne Christi, 24), Prisciliano, Rufim, Agostinho etc., permaneceram na Bíblia.
            Segundo os estudiosos, esta epístola foi escrita por volta do ano 90 d.C.
Embora haja dúvidas quanto ao autor (ou autores) do material joanino (corpus joaninum) - o evangelho, as epístolas e o Apocalipse -, nas introduções, as três epístolas, são normalmente tratadas como uma unidade. Esta análise, que, agora, propomos, foca-se na Segunda João, mas, sempre que nos parecer necessário, agrupá-las-emos, pois não há qualquer razão convincente de que não provieram todas as três da mesma escola de tradição, ainda que mais de um autor tivesse se envolvido em sua escrita.
Tal como no caso das cartas Aos Hebreus e De Tiago, ainda que a primeira epístola de João seja chamada de “epístola”, nada há de epistolar na mesma. Mais, provavelmente, trata-se de um tratado, de uma dissertação, que visava uma situação particular na igreja, e não uma congregação ou um grupo de congregações cristãs, como se dá no caso de uma carta. Em contraste com isso, Segunda e Terceira João são, definitivamente, dotadas de natureza epistolar. A atração de todas as três, contudo, reside na simplicidade e no poder de seu testemunho, no sentido que Deus é amor (ἀgάph), e que a verdadeira espiritualidade consiste no amor. Estas cartas também atacam a heresia gnóstica incipiente; e, assim, juntamente com as chamadas epístolas pastorais, I e II Timóteo e Tito, II Pedro, Judas e Colossenses (e talvez até mesmo Efésios), elas se tornaram parte do que se tornou conhecido por literatura de heresia, isto é, a porção do N.T. que foi escrita para combater as primeiras heresias que surgiram no seio do cristianismo.[1] Essas epístolas de João também vieram a ser classificadas junto às epístolas católicas, alinhando-se ao lado das epístolas de Tiago, de I e II Pedro e de Judas. Todas elas recebem essa designação. O significado ordinariamente dado ao termo católica, quando aplicado a essas epístolas, é que tencionavam ser universais, ou seja, foram dirigidas à igreja em geral, ou ao cristianismo de uma área geral, e não a alguma comunidade cristã em particular e muito menos, ainda, a algum indivíduo isolado. Esta concepção patrística, porém, será contestada e modificada, mais tarde, por exegetas modernos.
2Jo foi citada pelos primeiros padres da Igreja, quer diretamente, quer indiretamente. Devemos saber distinguir os ecos e as influências literárias do material em comum e das citações diretas. Nunca será fácil perceber se algum dos pais da igreja cita uma obra diretamente, a menos que se faça uma tradução de palavra por palavra, ou se houver a identificação de suas palavras como uma citação. No caso das epistolas católicas somente I Pedro e as epístolas joaninas gozam de confirmação verdadeiramente antiga (antes do século III d.C.). No caso de I João, há citações extraídas dos manuscritos dos primeiros pais da igreja, embora não exista qualquer afirmativa de que o apóstolo João a escreveu, senão já no fim do segundo século de nossa era. No caso específico de 2 João, o Cânon Muratoriano (180 d.C. a 200 d.C.) arrola-a como obra canônica e joanina (junto com as duas outras epístolas). Este Cânon Muratoriano foi aceito por Orígenes, Clemente e seus sucedâneos alexandrinos. A segunda e a terceira epístolas são alvo de dúvidas desde o início, talvez devido à brevidade de sua extensão.
Assim, por exemplo, o capítulo sétimo de Ad phillipensis de Policarpo de Esmirna se assemelha a 2Jo 7. Alguns especialistas dizem que 2Jo inspirou Policarpo, que teria sido seu discípulo direto; outros, que Policarpo inspirou João. Irineu também faz citações extraídas da segunda epístola de João, quando se refere aos pseudoprofetas de 2Jo 7,8. Desta maneira, nos primeiros séculos do primeiro milênio depois de Cristo, a patrística não pode dar nenhuma confirmação peremptória a respeito da autoria da Segunda epístola de João. Estudiosos posteriores se dividiram entre a) aqueles que viam, no Evangelho e na Primeira Carta, o mesmo autor, b) aqueles que viam, na Segunda, na Terceira e no Apocalipse, o mesmo autor e outros, com suas variadas propostas – quase todas as combinações foram algures propostas. Não há maneira certa de alguém resolver o problema de autoria dessas epístolas. Devemos observar que, no tocante às epistolas de João e ao livro de Apocalipse, não há qualquer declaração, nessas obras, de que foi o apóstolo João quem as escreveu; e isso nem ao menos foi sugerido até o fim do século II d.C. Portanto, sem importar o que cremos sobre a autoria desses livros, tal crença deve repousar, pelo menos em parte, sobre a tradição ou conjectura, porque nenhuma evidência interna serve para comprovar qualquer coisa. O material joanino, além do evangelho de João, desde tempos antigos, vem sendo atribuído a João, filho de Zebedeu, o mesmo João que repousou a cabeça no peito de Jesus (João 13:25) e estava ao lado de Maria, mãe de Jesus, aos pés da cruz (João 19:25-27), segundo a Tradição; mas há estudiosos que o têm atribuído ao João aludido por Papias, o ancião de Éfeso (que não era o apóstolo do mesmo nome). E ainda outros estudiosos, nos tempos antigos, não faziam qualquer ideia quanto à sua autoria, conforme nos mostra Orígenes, nos meados do século terceiro de nossa era. Outros preferem que o autor seja João Batista (esta proposta, todavia, enfrentaria várias dificuldades, como o fato deste João ter morrido bem antes de Jesus). Se a autoria é contraditória, não menos é a datação. Os estudiosos dividem-se entre algumas datas possíveis no século primeiro e no segundo. As nuances que contribuem e interferem na exegese de 2João são muitas e não serão contempladas todas aqui, pois exigiria mais espaço e não é nosso objetivo.
Mais polêmica, talvez, seja a discussão que se dá em torno dos destinatários da segunda carta. A priori, todas as três epístolas de João parecem ter sido destinadas às comunidades eclesiais da Ásia Menor, onde vários membros seriam conhecidos do autor sagrado; mas, como vimos acima, 1Jo possui uma redação típica de uma exposição universal, não de uma carta; e a Segunda Epístola Católica do Apóstolo João, como veremos, pode não ter sido escrita para uma pessoa ou alguma comunidade local. A tradição universal, porém, diz que estas epístolas foram enviadas à província romana na Ásia, território atualmente correspondente à Turquia. As principais cidades dessa área seriam aquelas sete que figuram no Apocalipse: Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia, além de Colossos e Hierápolis. Para essa área em geral também foram enviadas a primeira e a segunda epístolas de Pedro e a epístola de Judas. Com esta análise, a possibilidade de o destinatário de 2Jo ser uma comunidade eclesial da Ásia ganha força. Estas cartas teriam o propósito de combater o protognosticismo nascente. Portanto, a literatura de heresia surgiu a fim de combater os assédios dos gnósticos naquela região, além de dar instruções éticas necessárias aos crentes dali (o que parece corroborar com o conteúdo e as intenções comunicativas do autor de Segunda João). Apesar de não haver evidências esmagadoras em favor da Ásia Menor, como destino, esse destino simplesmente não tem rival. Alguns poucos manuscritos trazem títulos que destinam as epístolas de João a parthos. Mas não há qualquer tradição que vincule João aos partas (antigo reino a sudoeste do mar Cáspio). Clemente de Alexandria aludiu a essas epístolas como escritas às “virgens”, e alguns estudiosos têm conjecturado que parthos seja abreviação ou corruptela de parthenos (virgem). Mas outros dizem que parthenos teria sido uma explicação para um original parthos. Agostinho repetiu a identificação de parthos como o destino dessas epístolas. Mas todas essas tradições são mal definidas e envolvem obscuridades. Em todo o caso, especificamente sobre a Segunda epístola católica de João, este problema volta-se para o sintagma nominal Senhora Eleita (Ἐklekt kurίᾳ, Eclectḗi cyríai). Muitos estudiosos viram, neste destinatário, uma mulher mãe de filhos e, provavelmente, chefe de uma comunidade cristã. A maioria dos especialistas, porém, atribuem esta misteriosa designação a uma comunidade eclesial – o que afastaria o estilo do início desta carta da designação “Anjo” encontrada no Apocalipse e que se refere ao guardião celestial da comunidade, e não a um homem comum, um pastor ou líder local (p.e., Ap 2:12). Tanto Anjo (ou anjo) quanto Senhora Eleita aparecem como elementos de interlocução nestes livros, e, se lastrarmo-nos na hipótese de que o mesmo João que escreveu o Apocalipse foi o mesmo que escreveu a Segunda Carta, soaria improvável que o autor usasse dois semelhantes elementos de interlocução com dois significados diferentes, ou seja, Senhora Eleita como uma comunidade local e Anjo como um indivíduo guardião celeste. Esta análise, portanto, daria força a autorias diferentes. No que pesa à hipótese de a Senhora Eleita ser uma mulher, o “anjo” de Apocalipse 2:12 guarda, ao menos, uma semelhança: ambos são um só indivíduo. Agora, diferentemente, esta análise daria força a autorias iguais. E agora? Como sair deste impasse? Propomos que o elemento peremptório para acusar a melhor alternativa seja o conteúdo da carta. No que pesa à hipótese de a Senhora Eleita ser uma comunidade, está, a favor, o argumento de que os problemas eclesiológicos tratados na carta se acomodam melhor a esta possibilidade de interpretação, e, sendo assim, a possibilidade de o destinatário de 2João ter sido uma comunidade eclesial é mais provável.
