"Quando nos deparamos com duas ou mais formas de um texto, a lição que consegue explicar como nasceram as variantes tem muito mais probabilidade de ser a original."
Em 2Samuel 9:7-11, o TM traz "à minha mesa". Porém, parece que o escriba repetiu erroneamente o possessivo "minha" dos vv. 7,10. Assim, no afã de estabelecer nexo, a LXX trouxe "à mesa de Davi" ou "à mesa do rei"; um manuscrito grego tardio traz "à sua mesa"; e a Vulgata "À tua mesa". Portanto, analisando a história da tradução e da transmissão do desta passagem do TM, conclui-se que a única alternativa coerente é "à sua mesa" e que a lição do TM deve ser aceita como a original, se bem que também deve ser modificada para gerar melhor significado. Deste modo, é esta lição (TM) que permitiu - com seu aparente erro de cópia - identificar as demais variae lectiones.
Sítio internético onde todos os assuntos teológico-eclesiásticos podem aparecer. “Se a Igreja de hoje não reconquistar o espírito de sacrifício de seus primeiros tempos, perderá sua autenticidade, a lealdade de milhões, e será relegada à categoria de um clube social sem importância, sem significação no século vinte.” (Martin Luther King)
segunda-feira, 27 de outubro de 2014
Série CRÍTICA TEXTUAL: "Lectio difformis a loco parallelo praestat conformi."
"Em textos paralelos, uma lição que diverge da do lugar paralelo prevalece sobre a que se lhe conforma"
Há sempre a tendência de harmonizar textos que são paralelos ou muito semelhantes. Assim, quando há diferenças, elas devem ser respeitadas.
O texto de 2Samuel 7:7 se assemelha ao de 1Crônicas 17:6. O primeiro traz "as tribos de Israel", o segundo "os juízes de Israel". Aqui, a LXX prevalece sobre o TM quando opta por "tribos".
Há sempre a tendência de harmonizar textos que são paralelos ou muito semelhantes. Assim, quando há diferenças, elas devem ser respeitadas.
O texto de 2Samuel 7:7 se assemelha ao de 1Crônicas 17:6. O primeiro traz "as tribos de Israel", o segundo "os juízes de Israel". Aqui, a LXX prevalece sobre o TM quando opta por "tribos".
Série CRÍTICA TEXTUAL: "Lectio brevior paestat longiori.".
"A lição mais breve prevalece sobre a mais longa."
Assim, em 1 Samuel 5:5, p.e., o TM diz que os sacerdotes de Dagon não punham os pés no templo. A LXX, porém, acrescenta "porque passavam além da soleira" para fazer uma explicação.
Série CRÍTICA TEXTUAL: "Lextio difficilior praestat facilior.".
"A lição mais difícil prevalece sobre uma mais fácil."
Sempre é mais explicável que o escriba ou o tradutor tenha procurado simplificar um texto difícil...
Lectio difficilior: lição atestada (ou conjectura) que se distinga de todas as outras lições atestadas (ou de todas as outras conjecturas) por causa do seu grau de dificuldade ou raridade do ponto de vista morfológico, semântico ou lexical. É um dos critérios do usus scribendi usados na selectio. O editor crítico tenderá a preferir a lectio difficilior, dado entender-se que deverá estar mais próxima do original, pois se pressupõe que, por ser rara e difícil, os copistas a tenham reproduzido com mais atenção, havendo tendência para conservá-la na tradição. No entanto, Fränkel aconselha alguns cuidados na adopção do critério da lectio difficilior: «o que é realmente plausível: que a lição estranha, porque mais difícil, se corrompeu numa mais fácil, ou que, pelo contrário, a lição estranha é difícil porque corrompida?».
Lectio facilior: lição errada resultante da reinterpretação de uma lição menos comum por analogia com outra mais comum e que lhe é semelhante na forma. Por exemplo, eteridade > eternidade.
Assim, em Êxodo 32:34 (TM), temos "para aquilo que te disse; já, na LXX, temos "para o lugar que te disse". Neste caso, o TM é preferível como lição mais difícil, e parece que a LXX acrescentou "o lugar" para tornar mais clara a ordem do Senhor.
quinta-feira, 9 de outubro de 2014
Síntese da obra salvífica de Jesus Cristo _ Primeira parte: A obra terrena de Jesus Cristo
Material
didático: apostila de Teologia Sistemática 2, do Prof. Dr. Nelson Célio Rocha
Aluno Prof. Alan Francisco de Souza Lemos
Síntese da
obra salvífica de Jesus Cristo
O
NT pergunta: Quem é Cristo e qual sua
função? “Jesus é designado no Novo Testamento de tantos modos, com vários
títulos, entretanto, não podendo abarcar a totalidade de sua pessoa e obra, por
si somente, num aspecto particular de sua pessoa. Todos os títulos encontram
sua unidade na pessoa de Jesus” (p. 57, ls. 8-10).
1 - A
obra terrena de Jesus
a) O profeta (πρoφήτης, prophḗtēs, איבנ, NABI)
Jesus era o próprio Deus falando,
como Profeta. O próprio conceito de profeta, no contexto judaico (p. 58, l.1),
cabia muito bem a Jesus: “homens visitados pelo Espírito Santo de Deus, que
recebiam de Deus uma vocação particular, segundo se pode verificar no Antigo
Testamento”. Este conceito, porém, destoava bastante de outros títulos
atribuídos a Jesus e que promanaram das culturas grega e egípcia. Jesus não era
um adivinho de adivinhações particulares ou “sob encomenda” (o anunciador do
mundo helênico, πρoφήτης), mas falava a todo o povo e, por extensão, a toda a
humanidade, em todos os tempos, já que, por ser o Criador, o Redentor e o
Consumador de todas as coisas (João 1:3),
falou à Criação. Assim também Jesus é o NABI, איבנ, o Áugure-mor que substituiu
o alvo da esperança escatológica dos judeus de seu tempo, a saber, os textos
dos antigos profetas (Joel 2:28ss). Todos
estes profetas apontam para Jesus. Todas as suas profecias, dalgum modo,
complementam-se, suplementam-se ou replementam-se no Evento-Cristo. Como o
próprio Prof. Dr. Nelson Célio afirma em sua apostila, Jesus não era um profeta, mas o profeta; isto porque seu ministério era redentivo, único, suficiente
e exemplar: “Esperava-se para o fim dos tempos um profeta único em que se
realizaria toda a profecia anterior” (p. 58, ls. 24,25). Além disto, é no
Evento-Cristo que todos os outros eventos históricos, todas as profecias,
enfim, toda a Revelação ganha o completo e verdadeiro sentido, pois Ele é a
consumação de todas as coisas (Mateus 13:40,
49; 28:20; Romanos 9:28; 1Coríntios 2:9; Hebreus 5:9; 9:26; 12:2; 2Pedro
3:10), como nos admoesta muito bem Horácio Simian-Yofre, citando o então
cardeal Josef Ratzinger[1]:
“O princípio que funda essa continuidade é que
somente a finalidade obtida e um processo permite entender o próprio processo.
O ‘sentido que se manifesta no fim do movimento vai além do sentido que se
podia extrair em qualquer etapa do percurso’ (p. 119). Na terminologia
escolástica, isso significaria que a
causa final precede à inteligibilidade das causas eficientes. Transferindo
esse princípio à compreensão da história, pode-se concluir legitimamente que ‘a
ação de Deus surge... como princípio de inteligibilidade da história’ (ibid.). Transferindo uma vez mais esse
princípio ao estudo da Bíblia (sic),
significaria que ‘o princípio que confere
sentido à história é o evento histórico do Cristo... Toda a história e toda a
Escritura devem ser pensadas a partir dessa ação’ do Cristo (ibid.)” – grifo meu.
Importa, outrossim e destarte,
atinar para o fato conhecido de que, na cultura judaica do início do primeiro
milênio, era comum a expectativa do retorno ou da revisitação dalgum profeta
antigo; por isto, muitos diziam que Jesus era Elias ou mesmo João Batista) –
cf. Mateus 16:15ss e par.; Deuteronômio 18:15; Malaquias 4:5; Atos dos apóstolos 3:22ss; 7:37). Assim, “A
ideia do retorno à terra do mesmo profeta contribuiu para favorecer a certeza
de que Jesus voltaria no fim do mundo” (p. 58, ls. 35,36) – o profeta do fim
dos tempos (Mateus 21:46; 23:37; Marcos 6:4,14; Lucas 7:16). Assim, as obras de Jesus são as mesmas que os textos
judaicos atribuíam à figura do profeta: operação de milagres, juntar as tribos
de Israel, vencer as potências deste mundo e lutar contra o anticristo (p. 61,
ls. 26-28).
A figura do profeta se atrela à
do servo sofredor quando entendemos que, para o áugure divino, o sofrimento não
é mais que uma consequência de sua pregação. É a característica principal do
mártir cristão: sua pregação e seu ensino prendem-se por completo ao ato de ter
consciência de que é necessário sofrer e morrer por seu povo.
b) O servo de Deus (“Ebed Yahvé”, O Servo de Deus)
Jesus,
como Servo de Deus, não abriu sua boca (Servo Sofredor – cf. Isaías 53). Como diz o autor: “Servo de Deus é um dos títulos mais
antigos relacionados à pessoa e à obra de Jesus” (p. 57, l. 12). Este segundo “ministério”
de Jesus pode ser grosso modo
sintetizado no conceito de substituição
(à luz do sacrifício substitutivo judaico antigo no qual o cordeiro, imolado,
morto, era o sucedâneo do pecador, levando sobre si os pecados deste último.
A figura do Ebed Yahvé pode ser analisada, diacrônica e sincronicamente, de
duas maneiras: no judaísmo e no cristianismo antigos.
Quanto ao judaísmo antigo, no AT,
pode-se encontrar tal personagem nos seguintes textos: Isaías 42:1-4; 49:1-7; 50:4-11; 52:13-53:12 (textos do Dêutero ou mesmo do Trito-Isaías). “Estes textos são importantes para se compreender o
significado do batismo de Jesus, e também porque o Evangelho de Mateus contém citações de Isaias (Mt 12.18ss)”. Malgrado tentarem atrelar o Servo do Senhor ao Filho de Davi ou ao Moisés redivivo,
ao próprio profeta-protagonista ou a uma especificada coletividade (Isaías 49:3) – como era comum no pensamento
semita -, é de maior consenso que a figura do Servo aponta para Cristo; a maioria não tem a menor dúvida sobre
isto.
“A história da
salvação se desenvolve do começo ao fim segundo o princípio da substituição,
segundo a forma de uma redução progressiva: da criação total, se passa à
humanidade; da humanidade ao povo de Israel; do Povo de Israel ao resto; do remanescente
a um só homem, Jesus.
Esse desenvolvimento da história da salvação é
prefigurado pelo Ebed Yahvé, que é por
sua vez: ‘resto’ e ‘indivíduo’.
O Ebed Yahvé é o Servo de Deus que sofre.
Pelo seu sofrimento se substitui a um grande número de homens que deveriam
sofrer em seu lugar. Assim, a Aliança concluída por Deus com seu povo é
restabelecida, graças à obra substitutiva do Ebed. Ele é o mediador [2] desta aliança.” (pp. 57,58).
Assim, “O sofrimento do Profeta é consequente da
sua pregação; já o do Ebed Yahvé é consequente
de sua missão” (p. 58). Da mesma maneira, Jesus, como o Bom Pástor (João 10:8,12,18), “dá a vida pelas ovelhas”, e isto não é aceito
pelos judeus, por não concernir ao modelo messiânico político. Jesus sabia que
deveria morrer (Marcos 2:18ss)
Já quanto ao cristianismo primitivo,
são poucas as passagens bíblicas que esboçam Jesus como o Servo de Deus: Mateus
8:16ss (cf. Isaías 53:4); João 1.29; 2.19ss; 3.14,16; 10.11,17; 1Pedro 2:21; Romanos 5:12ss; 10:16; 15:3, 21; 1Coríntios 5:7; Filipenses
2:6ss, 19 (cf. Isaías 53:11). Em
todas elas, os hagiógrafos neotestamentários mostram Jesus como o Cristo Sofredor,
que cura e caminha valorosamente para seu martírio[3].
“Podemos afirmar que em
Atos temos a solução mais antiga do problema cristológico (At 8.26). Prova que
Jesus havia sido explicitamente identificado como o Ebed Yahvé no Sec. I, e que
o próprio Jesus havia compreendido a sua missão” (p. 60)
Desta maneira, o NT propõe a
inseparabilidade entre a cruz e a ressurreição. A cristologia do Servo é a principal chave de leitura
cristológica.
“A
noção do Ebed Yahvé caracteriza a obra e a pessoa do Jesus histórico de uma
maneira perfeitamente concorde ao testemunho cristológico do Novo Testamento.
A
obra do Ebed Yahvé, por si mesma, basta como obra terrena, que anuncia em
virtude de seu caráter decisivo as consequências que têm mais a ver com a obra
terrenal de Jesus. Pode, perfeitamente, aliar-se às noções que fazem ressaltar
a obra do Cristo presente, futuro e pré-existente” (p. 61).
c) O Sumo Sacerdote (ἀrciereῦs)
Como
Sumo Sacerdote, Jesus foi sacrificante e sacrifício simultaneamente. A figura
do Sumo Sacerdote é judaica. Relaciona-se somente com o ministério terreno de
Jesus[4] e
é tipo do lendário Melquisedeque (Gênesis
14:18ss; Salmos 110:4; Hebreus 7). Mas Jesus não é apenas o
Sumo Sacerdote; é também Rei; por isso, muitos O consideraram o Rei-Sacerdote, figura próxima a do Mestre da Justiça (Testamento dos Doze Patriarcas, Levi 18).
“O judaísmo conhecia um
sacerdote ideal que devia consumar ao final dos tempos o sacerdócio judaico,
como único e verdadeiro sacrificador.
O Sumo Sacerdote, o verdadeiro mediador entre Deus e o seu povo,
ocupava uma posição soberanamente elevada. O judaísmo possuía na pessoa do Sumo
Sacerdote um homem que já podia satisfazer, dentro do quadro cultual, a
necessidade do povo, de um contato com Deus.
Mas, o sacerdote existente decepcionava as altas esperanças do povo. O
povo aguardava com ansiedade um novo tempo, onde haveria a consumação de todas
as coisas. Destarte, é importante
perceber como essa noção do Sumo Sacerdote foi transferida para Jesus” (p. 63).
Eis outros textos utilizados: Mateus 12:6; Marcos 14:58; João
2:19,21.
“Jesus critica a
prática sacerdotal que não condiz com a realidade do Reino de Deus. Essa
crítica fazia parelha com a esperança de um sacerdote ideal, segundo o Salmo
110, que enfatiza o ‘Sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque’. É um
competidor contra o Sumo Sacerdote.
Esse tipo de
sacerdote a Igreja identificou na pessoa de Jesus, o cumprimento do Salmo 110,
constituindo-se importância capital para a Igreja Primitiva. Assim, foi de
grande importância para o desenvolvimento da consciência que Jesus passou a ter
de si mesmo: sabia que ele era o Rei-Sacerdote ‘segundo a ordem de
Melquisedeque’” (p. 63).
Para os judeus, o sacerdócio era
passageiro e imperfeito, mas, em Jesus Cristo, anunciou-se o sacerdócio que
sobrepuja a imperfeição, como Hebreus
mostra.
[1] “L’interpretazione bíblica in conflito”, tradução a
partir do francês de seu texto original “Schriftauslegung im Widerstreit. Zur Frage nach
Grundlagen und Weg der Exegese heute” em RATZINGER, J. Schriftauslegung im Widerstreit (Quaestiones disputatae 117),
Feiburg-Basel-Wien, 1989, pp. 15-44. In:
SIMIAN-YOFRE, H (Org.). Metodologia
do Antigo Testamento, 2ª edição,
Loyola, São Paulo, 2000, p. 22. [Título original: Metodologia dell’Antico Testamento, Centro Editoriale Dehoniano,
Bologna, 1994.]
[2] Cf. a função do
Mediador em de João Calvino: As
Institutas ou Tratado da Religião Cristã, Volume II, páginas 101-127 e
230-300. O autor afirma que Cristo é único Mediador da redenção da humanidade
eleita.
[3] Dietrich
Bonhoeffer im August, teólogo-mártir alemão nascido em 1906, em sua obra Tentação [Versuchung. Bearbeitet und
hrsg. von Eberhard Bethge. 3. Auflage. Kaiser,
München 1956],
vê, no Ebed, o Cristo Pro Nobis, isto é, para / por nós.
[4] Os adventistas,
porém, creem que este sacerdócio jesuíno ganha complemento na sua “atividade”
no céu, onde Ele prepara o Santuário Celestia para nós.
EXEGESE DA SEGUNDA EPÍSTOLA UNIVERSAL DO APÓSTOLO SÃO JOÃO
Minhas observações sobre 2Jo.
Pela exiguidade das duas últimas epístolas de
João, dificilmente, estes textos seriam conservados no cânon. Porém, como a
elas muitos autores antigos fizeram referências, como Policarpo (Phil. 7,1), Irineu (Adv. Haer. 1,16), o cânon Muratori, Tertuliano (De Carne Christi, 24), Prisciliano,
Rufim, Agostinho etc., permaneceram na Bíblia.
Segundo os estudiosos, esta epístola foi
escrita por volta do ano 90 d.C.