Segundo a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB -, a Segunda Carta de João é, na verdade, um “bilhete de amizade da parte do Ancião (no caso, João) de uma comunidade (a Irmã Eleita do derradeiro verso) à outra comunidade, a que ele quer bem e chama de Senhora Eleita (título que se refere ao povo de Deus”. Esta Irmã Eleita, segundo a Bíblia de Jerusalém, em nota, provavelmente seria a igreja de Éfeso, que, segundo comentário exegético da Nova Versão Internacional, seria capitaneada pelo próprio apóstolo João.
Na segunda e na terceira epístolas de João, o autor sagrado, chama a si mesmo de ancião, mas sem dar qualquer indicação que esclareça tal posição, pelo que tais epístolas são sinônimas. A primeira epístola de João, porém, nem ao menos alude ao ancião... Os falsos mestres gnósticos estavam conseguindo grandes conquistas na igreja, e tinham de sofrer oposição. Estavam reduzindo o Cristo anunciado pelos apóstolos, o Verbo encarnado, o Deus-homem, a mera emanação angelical de Deus. Negavam a realidade da encarnação, e viam o Espírito-Cristo meramente como um dos sombrios éons, o qual, por ocasião do batismo de Jesus de Nazaré, teria vindo possuir-lhe o corpo, usando-o como seu instrumento, até à sua crucificação. Por ocasião da morte, o éon teria abandonado a Jesus, pelo que sua morte, quando muito, teria sido a de um mártir por uma boa causa, mas sem valor como expiação. Os gnósticos, por conseguinte, degradavam tanto a pessoa como a obra de Cristo. Em lugar de Cristo, apresentavam um pseudocristo, dotado de uma missão diferente; um anticristo, assim como eles próprios! Alguns líderes cristãos tinham sido conquistados para os pensamentos dos gnósticos, e assim um evangelho não-cristão estava sendo impingido à igreja. Diótrefes (ver 3João 9), que assumira poderes ditatoriais sobre a igreja da região da Ásia Menor, provavelmente era um dos principais proponentes do gnosticismo da igreja. O que esse homem foi capaz de fazer, o que é descrito em 2João 9-11, demonstra a natureza crítica do problema que era enfrentado. O trecho de 1João 2:19 mostra, entretanto, que os verdadeiros crentes tinham obtido certa vitória sobre os mestres falsos, porquanto muitos deles tinham rompido comunhão com a igreja cristã. Os versículos sétimo a décimo primeiro mostram que a doutrina dos gnósticos se espalhara por muitos lugares da Ásia Menor, através de pregadores itinerantes, que se aproveitavam da boa vontade e da hospitalidade natural dos cristãos primitivos. Foi mister que o ancião advertisse à igreja que os supostos evangelistas-itinerantes de modo algum eram representantes da tradição apostólica. A igreja cristã foi avisada, pois, a não dar hospitalidade a tais homens, e a segunda epistola de João foi escrita essencialmente como advertência contra esses itinerantes pregadores gnósticos, embora o seu conteúdo não verse exclusivamente sobre esse tema. A presente epístola, naturalmente, é a mais polêmica de todas, mas polêmicas também são as demais epístolas joaninas. O grande tema do amor é novamente salientado (ver os versículos quarto a sexto); mas, devido à sua extrema brevidade, somente esse tema, além daquele que trata da defesa da verdade cristã contra os assédios da heresia, é abordado nesta epístola. E, agora, no nosso trabalho.
A epístola inicia com o sujeito ὁ presbteroς, ho presbyteros, que pode ser um ancião ou líder da comunidade destinatária da carta, mas muitos enxergam, nesta expressão, uma ligação com o autor do evangelho. Há uma tendência, por parte de muitos, que este ancião seja uma espécie de bispo ou supervisor da Igreja antiga, o que preludiaria a figura do bispo católico na modernidade.
Este presbítero tem como preocupação premente orientar seus leitores a permanecerem na verdade[2], outrora, anunciada, a estarem firmes na vontade e nas determinações passadas e cultivarem a prática do amor.
Para o ancião, a igreja era algo amado; ou então a matriarca Eleita Kiria era assim chamada. Se, porventura, está em foco uma pessoa literal, então suas obras eram de tal natureza que toda a igreja da Ásia Menor assumira para com ela grande dívida de gratidão, que o ancião, agora, reconhece. No original grego, a palavra oὕς, quem, é plural, de tal maneira que tanto a senhora como seus filhos são, aqui, chamados amados. Na tradução para o português, esta palavra pode ser traduzida pela expressão aos quais.
Aqueles que conhecem a verdade são os membros da igreja, em contraste com os hereges gnósticos, os quais pervertiam a verdade (vv. 7 e 11). Todos os crentes verdadeiros amavam a essa senhora eleita, Eleita Kiria. Esta porção do versículo favorece um pouco a interpretação literal, no sentido que uma mulher está aqui endereçada, porquanto, doutro modo, a igreja seria retratada como quem ama a si mesma. Naturalmente, isto é um uso possível, embora improvável. Além disto, isto indicaria que as outras igrejas estimavam a comunidade cristã da Ásia Menor, amando-a como comunidade de crentes.
Por causa destes periclitantes gnósticos, o ancião afirma a urgência de se permanecer na verdade. Mas este clamor não se dirige a quem não sabe o que é a verdade, mas àqueles que já sabem que ela é a genuína fé cristã, o evangelho apostólico, em contraste com o sistema falso dos gnósticos.
A palavra verdade figura cinco vezes nos versículos primeiro a quarto, e, se o uso que se faz desta palavra se assemelha ao que aparece em 3João, onde ela é precedida pelo artigo definido, isto apontaria para o próprio evangelho ensinado pelos apóstolos o qual retinha a verdadeira doutrina de Cristo, que é a Verdade personificada (João 14:6). Mas, somando as ocorrências deste vocábulo no evangelho e nas epístolas, ao todo, verdade aparece 74 vezes!
A fidelidade das comunidades à verdade apostólica garantia a genuína solidariedade, e o amor. Ao passo que aqueles protognósticos mascaravam esta verdade, deturpando-a À medida que limitavam e minoravam a pessoa de Cristo, bem como sua missão e seu messianismo de serviço.
Consoante se percebe no versículo 2, a verdade habita e permanece nos crentes e, assim, é potente para transformar o caráter e dissolver a confusão.[3] A verdade, na qualidade de poder residente e permanente, que nos leva a nos amarmos mutuamente. A verdade é a base do amor.
Todas as transmissões e benefícios divinos são conferidos em amor, sendo essa a base dessas bênçãos, não menos que a verdade (João 3:16; 1João 4:8). O amor é nota essencial desta carta. Nos versos 4 a 6, o hagiógrafo se ocupa do mandamento do amor, assunto já exposto à exaustão na primeira carta.
O autor ordena que os seus leitores amem-se uns aos outros e coloca a prática caritativa como prova da autenticidade da identidade cristã (conditio sine qua non). Todavia, este mandamento joanino não isenta a comunidade de recusar hospitalidade aos falsos mestres. Amar (em grego, ἀgapάw; agapáō, transliterado para caracteres latinos), é uma das palavras que podem expressar o conceito de amor no Novo Testamento.gapάw indica uma ligação racional e judiciosa fundamentada na convicção de que seu objeto é digno de estima ou merecedor desta por conta de benefícios concedidos. Φilέw (philéō) representa um sentimento mais caloroso, mais instintivo, mais intimamente ligado ao sentimento e envolve mais a paixão. Por isso, ἀgapάw é representado pelo termo latino dĭlīgo, que possui a mesma raiz de dĭlĭgentia, ou seja, palavras que explicitam uma característica de racionalidade e vontade; assim, a ideia fundamental de dĭlīgo é seleção, a escolha deliberada, com fundamentos suficientes, de um entre muitos como o objeto de estima.[4]
Assim, filέw enfatiza o elemento afetivo do amor, e ἀgapάw, o elemento racional, inteligente – aliás, racionalidade e inteligência são características intrínsecas à verdade, bem como requisitos mínimos para sua distinção. Em Mateus 22:37, em 1Coríntios 8:3 e aqui, em João, os homens são ordenados a ἀgapn, agapân, isto é amar. Mas amar conforme o significado que o verbo possui no infinitivo presente ativo: amar e estar amando, ou seja, o amor como ato contínuo e progressivo.
Em nenhuma outra passagem bíblica, verdade e amor justapõem-se num mesmo sintagma nominal.
João também não usou ἐrάw, eráō, a paixão sensual, vocábulo do qual fazem uso Platão e os neoplatônicos.