Embora haja dúvidas
quanto ao autor (ou autores) do material joanino (corpus joaninum) - o evangelho, as epístolas e o Apocalipse -, nas introduções, as três
epístolas, são normalmente tratadas como uma unidade. Esta análise, que, agora,
propomos, foca-se na Segunda João,
mas, sempre que nos parecer necessário, agrupá-las-emos, pois não há qualquer
razão convincente de que não provieram todas as três da mesma escola de
tradição, ainda que mais de um autor tivesse se envolvido em sua escrita.
Tal como no caso
das cartas Aos Hebreus e De Tiago, ainda que a primeira epístola
de João seja chamada de “epístola”, nada há de epistolar na mesma. Mais, provavelmente,
trata-se de um tratado, de uma dissertação, que visava uma situação particular
na igreja, e não uma congregação ou um grupo de congregações cristãs, como se
dá no caso de uma carta. Em contraste com isso, Segunda e Terceira João são, definitivamente, dotadas de
natureza epistolar. A atração de todas as três, contudo, reside na simplicidade
e no poder de seu testemunho, no sentido que Deus é amor (ἀgάph), e que a verdadeira espiritualidade consiste no amor. Estas
cartas também atacam a heresia gnóstica incipiente; e, assim, juntamente com as
chamadas epístolas pastorais, I e II Timóteo e Tito, II Pedro, Judas e Colossenses (e talvez até mesmo Efésios),
elas se tornaram parte do que se tornou conhecido por literatura de heresia, isto é, a porção do N.T. que foi escrita
para combater as primeiras heresias que surgiram no seio do cristianismo.[1]
Essas epístolas de João também vieram a ser classificadas junto às epístolas católicas, alinhando-se ao lado
das epístolas de Tiago, de I e II
Pedro e de Judas. Todas elas
recebem essa designação. O significado ordinariamente dado ao termo católica, quando aplicado a essas
epístolas, é que tencionavam ser universais,
ou seja, foram dirigidas à igreja em geral, ou ao cristianismo de uma área
geral, e não a alguma comunidade cristã em particular e muito menos, ainda, a
algum indivíduo isolado. Esta concepção patrística, porém, será contestada e
modificada, mais tarde, por exegetas modernos.
2Jo foi citada pelos primeiros padres da Igreja, quer
diretamente, quer indiretamente. Devemos saber distinguir os ecos e as influências literárias do material
em comum e das citações diretas.
Nunca será fácil perceber se algum dos pais da igreja cita uma obra
diretamente, a menos que se faça uma tradução de palavra por palavra, ou se
houver a identificação de suas palavras como uma citação. No caso das epistolas católicas somente I Pedro e as epístolas joaninas gozam de
confirmação verdadeiramente antiga (antes do século III d.C.). No caso de I João, há citações extraídas dos
manuscritos dos primeiros pais da igreja, embora não exista qualquer afirmativa
de que o apóstolo João a escreveu, senão já no fim do segundo século de nossa era.
No caso específico de 2 João, o Cânon Muratoriano (180 d.C. a 200 d.C.)
arrola-a como obra canônica e joanina (junto com as duas outras epístolas).
Este Cânon Muratoriano foi aceito por
Orígenes, Clemente e seus sucedâneos alexandrinos. A segunda e a terceira
epístolas são alvo de dúvidas desde o início, talvez devido à brevidade de sua
extensão.
Assim, por exemplo,
o capítulo sétimo de Ad phillipensis
de Policarpo de Esmirna se assemelha a 2Jo
7. Alguns especialistas dizem que 2Jo
inspirou Policarpo, que teria sido seu discípulo direto; outros, que
Policarpo inspirou João. Irineu também faz citações extraídas da segunda
epístola de João, quando se refere aos pseudoprofetas de 2Jo 7,8. Desta maneira, nos primeiros séculos do primeiro milênio
depois de Cristo, a patrística não pode dar nenhuma confirmação peremptória a
respeito da autoria da Segunda epístola
de João. Estudiosos posteriores se dividiram entre a) aqueles que viam, no Evangelho e na Primeira Carta, o mesmo autor, b) aqueles que viam, na Segunda, na Terceira e no Apocalipse,
o mesmo autor e outros, com suas variadas propostas – quase todas as
combinações foram algures propostas. Não há maneira certa de alguém resolver o problema
de autoria dessas epístolas. Devemos observar que, no tocante às epistolas de
João e ao livro de Apocalipse, não há
qualquer declaração, nessas obras, de que foi o apóstolo João quem as escreveu;
e isso nem ao menos foi sugerido até o fim do século II d.C. Portanto, sem
importar o que cremos sobre a autoria desses livros, tal crença deve repousar,
pelo menos em parte, sobre a tradição ou conjectura, porque nenhuma evidência
interna serve para comprovar qualquer coisa. O material joanino, além do
evangelho de João, desde tempos antigos, vem sendo atribuído a João, filho de
Zebedeu, o mesmo João que repousou a cabeça no peito de Jesus (João 13:25) e estava ao lado de Maria,
mãe de Jesus, aos pés da cruz (João 19:25-27),
segundo a Tradição; mas há estudiosos que o têm atribuído ao João aludido por
Papias, o ancião de Éfeso (que não era o apóstolo do mesmo nome). E ainda
outros estudiosos, nos tempos antigos, não faziam qualquer ideia quanto à sua
autoria, conforme nos mostra Orígenes, nos meados do século terceiro de nossa
era. Outros preferem que o autor seja João Batista (esta proposta, todavia,
enfrentaria várias dificuldades, como o fato deste João ter morrido bem antes
de Jesus). Se a autoria é contraditória, não menos é a datação. Os estudiosos
dividem-se entre algumas datas possíveis no século primeiro e no segundo. As
nuances que contribuem e interferem na exegese de 2João são muitas e não serão contempladas todas aqui, pois exigiria
mais espaço e não é nosso objetivo.
Mais polêmica,
talvez, seja a discussão que se dá em torno dos destinatários da segunda carta.
A priori, todas as três epístolas de
João parecem ter sido destinadas às comunidades eclesiais da Ásia Menor, onde
vários membros seriam conhecidos do autor sagrado; mas, como vimos acima, 1Jo possui uma redação típica de uma
exposição universal, não de uma carta; e a Segunda Epístola Católica do Apóstolo João, como veremos,
pode não ter sido escrita para uma pessoa ou alguma comunidade local. A
tradição universal, porém, diz que estas epístolas foram enviadas à província
romana na Ásia, território atualmente correspondente à Turquia. As principais
cidades dessa área seriam aquelas sete que figuram no Apocalipse: Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e
Laodiceia, além de Colossos e Hierápolis. Para essa área em geral também foram
enviadas a primeira e a segunda epístolas de Pedro e a epístola de Judas. Com
esta análise, a possibilidade de o destinatário de 2Jo ser uma comunidade
eclesial da Ásia ganha força. Estas cartas teriam o propósito de combater o
protognosticismo nascente. Portanto, a literatura
de heresia surgiu a fim de combater os assédios dos gnósticos naquela
região, além de dar instruções éticas necessárias aos crentes dali (o que
parece corroborar com o conteúdo e as intenções comunicativas do autor de Segunda João). Apesar de não haver
evidências esmagadoras em favor da Ásia Menor, como destino, esse destino
simplesmente não tem rival. Alguns poucos manuscritos trazem títulos que
destinam as epístolas de João a parthos.
Mas não há qualquer tradição que vincule João aos partas (antigo reino a
sudoeste do mar Cáspio). Clemente de Alexandria aludiu a essas epístolas como
escritas às “virgens”, e alguns estudiosos têm conjecturado que parthos seja abreviação ou corruptela de
parthenos (virgem). Mas outros dizem
que parthenos teria sido uma
explicação para um original parthos.
Agostinho repetiu a identificação de parthos
como o destino dessas epístolas. Mas todas essas tradições são mal definidas e
envolvem obscuridades. Em todo o caso, especificamente sobre a Segunda epístola católica de João, este
problema volta-se para o sintagma nominal Senhora
Eleita (Ἐklektῄ kurίᾳ, Eclectḗi cyríai). Muitos estudiosos
viram, neste destinatário, uma mulher mãe de filhos e, provavelmente, chefe de
uma comunidade cristã. A maioria dos especialistas, porém, atribuem esta
misteriosa designação a uma comunidade eclesial – o que afastaria o estilo do
início desta carta da designação “Anjo” encontrada no Apocalipse e que se refere ao guardião celestial da comunidade, e
não a um homem comum, um pastor ou líder local (p.e., Ap 2:12). Tanto Anjo (ou anjo) quanto Senhora Eleita
aparecem como elementos de interlocução nestes livros, e, se lastrarmo-nos na
hipótese de que o mesmo João que escreveu o Apocalipse
foi o mesmo que escreveu a Segunda Carta,
soaria improvável que o autor usasse dois semelhantes elementos de interlocução
com dois significados diferentes, ou seja, Senhora
Eleita como uma comunidade local e Anjo
como um indivíduo guardião celeste. Esta análise, portanto, daria força a
autorias diferentes. No que pesa à hipótese de a Senhora Eleita ser uma mulher, o “anjo” de Apocalipse 2:12 guarda, ao menos, uma semelhança: ambos são um só
indivíduo. Agora, diferentemente, esta análise daria força a autorias iguais. E
agora? Como sair deste impasse? Propomos que o elemento peremptório para acusar
a melhor alternativa seja o conteúdo da carta. No que pesa à hipótese de a Senhora Eleita ser uma comunidade, está,
a favor, o argumento de que os problemas eclesiológicos tratados na carta se
acomodam melhor a esta possibilidade de interpretação, e, sendo assim, a
possibilidade de o destinatário de 2João
ter sido uma comunidade eclesial é mais provável.