[1] Mais informações sobre esse combate contra as heresias bem como suas especificidades podem ser encontradas em CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo. Vol. 6. Candeia, 1996. Págs. 304-313; e _____________. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Vol.3. Hagnos, 2001. Págs. 530-554.
[2] lqeia, em grego, alḗtheia, transliterado para caracteres latinos, verdade ou realidade, na tradução para o português. Na Grécia, definia-se verdade como sendo algo real, em oposição ao falso e ao irreal (ver ROBINSON, E. Léxico grego do Novo Testamento. CPAD, Rio de Janeiro, 2012.). Assim, nota-se com mais profundidade, a preocupação do autor com os ataques docetistas à comunidade eclesial destinatária da carta. Para ele, verdade é a revelação de Deus em Jesus Cristo.
[3] Mais passagens que tratam da verdade: Gálatas 2:5; 3:1; 5:7; Efésios 1:13; 4:21; Colossenses 1:5; 2Tessalonicensses 2:10,12,13; 1Timóteo 2:4; 4:3; 2Timóteo 2:18; Tito 1:4
[4] O termo dĭlīgo aparece na Vulgata, em 2Jo, flexionado também na primeira pessoa do plural: dĭlīgimus. Ou seja, o autor, primeiramente, coloca-se como modelo (atitude típica de um líder ancião) quando usa dĭlīgo, para requisitar a mesma atitude de amor racional e justo (agapáō) de seus interlocutores.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