Segundo a
Confederação Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB -, a Segunda Carta de João é, na verdade, um “bilhete de amizade da
parte do Ancião (no caso, João) de
uma comunidade (a Irmã Eleita do
derradeiro verso) à outra comunidade, a que ele quer bem e chama de Senhora Eleita (título que se refere ao
povo de Deus”. Esta Irmã Eleita,
segundo a Bíblia de Jerusalém, em
nota, provavelmente seria a igreja de Éfeso, que, segundo comentário exegético
da Nova Versão Internacional, seria
capitaneada pelo próprio apóstolo João.
Na segunda e na terceira epístolas de João, o
autor sagrado, chama a si mesmo de ancião, mas sem dar qualquer indicação que
esclareça tal posição, pelo que tais epístolas são sinônimas. A primeira
epístola de João, porém, nem ao menos alude ao ancião... Os falsos mestres gnósticos estavam conseguindo grandes
conquistas na igreja, e tinham de sofrer oposição. Estavam reduzindo o Cristo
anunciado pelos apóstolos, o Verbo encarnado, o Deus-homem, a mera emanação angelical
de Deus. Negavam a realidade da encarnação, e viam o Espírito-Cristo meramente como um dos sombrios éons, o qual, por ocasião do batismo de Jesus de Nazaré, teria
vindo possuir-lhe o corpo, usando-o como seu instrumento, até à sua
crucificação. Por ocasião da morte, o éon
teria abandonado a Jesus, pelo que sua morte, quando muito, teria sido a de um mártir
por uma boa causa, mas sem valor como expiação. Os gnósticos, por conseguinte,
degradavam tanto a pessoa como a obra de Cristo. Em lugar de Cristo,
apresentavam um pseudocristo, dotado
de uma missão diferente; um anticristo, assim como eles próprios! Alguns líderes
cristãos tinham sido conquistados para os pensamentos dos gnósticos, e assim um
evangelho não-cristão estava sendo impingido à igreja. Diótrefes (ver 3João 9), que assumira poderes ditatoriais
sobre a igreja da região da Ásia Menor, provavelmente era um dos principais
proponentes do gnosticismo da igreja. O que esse homem foi capaz de fazer, o
que é descrito em 2João 9-11,
demonstra a natureza crítica do problema que era enfrentado. O trecho de 1João 2:19 mostra, entretanto, que os verdadeiros
crentes tinham obtido certa vitória sobre os mestres falsos, porquanto muitos
deles tinham rompido comunhão com a igreja cristã. Os versículos sétimo a
décimo primeiro mostram que a doutrina dos gnósticos se espalhara por muitos lugares
da Ásia Menor, através de pregadores itinerantes, que se aproveitavam da boa
vontade e da hospitalidade natural dos cristãos primitivos. Foi mister que o ancião advertisse à igreja que os supostos
evangelistas-itinerantes de modo
algum eram representantes da tradição apostólica. A igreja cristã foi avisada,
pois, a não dar hospitalidade a tais homens, e a segunda epistola de João foi
escrita essencialmente como advertência contra esses itinerantes pregadores gnósticos,
embora o seu conteúdo não verse exclusivamente sobre esse tema. A presente
epístola, naturalmente, é a mais polêmica de todas, mas polêmicas também são as
demais epístolas joaninas. O grande tema do amor é novamente salientado (ver os
versículos quarto a sexto); mas, devido à sua extrema brevidade, somente esse
tema, além daquele que trata da defesa da verdade cristã contra os assédios da
heresia, é abordado nesta epístola. E, agora, no nosso trabalho.
A epístola inicia com o sujeito ὁ presbύteroς, ho presbyteros, que pode
ser um ancião ou líder da comunidade destinatária da carta, mas muitos
enxergam, nesta expressão, uma ligação com o autor do evangelho. Há uma
tendência, por parte de muitos, que este ancião seja uma espécie de bispo ou
supervisor da Igreja antiga, o que preludiaria a figura do bispo católico na
modernidade.
Este presbítero tem como preocupação premente
orientar seus leitores a permanecerem na verdade[2],
outrora, anunciada, a estarem firmes na vontade e nas determinações passadas e
cultivarem a prática do amor.
Para o ancião,
a igreja era algo amado; ou então a
matriarca Eleita Kiria era assim
chamada. Se, porventura, está em foco uma pessoa literal, então suas obras eram
de tal natureza que toda a igreja da Ásia Menor assumira para com ela grande
dívida de gratidão, que o ancião, agora, reconhece. No original grego, a
palavra oὕς, quem,
é plural, de tal maneira que tanto a senhora
como seus filhos são, aqui, chamados amados. Na tradução para o português,
esta palavra pode ser traduzida pela expressão aos quais.
Aqueles que conhecem a verdade são os membros
da igreja, em contraste com os hereges gnósticos, os quais pervertiam a verdade
(vv. 7 e 11). Todos os crentes verdadeiros amavam a essa senhora eleita, Eleita
Kiria. Esta porção do versículo favorece um pouco a interpretação literal, no
sentido que uma mulher está aqui endereçada, porquanto, doutro modo, a igreja
seria retratada como quem ama a si mesma. Naturalmente, isto é um uso possível,
embora improvável. Além disto, isto indicaria que as outras igrejas estimavam a comunidade cristã da Ásia Menor,
amando-a como comunidade de crentes.
Por causa destes periclitantes gnósticos, o
ancião afirma a urgência de se permanecer na verdade. Mas este clamor não se
dirige a quem não sabe o que é a verdade, mas àqueles que já sabem que ela é a
genuína fé cristã, o evangelho apostólico, em contraste com o sistema falso dos
gnósticos.
A palavra verdade
figura cinco vezes nos versículos primeiro a quarto, e, se o uso que se faz
desta palavra se assemelha ao que aparece em 3João, onde ela é precedida pelo artigo definido, isto apontaria
para o próprio evangelho ensinado pelos apóstolos o qual retinha a verdadeira
doutrina de Cristo, que é a Verdade personificada (João 14:6). Mas, somando as ocorrências deste vocábulo no evangelho
e nas epístolas, ao todo, verdade
aparece 74 vezes!
A fidelidade das comunidades à verdade
apostólica garantia a genuína solidariedade, e o amor. Ao passo que aqueles
protognósticos mascaravam esta verdade, deturpando-a À medida que limitavam e
minoravam a pessoa de Cristo, bem como sua missão e seu messianismo de serviço.
Consoante se percebe no versículo 2, a verdade habita e permanece nos crentes
e, assim, é potente para transformar o caráter e dissolver a confusão.[3]
A verdade, na qualidade de poder
residente e permanente, que nos leva a nos amarmos mutuamente. A verdade é a base do amor.
Todas as transmissões e benefícios divinos
são conferidos em amor, sendo essa a base dessas bênçãos, não menos que a
verdade (João 3:16; 1João 4:8). O amor é nota essencial desta carta. Nos versos 4 a 6, o hagiógrafo
se ocupa do mandamento do amor,
assunto já exposto à exaustão na primeira carta.
O autor ordena que os seus leitores amem-se
uns aos outros e coloca a prática caritativa como prova da autenticidade da
identidade cristã (conditio sine qua non).
Todavia, este mandamento joanino não isenta a comunidade de recusar
hospitalidade aos falsos mestres. Amar (em
grego, ἀgapάw; agapáō, transliterado para caracteres latinos), é uma das palavras que podem expressar o conceito de amor no Novo Testamento. Ἀgapάw indica uma ligação racional e judiciosa fundamentada na convicção de que
seu objeto é digno de estima ou merecedor desta por conta de benefícios
concedidos. Φilέw (philéō) representa um sentimento mais caloroso, mais instintivo, mais
intimamente ligado ao sentimento e envolve mais a paixão. Por isso, ἀgapάw é representado pelo termo latino dĭlīgo,
que possui a mesma raiz de dĭlĭgentia,
ou seja, palavras que explicitam uma característica de racionalidade e vontade;
assim, a ideia fundamental de dĭlīgo
é seleção, a escolha deliberada, com
fundamentos suficientes, de um entre muitos como o objeto de estima.[4]
Assim, filέw enfatiza o elemento afetivo do amor, e ἀgapάw, o elemento racional, inteligente – aliás, racionalidade e inteligência
são características intrínsecas à verdade, bem como requisitos mínimos para sua
distinção. Em Mateus 22:37, em 1Coríntios 8:3 e aqui, em João, os
homens são ordenados a ἀgapᾶn, agapân,
isto é amar. Mas amar conforme o
significado que o verbo possui no infinitivo presente ativo: amar e estar amando, ou seja, o amor como ato contínuo e progressivo.