O Prof. A. F. Lemos prova irrefragavelmente a "existência" de Deus


Livro: Fundamentos inabaláveis



Capítulo 8: Projeto inteligente

No capítulo 8 (Projeto Inteligente) do livro Fundamentos inabaláveis, os autores Norman Geisler e Peter Bocchino trazem a questão bastante polêmica da origem do universo e da vida. Durante este capítulo, os autores procuram apresentar, de maneira honesta e didática, as principais teorias científicas que tratam da origem do cosmos, entre as quais aquelas que intentam atrelar a Ciência à religião. Todavia, ao longo do texto, os autores deixam clara a sua posição criacionista, bem como a sua predileção pelo modelo progressivo de projeto inteligente das origens.
Com base na tese defendida pelos autores, uma das possibilidades de abordagem do capítulo é aquela que estabelece que o mesmo está apoiado em dois elementos de sustentação: a ordem criada e o Criador.
De posse destas informações, após a leitura do capítulo oito do livro e com a ajuda dos conhecimentos teológicos e filosóficos adquiridos ao longo do curso de Teologia, responda: é possível provar a existência de Deus? Se sim, justifique sua resposta procurando fundamentar seus argumentos na relação criatura x Criador.

RESPOSTA
Sim, é possível provar a existência de Deus! Mas permita, primeiro, que eu estabeleça minhas premissas e mostre as bases de minha argumentação.
Logo no introito do oitavo capítulo de Fundamentos inabaláveis, chamou-me a atenção a epígrafe de Gênesis 1:1: “No Princípio criou Deus os céus e a terra”. Temos, aqui, logo no primeiro verso da Bíblia, a afirmação do Criador (Deus) e da criação (tempo = “Princípio”, “céus” e “terra”). É daqui que partimos para postular a defesa da existência de Deus através da observação da ordem criada. 
Os autores não se preocupam muito em provar a existência de Deus, pois este não é o objetivo dos mesmos, mas, mesmo assim, creio que isto seja uma demanda premente e inevitável, que surge com a leitura do livro. Na p. 177, vemos os autores afirmarem que é irrefragável a existência de uma “causa inteligente” (l. 3). Esta afirmação faz rolar a pedra-de-avalanche capaz de orientar toda a nossa resposta. Ainda no primeiro parágrafo, o autor fixa as bases comprobatórias iniciais que sustentam sua tese ao longo do texto:
“Os princípios da causalidade e da uniformidade, a lei da complexidade especificada e a teoria da ciência da informação nos mostram que a primeira forma de vida deve ter tido uma causa inteligente. Ademais, a ciência operacional demonstrou que as mutações não podem produzir nenhuma nova informação necessária para produzir inovação biológica. Além disso, as evidências observáveis confirmam que há limitações naturais à mudança genética que dá suporte à microevolução, mas não há nenhuma evidência (científica, paleontológica nem nenhuma outra) que dê suporte à declaração de que a microevolução possa ser extrapolada para o nível da macroevolução. A paleontologia confirma que o aparecimento abrupto das primeiras formas de vida (...) se deveu a uma curta e rápida explosão global de vida. Desse ponto em diante, a paleontologia também confirma que todas as outras novas formas de vida aparecem muito abruptamente como mostra o registro fóssil.” [p. 177 – grifo nosso]
            Evidências, teorias e hipóteses... Isto pode ser questionado, mas princípios e leis são imutáveis. E os autores falam de uma lei que nos chama a atenção, a lei da complexidade especificada. De modo geral, a complexidade irredutível afirma que há estruturas biológicas que não poderiam ter evoluído de um estado mais simples – mais a frente, veremos como a filosofia tomista pode ajudar a provar isto. Uma célula, por exemplo, é composta de centenas de máquinas moleculares complexas. Sem elas, a célula não funcionaria. Por isso, a célula é irredutivelmente complexa: ela não pode ter evoluído de um estado mais simples, porque não funcionaria em um estado mais simples, e a seleção natural só pode optar por características que já estejam funcionando. Behe dá o exemplo de uma ratoeira, que costuma ter cinco partes: uma base de madeira para sustentar o dispositivo, um martelo metálico para atingir o camundongo, uma mola para acionar o martelo, uma lingueta para soltar a mola e uma barra metálica que prende o martelo. Sem uma dessas partes, o dispositivo é inútil. Portanto, uma ratoeira é irredutivelmente complexa.
Em biologia, Behe considera o flagelo bacteriano um sistema irredutivelmente complexo. A comunidade científica responde à complexidade irredutível dizendo que, embora seja verdade que a seleção natural só pode optar por características que já estejam em funcionamento, essas não têm que estar em sua forma atual. É possível que elas estivessem desempenhando outras funções quando foram escolhidas como vantajosas para sua função atual.
No exemplo da ratoeira, os cientistas ressaltam que, se removermos a lingueta e a barra metálica, teremos um prendedor de gravata. Se removermos a mola, teremos uma argola de chaveiro. Eles também alegam que a ciência já descobriu que um grupo de proteínas que compõe os flagelos bacterianos é usado por determinadas bactérias para uma função completamente diferente. Ele age como um tipo de "bomba molecular" na membrana bacteriana.
O biólogo Kenneth Miller afirma: "A questão que a ciência há muito compreendeu é que as peças de máquinas ditas irredutivelmente complexas podem ter funções distintas, mas ainda assim úteis. A evolução gera máquinas bioquímicas complexas ao copiar, modificar e combinar proteínas previamente usadas para outras funções" (BENTO XVI, 1927).
Deste modo, ao longo de todo o capítulo, os autores procuram assentar sua exposição em cima destas bases comprobatórias científicas. Acho que devemos enaltecer o esforço destes autores em defender o criacionismo de modo inovador, incomum e, não obstante, perfeitamente coerente com as Escrituras. É uma verdadeira teodiceia positivista! Mas, ainda assim, parece-nos que a exposição dos autores, no capítulo oito, apesar de atender ao objetivo proposto, solicita uma complementação, uma explicação suplementar que elucide melhor e assente definitivamente as bases probatórias da existência de Deus. Não há como ler este capítulo e não ser instigado a inquirir se há Deus, se é preciso que Deus exista, se é possível provar tal existência, se as coisas que vemos são realmente obra de uma Inteligência Superior e se é possível conhecer as características desse Ser superior. Acredito que, aqui, podemos fazer uso dos conhecimentos filosóficos e teológicos que adquirimos ao longo do curso de Teologia para, terminantemente, provar a existência de Deus! E julgo poder fazer isto, partindo da observação da ordem criada, de suas leis biológicas, da filosofia peripatética, tomista, socrática e platônica.
            Malgrado, durante a leitura, possamos ver expressões como “Todas as evidências mostram” (p.178, l. 5), “Pretendemos mostrar que do ponto de vista comprobatório” (p. 178, l.12), “queremos apenas mostrar que o modelo de projeto é cientificamente sólido” etc., sabemos que, de modo algum, os autores menosprezam os argumentos filosóficos, ou as vias probatórias da existência de Deus, como se depreende do fragmento abaixo, extraído da p. 180:
“Somos obrigados a concluir que a vida humana, como a vemos, só pode ser explicada como resultado direto de um ato especial de criação tal como registrado nos primeiros capítulos do livro de Gênesis (sic)”
            Neste textículo, vê-se, implicitamente, que é mister uma explicação científica das origens que abra espaço, também, para a análise metafísica dos fatos, e é aqui que entram a Filosofia e a Teologia.
            Passemos, então, às provas metafísicas da existência de Deus, a fim de fornecer um material suplementar à leitura do capítulo oito e estabelecer uma relação de causa x efeito entre Deus e a criação.
            Segundo o professor Orlando Fedeli, há duas coisas que não podem ser provadas: o que é evidente (pois é “vidente”, óbvio, truisticamente notável e, portanto, dispensa o esforço racional) e o mistério (pois é insondável e, assim, não pode ser analisado racionalmente); seja como for, em ambos os casos, qualquer esforço racional é impotente ou impossível. Assim, por exemplo, quando viajamos de avião, comemos uma fruta ou lemos este capítulo, lidamos com entes concretos e evidentes, pois podem ser vistos ou tangídos. Ora, Deus não pode ser visto nem tangido, portanto Deus não é evidente. Outrossim, se conseguirmos provar racionalmente a existência de Deus, ele também não será um mistério e, portanto, estaríamos provando deveras a sua existência.
            Foram os filósofos gregos que deram as primeiras provas. Parmênides provou a unicidade ou univocidade do Ser (Deus), isto é, não podem haver dois ou mais deuses. Não pretendemos, agora, dar maiores detalhes sobre isto.
A primeira prova da existência de Deus vem de Aristóteles e é a prova do movimento, mas não o movimento físico apenas, senão também toda e qualquer mudança. Há coisas que mudam! Muitas e muitas! Muitos são os tipos de mudança: mudança de cor, de conhecimento, de textura, de tempo, de espaço, de tamanho, de clima etc. Tudo isto leva-nos a crer que tudo muda. Ledo engano! Aristóteles diz que há três coisas que NÃO mudam. A verdade não muda: 1 + 1 =2, sempre! A Lei da Gravidade não muda! Ácido sulfúrico foi, é e sempre será corrosivo para nós! Uma vacina ou remédio que cura uma doença cura e sempre curará aquela doença! O quadrado da hipotenusa sempre será igual à soma dos quadrados dos catetos (a²=b²+c²). A soma dos ângulos internos de um triângulo sempre será igual a 180°! Ou seja, a verdade não muda! O que foi verdade ontem, é verdade hoje e será amanhã, e isto depõe contra o tolo relativismo pós-moderno que assola a humanidade hoje com a chamada ditadura do relativismo! Se se admite que tudo muda ou pode mudar, então a afirmação de que tudo muda ou pode mudar pode também mudar e, portanto, também é relativa. Disparate lógico! O bem também não muda! O que era crime, no tempo de Moisés, também é crime hoje, mesmo que as leis mudem, a moralidade dos atos possui característica perene. O assassinato, o aborto, enfim, sempre serão crimes, mesmo que toda a humanidade diga que não! Por fim, a terceira e última coisa que não muda é a beleza. Um quadro magistralmente pintado sempre será belo. Uma mulher bela sempre será bela; ela pode morrer, mas aquela beleza que possuía jamais deixará de ser bela. Uma obra de arquitetura bela sempre será bela, ainda que um terremoto a destrua. O Templo de Herodes sempre será belo, mesmo não existindo há quase 2.000 anos! Deus é a Verdade, o Bem e a Beleza por antonomásia, ainda que para um ateu, pois o conceito de Deus, sua definição semântica, precisa afirmar tais características, isto é, faz parte da essência de Deus ser a Verdade, o Bem e a Beleza absolutos!
Se, por um lado, Deus possui estas três qualidades e, por definição, não pode deixar de possuí-las, pois, se assim ocorresse, Ele deixaria de ser Deus, por outro, na ordem criada, podemos facilmente perceber que as características sim mudam! Por exemplo, se estou com uma camisa preta, posso mudar para uma amarela; posso pintá-la de azul etc.; se estou, agora, indo, posso, daqui a pouco, voltar etc. Portanto, as qualidades que existem de fato são, por Aristóteles, chamadas de qualidades em ato. Se uma lâmpada está acesa, está acesa em ato; se uma porta está fechada, está fechada em ato, e assim por diante. Mas, da mesma forma, as qualidades que não existem de fato, mas podem passar a existir, são chamadas de qualidades em potência. Então, aquela lâmpada que está acesa em ato, está apagada em potência; aquela porta que está fechada em ato, está aberta em potência etc. Deste modo, prova-se que os entes mudam, e que, nestes seres, pode haver qualidades em ato e qualidades em potência. Mas nada muda sozinho! Para que a camisa amarela passasse a ser azul, foi preciso que a tinta azul em ato passasse esta qualidade em ato para a camisa amarela azul em potência; para que a lâmpada acesa em ato e apagada em potência passasse a ficar apagada em ato e acesa em potência, foi preciso que alguém apertasse o interruptor; para que a porta fechada em ato e aberta em potência abrisse, foi preciso uma força externa, um agente externo (talvez uma pessoa querendo entrar...). Destarte, conclui-se que, no ser que muda, a potência precede o ato, mas, na mudança, o ato tem que existir antes da potência! Vemos, na natureza, uma série enorme de mudanças. Vemos os entes mudarem. Mas, antes de um ente mudar, isto é adquirir uma nova qualidade, ele já tinha a potência para aquela qualidade, pois só pode haver uma qualidade em ato, se existiu, antes, uma potência referente naquele ser. Por exemplo, a água pode ser evaporada, congelada, comprimida, aquecida, resfriada etc., mas não pode ser queimada. Por quê? Porque ela não tem potência para ser queimada.
Pois bem, todavia, fica a pergunta: se existe uma cadeia enorme de mudanças no cosmo, esta cadeia é finita ou infinita? Analisemos. A) Se esta série de movimentos fosse infinita, ela não teria princípio. Não haveria primeira mudança, nem segunda, nem terceira, já que o infinito não tem começo nem fim. Não haveria mudança nenhuma! Ora, como já vimos, há coisas que mudam, portanto a série de movimentos tem que ser finita! B) Se esta série de movimentos fosse infinita, ela não seria divisível em partes, fases ou momentos, pois o infinito não é divisível (∞/0 = ∞, ∞/2 = ∞, ∞/ 1000 = ∞, ∞/1.452.123 = ∞ ...); mas a sequencia de movimentos está dividida, pois é composta de momentos, logo ela tem que ser finita! C) Se esta série de movimentos fosse infinita, cada movimento começaria por potência que passa para ato, mas o mudar exige, como vimos, primeiramente, o ato; assim, é preciso que haja um ser que possua tal ou qual qualidade em ato para passar esta qualidade para um outro ser que a possua em potência; portanto, a série de movimentos tem que ser finita! É preciso que haja um ser imóvel e incausado e que seja ato absoluto.
À p. 181, os autores apresentam o que eles chamam de Big-bang da cosmologia e Big-bang da biologia molecular. Quanto ao primeiro, concerne à origem do universo, quanto ao segundo, à origem da vida.
“Com base na segunda lei da termodinâmica e nos princípios da causalidade e da uniformidade (analogia), considera-se o universo espaço-tempo finito e consequentemente causado por uma entidade não-causada e poderosamente infinita e eterna.
(...)
Com base nos princípios da causalidade e da uniformidade, na lei da complexidade especificada e na ciência da teoria da informação, descobrimos que a primeira forma de vida precisou de uma Causa inteligente. Esta Causa projetou todas as coisa vivas para serem capazes de mudança microevolutivas limitadas que lhes permitem adaptar-se a amboentes variados. Portanto, podemos acrescentar o atributo da inteligência a esse Ser não-causado e infinitamente poderoso.
Se a série de movimentos é finita, existe um primeiro ser. Mas como ele é? Ele precisa ter todas as qualidades em ato, porque, se ele tivesse alguma qualidade em potência, ele mudaria. E teria que mudar com a força de outro ser anterior. Mas o primeiro não tem anterior (pois, assim, não seria mais o primeiro), logo, o primeiro ser tem que ter todas as qualidades em grau absoluto. Ele não pode mudar. Por isto, Deus disse a Moisés: “Eu sou aquele que é (sou)” (Êxodo 3:14). Não disse “aquele que foi” ou “será”. Os seres humanos, podem ser e deixar de ser: podem ser e deixarem de ser bons; ter ou deixarem de ter a beleza; estar ou deixarem de estar na verdade. Mas Deus não! Para Deus não existe mudança, pois ele não muda. Assim, Ele não está sujeito ao tempo, já que o tempo é um movimento constante, é a duração da mudança. Por isto, Jesus disse que, antes de Abraão ser ele é (João 8:58); isto porque Ele é eterno, já que não possui potência. O eterno é um agora fixado, enquanto o tempo (a vida) é um agora que se desloca; se se desloca, move-se, se se move, não é imutável, portanto é necessário que Deus, que é imutável, não esteja no tempo. Por isso, Jesus disse ao ladrão: “Ainda hoje estarás comigo no paraíso” (Lucas 23:43), pois, para Deus, não há passado nem futuro. Deus é o Ser Absoluto, Perfeito, Imutável (Oséias 11:9) e que possui todas as qualidades em ato. Não possui matéria, pois toda matéria tem potência, logo é espírito. Deus é simples, pois todo ser composto é decomponível e, portanto, possui potência; ora, vimos que Deus não tem potência, logo Deus tem que ser simples. Além disto, todo ser composto é composto por seres anteriores (assim como, num bolo de chocolate, existem outros elementos anteriores, como o ovo e a farinha); ora, vimos que Deus é o primeiro e necessário Ser, logo Deus é simples. Deus é infinito, pois todo ser finito é aquele que pode aumentar e diminuir. Por exemplo, uma cadeira pode ser mais larga ou mais estreita; uma sala pode aumentar ou diminuir de tamanho etc. Todas as coisas que têm limite têm potência de aumentar ou diminuir. Portanto, o finito é aquilo que tem potência de aumentar e/ou diminuir. Vimos que Deus não tem potência, logo Deus tem que ser infinito, pois não pode ter suas qualidades aumentadas ou diminuídas. Apesar disto, os alunos são levados ao equívoco pelos professores que afirmam que a numeração também é infinita. Mais uma burrice! A numeração não é infinita, é indefinida! Números são a quantidade de elementos de um conjunto, então, todo número, por maior que seja, pode aumentar ou diminuir uma unidade ou ter seu valor modular alterado, logo, é finito, mesmo que também seja indefinido! A numeração tem potência para o infinito, mas nunca chega a ser infinito em ato. Por quê? Porque, naquilo que há potência para o absoluto e para a perfeição, não pode haver mudança. Só há mudança nas coisas que tem potência para o relativo e para a imperfeição. Assim, o espaço tem potência para o infinito, mas é preciso que esta potência permaneça sempre apenas potência, pois, no dia em que o espaço se tornasse infinito em ato, ele se tronaria igual ou maior Àquilo que o moveu no início, Àquilo que o causou no início; e isto feriria o princípio lógico da causalidade lembrado pelos autores. Assim, até aqui, provamos que Deus é Espírito, Imutável, Simples, Eterno e Infinito. Provamos, também, que Ele é o Ser necessário.