Em nenhuma outra passagem bíblica, verdade e amor justapõem-se num mesmo sintagma nominal.
João também não usou ἐrάw, eráō, a paixão sensual,
vocábulo do qual fazem uso Platão e os neoplatônicos.
[1] Mais
informações sobre esse combate contra as heresias bem como suas especificidades
podem ser encontradas em CHAMPLIN, R. N.
O Novo Testamento interpretado versículo
por versículo. Vol. 6. Candeia, 1996. Págs. 304-313; e _____________. Enciclopédia
de Bíblia, Teologia e Filosofia. Vol.3. Hagnos, 2001. Págs. 530-554.
[2] Ἀlήqeia, em grego, alḗtheia, transliterado para caracteres latinos, verdade ou realidade, na tradução para o português. Na Grécia, definia-se verdade como sendo algo real, em
oposição ao falso e ao irreal (ver ROBINSON, E. Léxico grego do Novo Testamento. CPAD, Rio de Janeiro, 2012.).
Assim, nota-se com mais profundidade, a preocupação do autor com os ataques
docetistas à comunidade eclesial destinatária da carta. Para ele, verdade é a revelação de Deus em Jesus
Cristo.
[3] Mais passagens
que tratam da verdade: Gálatas 2:5;
3:1; 5:7; Efésios 1:13; 4:21; Colossenses 1:5; 2Tessalonicensses 2:10,12,13; 1Timóteo
2:4; 4:3; 2Timóteo 2:18; Tito 1:4
[4] O termo dĭlīgo aparece na Vulgata, em 2Jo,
flexionado também na primeira pessoa do plural: dĭlīgimus. Ou seja, o autor, primeiramente, coloca-se como modelo
(atitude típica de um líder ancião) quando usa dĭlīgo, para requisitar a mesma atitude de amor racional e justo (agapáō) de seus interlocutores.
terça-feira, 7 de outubro de 2014
O Prof. A. F. Lemos prova irrefragavelmente a "existência" de Deus
Livro: Fundamentos inabaláveis
Capítulo 8: Projeto inteligente
No capítulo 8 (Projeto
Inteligente) do livro Fundamentos
inabaláveis, os autores Norman Geisler e Peter Bocchino trazem a questão
bastante polêmica da origem do universo e da vida. Durante este capítulo, os
autores procuram apresentar, de maneira honesta e didática, as principais
teorias científicas que tratam da origem do cosmos, entre as quais aquelas que
intentam atrelar a Ciência à religião. Todavia, ao longo do texto, os autores
deixam clara a sua posição criacionista, bem como a sua predileção pelo modelo
progressivo de projeto inteligente das origens.
Com
base na tese defendida pelos autores, uma das possibilidades de abordagem do
capítulo é aquela que estabelece que o mesmo está apoiado em dois elementos de
sustentação: a ordem criada e o Criador.
De
posse destas informações, após a leitura do capítulo oito do livro e com a
ajuda dos conhecimentos teológicos e filosóficos adquiridos ao longo do curso
de Teologia, responda: é possível provar
a existência de Deus? Se sim, justifique sua resposta procurando fundamentar
seus argumentos na relação criatura x
Criador.
RESPOSTA
Sim, é possível provar a existência de Deus! Mas permita,
primeiro, que eu estabeleça minhas premissas e mostre as bases de minha
argumentação.
Logo no introito do oitavo capítulo de Fundamentos inabaláveis, chamou-me a
atenção a epígrafe de Gênesis 1:1:
“No Princípio criou Deus os céus e a terra”. Temos, aqui, logo no primeiro
verso da Bíblia, a afirmação do Criador (Deus) e da criação (tempo = “Princípio”, “céus” e
“terra”). É daqui que partimos para postular a defesa da existência de Deus
através da observação da ordem criada.
Os autores não se preocupam muito em provar a existência
de Deus, pois este não é o objetivo dos mesmos, mas, mesmo assim, creio que
isto seja uma demanda premente e inevitável, que surge com a leitura do livro.
Na p. 177, vemos os autores afirmarem que é irrefragável a existência de uma
“causa inteligente” (l. 3). Esta afirmação faz rolar a pedra-de-avalanche capaz
de orientar toda a nossa resposta. Ainda no primeiro parágrafo, o autor fixa as
bases comprobatórias iniciais que sustentam sua tese ao longo do texto:
“Os princípios da causalidade e da uniformidade,
a lei da complexidade especificada e
a teoria da ciência da informação nos
mostram que a primeira forma de vida deve ter tido uma causa inteligente.
Ademais, a ciência operacional
demonstrou que as mutações não podem produzir nenhuma nova informação
necessária para produzir inovação biológica. Além disso, as evidências observáveis confirmam que há
limitações naturais à mudança genética que dá suporte à microevolução, mas não há nenhuma evidência (científica,
paleontológica nem nenhuma outra) que dê suporte à declaração de que a
microevolução possa ser extrapolada para o nível da macroevolução. A paleontologia
confirma que o aparecimento abrupto das primeiras formas de vida (...) se deveu
a uma curta e rápida explosão global de vida. Desse ponto em diante, a
paleontologia também confirma que todas as outras novas formas de vida aparecem
muito abruptamente como mostra o registro fóssil.” [p. 177 – grifo nosso]
Evidências, teorias e hipóteses...
Isto pode ser questionado, mas princípios e leis são imutáveis. E os autores
falam de uma lei que nos chama a atenção, a lei da complexidade especificada. De modo geral, a complexidade
irredutível afirma que há estruturas biológicas que não poderiam ter evoluído
de um estado mais simples – mais a frente, veremos como a filosofia tomista
pode ajudar a provar isto. Uma célula, por exemplo, é composta de centenas de
máquinas moleculares complexas. Sem elas, a célula não funcionaria. Por isso, a
célula é irredutivelmente complexa: ela não pode ter evoluído de um estado mais
simples, porque não funcionaria em um estado mais simples, e a seleção natural
só pode optar por características que já estejam funcionando. Behe dá o exemplo
de uma ratoeira, que costuma ter cinco partes: uma base de madeira para
sustentar o dispositivo, um martelo metálico para atingir o camundongo, uma
mola para acionar o martelo, uma lingueta para soltar a mola e uma barra
metálica que prende o martelo. Sem uma dessas partes, o dispositivo é inútil.
Portanto, uma ratoeira é irredutivelmente complexa.
Em biologia, Behe considera o flagelo bacteriano um
sistema irredutivelmente complexo. A comunidade científica responde à
complexidade irredutível dizendo que, embora seja verdade que a seleção natural
só pode optar por características que já estejam em funcionamento, essas não
têm que estar em sua forma atual. É possível que elas estivessem desempenhando
outras funções quando foram escolhidas como vantajosas para sua função atual.
No exemplo da ratoeira, os cientistas ressaltam que, se
removermos a lingueta e a barra metálica, teremos um prendedor de gravata. Se
removermos a mola, teremos uma argola de chaveiro. Eles também alegam que a
ciência já descobriu que um grupo de proteínas que compõe os flagelos
bacterianos é usado por determinadas bactérias para uma função completamente
diferente. Ele age como um tipo de "bomba molecular" na membrana
bacteriana.
O biólogo Kenneth Miller afirma: "A questão que a
ciência há muito compreendeu é que as peças de máquinas ditas irredutivelmente
complexas podem ter funções distintas, mas ainda assim úteis. A evolução gera
máquinas bioquímicas complexas ao copiar, modificar e combinar proteínas
previamente usadas para outras funções" (BENTO XVI, 1927).
Deste modo, ao longo de todo o capítulo, os autores
procuram assentar sua exposição em cima destas bases comprobatórias científicas. Acho que devemos enaltecer o
esforço destes autores em defender o criacionismo de modo inovador, incomum e,
não obstante, perfeitamente coerente com as Escrituras. É uma verdadeira
teodiceia positivista! Mas, ainda assim, parece-nos que a exposição dos
autores, no capítulo oito, apesar de atender ao objetivo proposto, solicita uma
complementação, uma explicação suplementar que elucide melhor e assente
definitivamente as bases probatórias da existência de Deus. Não há como ler
este capítulo e não ser instigado a inquirir se há Deus, se é preciso que Deus
exista, se é possível provar tal existência, se as coisas que vemos são
realmente obra de uma Inteligência Superior e se é possível conhecer as
características desse Ser superior. Acredito que, aqui, podemos fazer uso dos
conhecimentos filosóficos e teológicos que adquirimos ao longo do curso de
Teologia para, terminantemente, provar a existência de Deus! E julgo poder
fazer isto, partindo da observação da ordem criada, de suas leis biológicas, da
filosofia peripatética, tomista, socrática e platônica.