A segunda prova da existência de Deus deriva de Sócrates e de Santo Tomás de Aquino: chama-se prova da causalidade eficiente. É parecida com a primeira e já a expusemos de certa forma. Vemos, na natureza, uma série de movimentos que indicam uma série de causas e efeitos. Por exemplo, os filhos são o efeito dos pais, que são o efeito de seus pais e assim por diante. Pergunta-se, como no raciocínio anterior, se esta série de causas e efeitos é finita ou infinita. Se esta série de causas e efeitos fosse infinita, não haveria primeira causa e nem primeiro efeito, muito menos segunda causa e segundo efeito e assim por diante. Ou seja, nada existiria. Ora, as coisas existem, logo a série de causas e efeitos precisa ser finita. Assim, tem que haver uma causa incausada que principiou todo o movimento. Esta causa inicial não causada chama-se Deus! Este raciocínio simples, porém brilhante, é de Sócrates, que disse, certa vez: “Causa das causas tem pena de mim!”
Aqui, mais uma vez, as pessoas são induzidas ao erro quando são ensinadas que o ovo veio antes da galinha. Apesar de o senso comum dizer que o ovo veio antes da galinha, há cientistas que afirmam que foi a galinha que surgiu antes de botar o ovo. Pelo teoria da evolução, era necessário um ovo com um zigoto de galinha dentro, para a galinha nascer. Assim, o ovo com o pintinho dentro teria surgido primeiro. Já outra linha de pesquisa acredita que o ovo da galinha é diferente dos outros ovos e só seria feito a partir de substâncias presentes na galinha adulta, portanto, a galinha teria aparecido antes. Se há pesquisas que dizem provar que a galinha veio primeiro e outras que dizem que foi o ovo, como solucionar esta querela? Pela inteligência, obviamente. O ovo é efeito da galinha, é menor que ela, em termos qualitativos, isto é, menos evoluído. O ovo tem potência de galinha. No Gênesis, no capítulo primeiro, versículo 24, Deus cria os animais. Isto é perfeitamente coerente com a teoria do ato e da potência de Aristóteles, pois a galinha não tem potência pra ovo, logo ela não pode evoluir para ovo; mas o ovo tem potência pra galinha, logo ele pode sim evoluir pra galinha; como Deus fez todas as coisas perfeitas, primeiro teve que vir a galinha. Isto depõe contra Darwin, que coloca sempre uma causa menor produzindo um efeito maior. Do menos não pode vir o mais!
A terceira prova da existência de Deus é a prova da contingência. Esta prova mostra os conceitos de ser contingente e ser necessário. Contingente é tudo aquilo que existe, mas pode deixar de existir. O contingente não existia, mas passou a existir em algum momento, mas, se não existisse, não mudaria nada Uma casa foi construída um dia, mas, antes não existia. Ou seja, ela passou a ter a existência que não tinha. Portanto, a existência não faz parte de sua essência. Diferentemente de Deus, cuja essência inclui a existência, isto é Ele é um ser necessário. Quando uma ideia (essência) de casa ganha forma (existência) pelas mãos de um construtor, ela passa a ter existência, mas a casa em si, enquanto ideia, já “existia” na imaginação do construtor. Assim, a casa ideada tinha potência para existir enquanto forma, e foi preciso que o construtor – com seu intelecto – impingisse sua qualidade de existência em ato para a casa que a possuía apenas em potência para que a casa passasse a existir de factu, e não apenas de fictu. Então, a essência de casa foi atualizada.
Portanto, todos os seres são contingentes, pois, um dia passaram a existir. Isto implica que, portanto, antes de existirem em factum, existiram em fictum, ou seja, antes de terem a existência formal, já “existiam” nalgum intelecto (já eram ideados). Logo, é preciso que haja um Ser que tenha a existência como nota essencial e, assim, possa idear as demais coisas por ele posteriormente criadas. Esse Ser é Deus! O Ser Necessário cuja essência inclui a existência! Toda a ordem criada é contingente, pois, para passarem a existir, precisaram receber a existência de um Ser que é a existência. Nada existiria, se não houvesse o Ser necessário sustentando todos os seres contingentes. Isto ajuda a entender o que os autores mostram através de argumentos científicos e chamam de PROJETO INTELIGENTE. Por isso, na página 197, eles citam Gerald Schroeder que afirma que é a ciência moderna que tem que se acomodar à Bíblia e não o contrário.
A quarta prova da existência de Deus é de tipo platônico: chama-se prova dos graus de perfeição dos entes. É mais uma prova poética do que metafísica. Por exemplo, se alguém está mais próximo de uma porta do que outra pessoa, é preciso que existam estes três elementos: a primeira pessoa, a segunda pessoa e a porta. Da mesma maneira, se o Rio de Janeiro é mais bonito do que Guaianases, é preciso haver o Rio de Janeiro, Guaianases e a beleza. Assim, a primeira pessoa está mais próxima da porta do que a outra e o Rio de Janeiro é mais belo do que Guaianases, isto é, tem maior participação na beleza. Portanto há seres melhores qualitativamente que outros, ou mais “perfeitos” que outros, ou melhor, menos imperfeitos que outros. Concluindo, toda comparação de qualidades supõe a existência da qualidade em si mesma. E, o que é muito importante aqui, o grau de qualidade de um ser varia conforme a sua potência para receber o ato. Deus, que é ato puro, deu suas qualidades aos seres conforme a capacidade potencial que cada um tinha, e isto fez com que houvesse tanta diversidade animal, vegetal etc. É fundamental ter isto em mente ao ler o capítulo oito, pois esta conclusão apoia e embasa a explanação feita pelos autores, e prova a existência de Deus através da observação do comportamento e das características objetivas, concretas e visíveis das coisas criadas. Destarte, Deus fez as coisas em com graus de qualidade variados para que nós compreendêssemos as qualidades em si mesma! Depois da criação, as qualidades invisíveis de Deus tornaram-se visíveis através das coisas criadas (Cf. Rm 1:20).
A quinta prova da existência de Deus vem de Aristóteles e do aquinate mais famoso do mundo. Chama-se prova da existência de Deus pela finalidade dos entes. Ela diz que não pode haver ordem sem ordenador. Para ilustrar esta prova, tomemos o exemplo dado no livro A gnose de Princeton (editora Cultrix). Imagine um jogador de billar que precisa encaçapar a bola C batendo na bola A e tendo a bola B na frente. Este jogador, então, pensa e calcula. Depois, bate com o taco na bola A, se move em direção a uma parede lateral da mesa, bate em outra lateral, empurra a bola D, que toca na bola C, que dirige-se para o interior da caçapa. Magnífica jogada! Os autores do supracitado livro então propõem filmar esta jogada e, posteriormente, passa-la de trás para frente. Neste segundo vídeo, o que ocorre é a bola C saindo da caçapa, atingindo a bola D, que empurra a bola A, que bate em duas laterais da mesa e empurra o taco, que, por fim, movimenta o braço do jogador. Os autores, então, dizem: “Isto é impossível!”. Mas por que é impossível? Porque todo movimento, toda mudança pressupõe um ser com intenção e inteligência para efetuá-lo. O segundo vídeo, de trás para frente, mostra uma bola pulando da caçapa sem que haja uma lei biológica ou um intelecto capaz de motivar tamanha mudança. Assim, concluem os autores do livro, é claro que existe Deus. E, deste modo, fechamos nossa exposição provando, com base na natureza, na ordem criada, na observação do comportamento das coisas, que Deus existe!
Ninguém inventou o meu Deus. Foi Deus quem criou tudo: o sol, as estrelas, o mundo, os animais, as plantas, eu, você, tudo o que existe, enfim. Ele não é apenas o meu Deus, mas também é o seu Deus, quer você o aceite ou não. Ele é o Deus de todos, porque ele é o Único Deus. Sabe-se que toda causa é anterior ao seu efeito. Assim sendo, por exemplo, uma planta nasce (efeito) porque uma semente foi plantada (causa). Para uma coisa ser causa de si mesma teria de ser anterior a si mesma. Por isso neste mundo sensível, não há coisa alguma que seja causa de si mesma. No artigo EXISTÊNCIA DE DEUS (http://www.montfort.org.br/cadernos/existencia.html#1) do professor Orlando Fedeli, lemos:
"Assim, numa série definida de causas e efeitos, o resfriado é causado pela chuva, que é causada pela evaporação, que é causada pelo calor, que é causado pelo Sol. No mundo sensível, as causas eficientes se concatenam às outras, formando uma série em que umas se subordinam às outras: a primeira, causa às intermediárias e estas causam à última. Desse modo, se for supressa uma causa, fica supresso o seu efeito. Supressa a primeira, não haverá as intermediárias e tampouco haverá então a última.".

"Se a série de causas concatenadas fosse indefinida, não existiria causa eficiente primeira, nem causas intermediárias, efeitos dela, e nada existiria. Ora, isto é evidentemente falso, pois as coisas existem. Por conseguinte, a série de causas eficientes tem que ser definida. Existe então uma causa primeira que tudo causou e que não foi causada.".

"Deus é a causa das causas não causada. Esta prova foi descoberta por Sócrates que morreu dizendo: "Causa das causas, tem pena de mim". A negação da Causa primeira leva à ciência materialista a contradizer a si mesma, pois ela concede que tudo tem causa, mas nega que haja uma causa do universo.".

"O famoso físico inglês Stephen Hawkins em sua obra "Breve História do Tempo" reconheceu que a teoria do Big-Bang (grande explosão que deu origem ao universo, ordenando-o e não causando desordem, como toda explosão faz devido a Lei da Entropia) exige um ser criador. Hawkins admitiu ainda que o universo é feito como uma mensagem enviada para o homem. Ora, isto supõe um remetente da mensagem...".
            Geisler e Bocchino, na p. 198, mostram a opinião de Robert Jastrow que diz admitir a necessidade de se crer na Bíblia, já que as evidências astronômicas  conduzem a uma visão bíblica da origem do mundo. Diz ele: “Todos os detalhes diferem, mas o elemento essencial dos relatos astronômico e bíblico do Gênesis é o mesmo”.
            E continua, na linha 8:
“(...) A busca dos cientistas aos eventos passados termina no momento da criação. É um desenvolvimento extraordinariamente estranho, inesperado por todos menos os teólogos. Eles sempre aceitaram a palavra da Bíblia: No princípio criou Deus os céus e a terra [...] Para o cientista que viveu pela fé no poder da razão, a história termina como um sonho ruim. Ele escalou as montanhas da ignorância, está a ponto de conquistar o pico mais alto. Quando chega à rocha final, é saudado por um grupo de teólogos que já está sentado ali há séculos”.
            Mas veja o que os autores da obra em apreço vão dizer ainda na p. 198 e analise se não confere com a minha exposição filosófica:
“Chegamos à conclusão geral de que um Ser (Deus) não-causado, infinitamente poderoso, eterno e inteligente existe” [l.18]
            Porém, na sequência, os mesmos autores vão dizer algo que parece repudiar o esforço filosófico como ferramenta epistemológica:
“Isso se deu sem que fôssemos influenciados por suposições filosóficas injustificáveis” [l. 19]
            Minha intenção foi justamente mostrar que uma boa teodiceia não só pode endossar o criacionismo (o Criador e a criatura) como deve sempre estar presente em toda e qualquer iniciativa científica que tenha por objetivo explicar as origens do ser humano e do cosmo.