Malgrado, durante a leitura,
possamos ver expressões como “Todas as evidências mostram” (p.178, l. 5),
“Pretendemos mostrar que do ponto de vista comprobatório” (p. 178, l.12),
“queremos apenas mostrar que o modelo de projeto é cientificamente sólido”
etc., sabemos que, de modo algum, os autores menosprezam os argumentos
filosóficos, ou as vias probatórias da existência de Deus, como se depreende do
fragmento abaixo, extraído da p. 180:
“Somos obrigados a
concluir que a vida humana, como a vemos, só pode ser explicada como resultado
direto de um ato especial de criação tal como registrado nos primeiros
capítulos do livro de Gênesis (sic)”
Neste textículo, vê-se, implicitamente, que é mister uma explicação
científica das origens que abra espaço, também, para a análise metafísica dos
fatos, e é aqui que entram a Filosofia e a Teologia.
Passemos, então, às provas
metafísicas da existência de Deus, a fim de fornecer um material suplementar à
leitura do capítulo oito e estabelecer uma relação de causa x efeito entre Deus
e a criação.
Segundo o professor Orlando Fedeli, há duas coisas que não
podem ser provadas: o que é evidente
(pois é “vidente”, óbvio,
truisticamente notável e, portanto, dispensa o esforço racional) e o mistério (pois é insondável e, assim,
não pode ser analisado racionalmente); seja como for, em ambos os casos,
qualquer esforço racional é impotente ou impossível. Assim, por exemplo, quando
viajamos de avião, comemos uma fruta ou lemos este capítulo, lidamos com entes
concretos e evidentes, pois podem ser
vistos ou tangídos. Ora, Deus não pode ser visto nem tangido, portanto Deus
não é evidente. Outrossim, se conseguirmos provar racionalmente a existência de
Deus, ele também não será um mistério e, portanto, estaríamos provando deveras
a sua existência.
Foram os filósofos gregos que deram
as primeiras provas. Parmênides
provou a unicidade ou univocidade do Ser (Deus), isto é, não
podem haver dois ou mais deuses. Não pretendemos, agora, dar maiores detalhes
sobre isto.
A primeira prova da existência de Deus vem de Aristóteles e é a prova do movimento, mas não o movimento físico apenas, senão também
toda e qualquer mudança. Há coisas que mudam! Muitas e muitas! Muitos são os
tipos de mudança: mudança de cor, de conhecimento, de textura, de tempo, de
espaço, de tamanho, de clima etc. Tudo isto leva-nos a crer que tudo muda. Ledo
engano! Aristóteles diz que há três coisas que NÃO mudam. A verdade
não muda: 1 + 1 =2, sempre! A Lei da Gravidade não muda! Ácido sulfúrico foi, é
e sempre será corrosivo para nós! Uma vacina ou remédio que cura uma doença
cura e sempre curará aquela doença! O quadrado da hipotenusa sempre será igual
à soma dos quadrados dos catetos (a²=b²+c²). A soma dos ângulos internos de um
triângulo sempre será igual a 180°! Ou seja, a verdade não muda! O que foi verdade ontem, é verdade hoje e será
amanhã, e isto depõe contra o tolo relativismo pós-moderno que assola a
humanidade hoje com a chamada ditadura do relativismo! Se se admite que tudo
muda ou pode mudar, então a afirmação de que tudo muda ou pode mudar pode
também mudar e, portanto, também é relativa. Disparate lógico! O bem também não muda! O que era crime,
no tempo de Moisés, também é crime hoje, mesmo que as leis mudem, a moralidade
dos atos possui característica perene. O assassinato, o aborto, enfim, sempre
serão crimes, mesmo que toda a humanidade diga que não! Por fim, a terceira e última coisa que não muda é a
beleza. Um quadro magistralmente pintado sempre será belo. Uma mulher bela
sempre será bela; ela pode morrer, mas aquela beleza que possuía jamais deixará
de ser bela. Uma obra de arquitetura bela sempre será bela, ainda que um
terremoto a destrua. O Templo de Herodes sempre será belo, mesmo não existindo
há quase 2.000 anos! Deus é a Verdade, o Bem e a Beleza por antonomásia, ainda
que para um ateu, pois o conceito de Deus, sua definição semântica, precisa
afirmar tais características, isto é, faz parte da essência de Deus ser a Verdade,
o Bem e a Beleza absolutos!
Se, por um lado, Deus possui estas três qualidades e, por
definição, não pode deixar de possuí-las, pois, se assim ocorresse, Ele
deixaria de ser Deus, por outro, na ordem criada, podemos facilmente perceber
que as características sim mudam! Por exemplo, se estou com uma camisa preta,
posso mudar para uma amarela; posso pintá-la de azul etc.; se estou, agora,
indo, posso, daqui a pouco, voltar etc. Portanto, as qualidades que existem de
fato são, por Aristóteles, chamadas de qualidades
em ato. Se uma lâmpada está acesa, está acesa em ato; se uma porta está
fechada, está fechada em ato, e assim por diante. Mas, da mesma forma, as
qualidades que não existem de fato, mas podem passar a existir, são chamadas de
qualidades em potência. Então,
aquela lâmpada que está acesa em ato, está apagada em potência; aquela porta
que está fechada em ato, está aberta em potência etc. Deste modo, prova-se que
os entes mudam, e que, nestes seres, pode haver qualidades em ato e qualidades
em potência. Mas nada muda sozinho! Para que a camisa amarela passasse a ser
azul, foi preciso que a tinta azul em ato passasse esta qualidade em ato para a
camisa amarela azul em potência; para que a lâmpada acesa em ato e apagada em
potência passasse a ficar apagada em ato e acesa em potência, foi preciso que
alguém apertasse o interruptor; para que a porta fechada em ato e aberta em
potência abrisse, foi preciso uma força externa, um agente externo (talvez uma
pessoa querendo entrar...). Destarte, conclui-se que, no ser que muda, a potência precede o ato, mas, na mudança, o ato tem
que existir antes da potência! Vemos, na natureza, uma série enorme de
mudanças. Vemos os entes mudarem. Mas, antes de um ente mudar, isto é adquirir
uma nova qualidade, ele já tinha a potência para aquela qualidade, pois só pode
haver uma qualidade em ato, se existiu, antes, uma potência referente naquele
ser. Por exemplo, a água pode ser evaporada, congelada, comprimida, aquecida,
resfriada etc., mas não pode ser queimada. Por quê? Porque ela não tem potência
para ser queimada.
Pois bem, todavia, fica a pergunta: se existe uma cadeia enorme de mudanças no cosmo, esta cadeia é finita
ou infinita? Analisemos. A) Se esta
série de movimentos fosse infinita, ela não teria princípio. Não haveria
primeira mudança, nem segunda, nem terceira, já que o infinito não tem começo
nem fim. Não haveria mudança nenhuma! Ora, como já vimos, há coisas que
mudam, portanto a série de movimentos
tem que ser finita! B) Se esta série
de movimentos fosse infinita, ela não seria divisível em partes, fases ou
momentos, pois o infinito não é divisível (∞/0 = ∞, ∞/2 = ∞, ∞/ 1000 = ∞,
∞/1.452.123 = ∞ ...); mas a sequencia de
movimentos está dividida, pois é composta de momentos, logo ela tem que ser
finita! C) Se esta série de
movimentos fosse infinita, cada movimento começaria por potência que passa para
ato, mas o mudar exige, como vimos, primeiramente, o ato; assim, é preciso que
haja um ser que possua tal ou qual qualidade em ato para passar esta qualidade
para um outro ser que a possua em potência; portanto, a série de movimentos tem que ser finita! É preciso que haja um ser
imóvel e incausado e que seja ato absoluto.
À p. 181, os autores apresentam o que eles chamam de Big-bang da cosmologia e Big-bang da biologia molecular. Quanto
ao primeiro, concerne à origem do universo, quanto ao segundo, à origem da
vida.
“Com base na segunda
lei da termodinâmica e nos princípios da causalidade e da uniformidade
(analogia), considera-se o universo espaço-tempo finito e consequentemente
causado por uma entidade não-causada e poderosamente infinita e eterna.
(...)
Com base nos
princípios da causalidade e da uniformidade, na lei da complexidade
especificada e na ciência da teoria da informação, descobrimos que a primeira
forma de vida precisou de uma Causa inteligente. Esta Causa projetou todas as
coisa vivas para serem capazes de mudança microevolutivas limitadas que lhes
permitem adaptar-se a amboentes variados. Portanto, podemos acrescentar o
atributo da inteligência a esse Ser não-causado e infinitamente poderoso.