Capítulo 11: Deus e o mal

Provamos que Deus existe, é simples, infinito, absoluto, imutável, extemporâneo, indivisível, a Verdade, o Sumo-Bem, a Beleza, a Existência etc. Se Deus, por definição, é o PANTOKRATOR, isto é o TODO-PODEROSO e, como provamos, o BEM absoluto e perfeito, como explicar a existência do mal?

RESPOSTA
            Ora, se Deus é o Bem e o Todo-poderoso, ele jamais poderia ter criado o mal. O problema é que, geralmente, tratam o mal como se fosse um ser. Porém o mal não existe, pois na verdade, o mal é a ausência total do bem. A primeira via de Tomás de Aquino pode ser usada para provara isto.
            Se, como vimos, há um Ser necessário, é porque, então, há, aprioristicamente, ao menos, um Ser. Porém, aposterioristicamente, é truísmo que existem outros seres (ou entes, aqueles que têm o ser), como pode ser evidenciado neste próprio ato onde eu escrevi e você está lendo; deste modo, é evidente e, portanto, sem necessidade de prova, que eu existo e você também, assim como muitas outras pessoas e coisas. Pois bem! Pergunta-se: nos seres que existem, nota-se a presença do bem? Sim, é claro, pois nós mesmos somos emissores e receptores de muitos atos de bondade, disto ninguém duvida! E o mal, nota-se sua presença nos seres que existem? Também, pois, da mesma forma, percebemos sua presença, por exemplo, nos atos de violência e descaso, basta ligar a TV no noticiário do dia! Mas, se o bem e o mal existem, porque podemos vê-los no cotidiano humano, como podemos dizer o que dissemos, no início, que o mal não existe?!
            É que o que vemos nos noticiários policiais e tantos outros atos de violência e de maldade nada mais são do que atos concebidos ou acalentados por mentes humanas temporária ou constantemente esquecidas de Deus, o Sumo Bem. Pois, se, como provamos, existe Deus, e, por definição, ele precisa ser Bom, já que, se ele não existisse e fosse sempre bom, tudo o que vemos de bom e agradável não existiria, pois não teria sido criado, assim também não há como Ele ter criado o mal, pois, em tese, alguma coisa antes de ser mal em ato já era mal em potência; como Deus é o Bem em ato e não tem potência pra mal, o mal não poderia ter vindo de Deus. Portanto o que existem são atos de maldade e não o mal. Os atos de maldade são atos sem o bem e não com o mal, pois os seres humanos possuem, como já vimos, o bem de modo limitado, temporário e finito. Quando alguém comete uma maldade, é porque, naquele momento, está sem o Bem. Por isso, devemos estar sempre meditando nas Escrituras e aprendendo com Deus a sermos bons e termos o bem pelo maior tempo que pudermos.
            Como dizem os próprios autores no capítulo 11, na p. 250, na l. 23, podemos considerar o mal a ausência ou a privação daquilo que é bom...




FONTES BIBLIOGRÁFICAS
BENTO XVI, Papa, 1927. Perguntas e respostas. Tradução de Euclides Luiz Calloni, Cleusa Margot Wosgrau - Editora Pensamento, São Paulo, 2009. ISBN 978-85-315-1583-5.

Fedeli, Orlando - "Existência de Deus" - MONTFORT Associação Cultural http://www.montfort.org.br/index.php?secao=cadernos&subsecao=religiao&artigo=existencia&lang=bra  - 
Online, 04/10/2014 às 12h30min.

GEISLER, N. & BOCCHINO, P. Fundamentos inabaláveis. Vida. São Paulo, 2003.