Se a série de movimentos é finita, existe um primeiro
ser. Mas como ele é? Ele precisa ter todas as qualidades em ato, porque, se ele
tivesse alguma qualidade em potência, ele mudaria. E teria que mudar com a
força de outro ser anterior. Mas o primeiro não tem anterior (pois, assim, não
seria mais o primeiro), logo, o primeiro ser tem que ter todas as qualidades em
grau absoluto. Ele não pode mudar. Por isto, Deus disse a Moisés: “Eu sou
aquele que é (sou)” (Êxodo 3:14). Não
disse “aquele que foi” ou “será”. Os seres humanos, podem ser e deixar de ser:
podem ser e deixarem de ser bons; ter ou deixarem de ter a beleza; estar ou
deixarem de estar na verdade. Mas Deus não! Para Deus não existe mudança, pois
ele não muda. Assim, Ele não está
sujeito ao tempo, já que o tempo é um movimento constante, é a duração da
mudança. Por isto, Jesus disse que, antes de Abraão ser ele é (João 8:58); isto porque Ele é eterno, já
que não possui potência. O eterno é um agora fixado, enquanto o tempo (a vida) é
um agora que se desloca; se se desloca, move-se, se se move, não é imutável,
portanto é necessário que Deus, que é imutável, não esteja no tempo. Por isso,
Jesus disse ao ladrão: “Ainda hoje estarás comigo no paraíso” (Lucas 23:43), pois, para Deus, não há
passado nem futuro. Deus é o Ser
Absoluto, Perfeito, Imutável (Oséias 11:9) e que possui todas as qualidades em
ato. Não possui matéria, pois toda matéria tem potência, logo é espírito.
Deus é simples, pois todo ser composto é decomponível e, portanto, possui
potência; ora, vimos que Deus não tem potência, logo Deus tem que ser simples. Além
disto, todo ser composto é composto por seres anteriores (assim como, num bolo
de chocolate, existem outros elementos anteriores, como o ovo e a farinha);
ora, vimos que Deus é o primeiro e necessário Ser, logo Deus é simples. Deus é
infinito, pois todo ser finito é aquele que pode aumentar e diminuir. Por
exemplo, uma cadeira pode ser mais larga ou mais estreita; uma sala pode
aumentar ou diminuir de tamanho etc. Todas as coisas que têm limite têm
potência de aumentar ou diminuir. Portanto, o finito é aquilo que tem potência
de aumentar e/ou diminuir. Vimos que Deus não tem potência, logo Deus tem que
ser infinito, pois não pode ter suas qualidades aumentadas ou diminuídas.
Apesar disto, os alunos são levados ao equívoco pelos professores que afirmam
que a numeração também é infinita. Mais uma burrice! A numeração não é
infinita, é indefinida! Números são a quantidade de elementos de um conjunto,
então, todo número, por maior que seja, pode aumentar ou diminuir uma unidade
ou ter seu valor modular alterado, logo, é finito, mesmo que também seja
indefinido! A numeração tem potência para o infinito, mas nunca chega a ser
infinito em ato. Por quê? Porque, naquilo que há potência para o absoluto e
para a perfeição, não pode haver mudança. Só há mudança nas coisas que tem
potência para o relativo e para a imperfeição. Assim, o espaço tem potência
para o infinito, mas é preciso que esta potência permaneça sempre apenas
potência, pois, no dia em que o espaço se tornasse infinito em ato, ele se
tronaria igual ou maior Àquilo que o moveu no início, Àquilo que o causou no
início; e isto feriria o princípio lógico da causalidade lembrado pelos
autores. Assim, até aqui, provamos que
Deus é Espírito, Imutável, Simples, Eterno e Infinito. Provamos, também, que
Ele é o Ser necessário.
A segunda prova da existência de Deus deriva de Sócrates e de Santo Tomás de Aquino: chama-se prova
da causalidade eficiente. É parecida com a primeira e já a expusemos de
certa forma. Vemos, na natureza, uma série de movimentos que indicam uma série
de causas e efeitos. Por exemplo, os filhos são o efeito dos pais, que são o
efeito de seus pais e assim por diante. Pergunta-se, como no raciocínio
anterior, se esta série de causas e efeitos é finita ou infinita. Se esta série
de causas e efeitos fosse infinita, não haveria primeira causa e nem primeiro
efeito, muito menos segunda causa e segundo efeito e assim por diante. Ou seja,
nada existiria. Ora, as coisas existem, logo a série de causas e efeitos
precisa ser finita. Assim, tem que haver uma causa incausada que principiou
todo o movimento. Esta causa inicial não causada chama-se Deus! Este raciocínio
simples, porém brilhante, é de Sócrates,
que disse, certa vez: “Causa das causas tem pena de mim!”
Aqui, mais uma vez, as pessoas são induzidas ao erro
quando são ensinadas que o ovo veio antes da galinha. Apesar de o senso comum
dizer que o ovo veio antes da galinha, há cientistas que afirmam que foi a
galinha que surgiu antes de botar o ovo. Pelo teoria da evolução, era
necessário um ovo com um zigoto de galinha dentro, para a galinha nascer.
Assim, o ovo com o pintinho dentro teria surgido primeiro. Já outra linha de
pesquisa acredita que o ovo da galinha é diferente dos outros ovos e só seria
feito a partir de substâncias presentes na galinha adulta, portanto, a galinha
teria aparecido antes. Se há pesquisas que dizem provar que a galinha veio
primeiro e outras que dizem que foi o ovo, como solucionar esta querela? Pela
inteligência, obviamente. O ovo é efeito da galinha, é menor que ela, em termos
qualitativos, isto é, menos evoluído. O ovo tem potência de galinha. No Gênesis, no capítulo primeiro, versículo
24, Deus cria os animais. Isto é perfeitamente coerente com a teoria do ato e
da potência de Aristóteles, pois a
galinha não tem potência pra ovo, logo ela não pode evoluir para ovo; mas o ovo
tem potência pra galinha, logo ele pode sim evoluir pra galinha; como Deus fez
todas as coisas perfeitas, primeiro teve que vir a galinha. Isto depõe contra Darwin, que coloca sempre uma causa
menor produzindo um efeito maior. Do menos não pode vir o mais!
A terceira prova da existência de Deus é a prova da contingência. Esta prova
mostra os conceitos de ser contingente e
ser necessário. Contingente é tudo
aquilo que existe, mas pode deixar de existir. O contingente não existia, mas
passou a existir em algum momento, mas, se não existisse, não mudaria nada Uma
casa foi construída um dia, mas, antes não existia. Ou seja, ela passou a ter a
existência que não tinha. Portanto, a existência não faz parte de sua essência.
Diferentemente de Deus, cuja essência inclui a existência, isto é Ele é um ser
necessário. Quando uma ideia (essência) de casa ganha forma (existência) pelas
mãos de um construtor, ela passa a ter existência, mas a casa em si, enquanto
ideia, já “existia” na imaginação do construtor. Assim, a casa ideada tinha
potência para existir enquanto forma, e foi preciso que o construtor – com seu
intelecto – impingisse sua qualidade de existência em ato para a casa que a
possuía apenas em potência para que a casa passasse a existir de factu, e não apenas de fictu. Então, a essência de casa foi
atualizada.
Portanto, todos os seres são contingentes, pois, um dia
passaram a existir. Isto implica que, portanto, antes de existirem em factum, existiram em fictum, ou seja, antes de terem a
existência formal, já “existiam” nalgum intelecto (já eram ideados). Logo, é
preciso que haja um Ser que tenha a existência como nota essencial e, assim,
possa idear as demais coisas por ele posteriormente criadas. Esse Ser é Deus! O
Ser Necessário cuja essência inclui a existência! Toda a ordem criada é
contingente, pois, para passarem a existir, precisaram receber a existência de
um Ser que é a existência. Nada existiria, se não houvesse o Ser necessário
sustentando todos os seres contingentes. Isto ajuda a entender o que os autores
mostram através de argumentos científicos e chamam de PROJETO INTELIGENTE. Por
isso, na página 197, eles citam Gerald Schroeder que afirma que é a ciência
moderna que tem que se acomodar à Bíblia e não o contrário.
A quarta prova da existência de Deus é de tipo
platônico: chama-se prova dos graus de
perfeição dos entes. É mais uma prova poética do que metafísica. Por
exemplo, se alguém está mais próximo de uma porta do que outra pessoa, é
preciso que existam estes três elementos: a primeira pessoa, a segunda pessoa e
a porta. Da mesma maneira, se o Rio de Janeiro é mais bonito do que Guaianases,
é preciso haver o Rio de Janeiro, Guaianases e a beleza. Assim, a primeira
pessoa está mais próxima da porta do que a outra e o Rio de Janeiro é mais belo
do que Guaianases, isto é, tem maior participação na beleza. Portanto há seres
melhores qualitativamente que outros, ou mais “perfeitos” que outros, ou
melhor, menos imperfeitos que outros. Concluindo, toda comparação de qualidades
supõe a existência da qualidade em si mesma. E, o que é muito importante aqui,
o grau de qualidade de um ser varia conforme a sua potência para receber o ato.
Deus, que é ato puro, deu suas qualidades aos seres conforme a capacidade
potencial que cada um tinha, e isto fez com que houvesse tanta diversidade
animal, vegetal etc. É fundamental ter isto em mente ao ler o capítulo oito,
pois esta conclusão apoia e embasa a explanação feita pelos autores, e prova a
existência de Deus através da observação do comportamento e das características
objetivas, concretas e visíveis das coisas criadas. Destarte, Deus fez as
coisas em com graus de qualidade variados para que nós compreendêssemos as
qualidades em si mesma! Depois da criação, as qualidades invisíveis de Deus
tornaram-se visíveis através das coisas criadas (Cf. Rm 1:20).
A quinta prova da existência de Deus vem de
Aristóteles e do aquinate mais famoso do mundo. Chama-se prova da existência de Deus pela finalidade dos entes. Ela diz que
não pode haver ordem sem ordenador. Para ilustrar esta prova, tomemos o exemplo
dado no livro A gnose de Princeton
(editora Cultrix). Imagine um jogador de billar
que precisa encaçapar a bola C batendo na bola A e tendo a bola B na frente.
Este jogador, então, pensa e calcula. Depois, bate com o taco na bola A, se
move em direção a uma parede lateral da mesa, bate em outra lateral, empurra a
bola D, que toca na bola C, que dirige-se para o interior da caçapa. Magnífica
jogada! Os autores do supracitado livro então propõem filmar esta jogada e,
posteriormente, passa-la de trás para frente. Neste segundo vídeo, o que ocorre
é a bola C saindo da caçapa, atingindo a bola D, que empurra a bola A, que bate
em duas laterais da mesa e empurra o taco, que, por fim, movimenta o braço do
jogador. Os autores, então, dizem: “Isto é impossível!”. Mas por que é
impossível? Porque todo movimento, toda mudança pressupõe um ser com intenção e
inteligência para efetuá-lo. O segundo vídeo, de trás para frente, mostra uma
bola pulando da caçapa sem que haja uma lei biológica ou um intelecto capaz de
motivar tamanha mudança. Assim, concluem os autores do livro, é claro que
existe Deus. E, deste modo, fechamos nossa exposição provando, com base na
natureza, na ordem criada, na observação do comportamento das coisas, que Deus
existe!
Ninguém inventou o meu Deus. Foi Deus quem criou tudo: o
sol, as estrelas, o mundo, os animais, as plantas, eu, você, tudo o que existe,
enfim. Ele não é apenas o meu Deus, mas também é o seu Deus, quer você o aceite
ou não. Ele é o Deus de todos, porque ele é o Único Deus. Sabe-se que toda
causa é anterior ao seu efeito. Assim sendo, por exemplo, uma planta nasce
(efeito) porque uma semente foi plantada (causa). Para uma coisa ser causa de
si mesma teria de ser anterior a si mesma. Por isso neste mundo sensível, não
há coisa alguma que seja causa de si mesma. No artigo EXISTÊNCIA DE DEUS
(http://www.montfort.org.br/cadernos/existencia.html#1) do professor Orlando
Fedeli, lemos:
"Assim, numa série
definida de causas e efeitos, o resfriado é causado pela chuva, que é causada
pela evaporação, que é causada pelo calor, que é causado pelo Sol. No mundo
sensível, as causas eficientes se concatenam às outras, formando uma série em
que umas se subordinam às outras: a primeira, causa às intermediárias e estas
causam à última. Desse modo, se for supressa uma causa, fica supresso o seu
efeito. Supressa a primeira, não haverá as intermediárias e tampouco haverá
então a última.".
"Se a série de
causas concatenadas fosse indefinida, não existiria causa eficiente primeira,
nem causas intermediárias, efeitos dela, e nada existiria. Ora, isto é
evidentemente falso, pois as coisas existem. Por conseguinte, a série de causas
eficientes tem que ser definida. Existe então uma causa primeira que tudo
causou e que não foi causada.".
"Deus é a causa
das causas não causada. Esta prova foi descoberta por Sócrates que morreu
dizendo: "Causa das causas, tem pena de mim". A negação da Causa
primeira leva à ciência materialista a contradizer a si mesma, pois ela concede
que tudo tem causa, mas nega que haja uma causa do universo.".
"O famoso físico
inglês Stephen Hawkins em sua obra "Breve História do Tempo"
reconheceu que a teoria do Big-Bang
(grande explosão que deu origem ao universo, ordenando-o e não causando
desordem, como toda explosão faz devido a Lei
da Entropia) exige um ser criador. Hawkins admitiu ainda que o universo é
feito como uma mensagem enviada para o homem. Ora, isto supõe um remetente da
mensagem...".
Geisler
e Bocchino, na p. 198, mostram a
opinião de Robert Jastrow que diz
admitir a necessidade de se crer na Bíblia,
já que as evidências astronômicas
conduzem a uma visão bíblica da origem do mundo. Diz ele: “Todos os detalhes
diferem, mas o elemento essencial dos relatos astronômico e bíblico do Gênesis
é o mesmo”.
E continua, na linha 8:
“(...) A busca dos
cientistas aos eventos passados termina no momento da criação. É um
desenvolvimento extraordinariamente estranho, inesperado por todos menos os
teólogos. Eles sempre aceitaram a palavra da Bíblia: No princípio criou Deus os céus e a terra [...] Para o cientista
que viveu pela fé no poder da razão, a história termina como um sonho ruim. Ele
escalou as montanhas da ignorância, está a ponto de conquistar o pico mais
alto. Quando chega à rocha final, é saudado por um grupo de teólogos que já
está sentado ali há séculos”.
Mas veja o que os autores da obra em
apreço vão dizer ainda na p. 198 e analise se não confere com a minha exposição
filosófica:
“Chegamos à conclusão
geral de que um Ser (Deus) não-causado, infinitamente poderoso, eterno e
inteligente existe” [l.18]
Porém, na sequência, os mesmos
autores vão dizer algo que parece repudiar o esforço filosófico como ferramenta
epistemológica:
“Isso se deu sem que
fôssemos influenciados por suposições filosóficas injustificáveis” [l. 19]
Minha intenção foi justamente
mostrar que uma boa teodiceia não só pode endossar o criacionismo (o Criador e
a criatura) como deve sempre estar presente em toda e qualquer iniciativa
científica que tenha por objetivo explicar as origens do ser humano e do cosmo.
Capítulo 11: Deus e o mal
Provamos que Deus existe, é simples, infinito, absoluto, imutável,
extemporâneo, indivisível, a Verdade, o Sumo-Bem, a Beleza, a Existência etc.
Se Deus, por definição, é o PANTOKRATOR, isto
é o TODO-PODEROSO e, como provamos, o BEM absoluto e perfeito, como explicar a
existência do mal?
RESPOSTA
Ora, se Deus é o Bem e o
Todo-poderoso, ele jamais poderia ter criado o mal. O problema é que,
geralmente, tratam o mal como se fosse um ser. Porém o mal não existe, pois na
verdade, o mal é a ausência total do bem. A primeira via de Tomás de Aquino
pode ser usada para provara isto.
Se, como vimos, há um Ser
necessário, é porque, então, há, aprioristicamente,
ao menos, um Ser. Porém, aposterioristicamente,
é truísmo que existem outros seres (ou entes, aqueles que têm o ser), como pode
ser evidenciado neste próprio ato onde eu escrevi e você está lendo; deste
modo, é evidente e, portanto, sem necessidade de prova, que eu existo e você
também, assim como muitas outras pessoas e coisas. Pois bem! Pergunta-se: nos
seres que existem, nota-se a presença do bem? Sim, é claro, pois nós mesmos
somos emissores e receptores de muitos atos de bondade, disto ninguém duvida! E
o mal, nota-se sua presença nos seres que existem? Também, pois, da mesma
forma, percebemos sua presença, por exemplo, nos atos de violência e descaso,
basta ligar a TV no noticiário do dia! Mas, se o bem e o mal existem, porque
podemos vê-los no cotidiano humano, como podemos dizer o que dissemos, no
início, que o mal não existe?!
É que o que vemos nos noticiários
policiais e tantos outros atos de violência e de maldade nada mais são do que
atos concebidos ou acalentados por mentes humanas temporária ou constantemente
esquecidas de Deus, o Sumo Bem. Pois, se, como provamos, existe Deus, e, por
definição, ele precisa ser Bom, já que, se ele não existisse e fosse sempre
bom, tudo o que vemos de bom e agradável não existiria, pois não teria sido
criado, assim também não há como Ele ter criado o mal, pois, em tese, alguma
coisa antes de ser mal em ato já era mal em potência; como Deus é o Bem em ato
e não tem potência pra mal, o mal não poderia ter vindo de Deus. Portanto o que
existem são atos de maldade e não o mal. Os atos de maldade são atos sem o bem
e não com o mal, pois os seres humanos possuem, como já vimos, o bem de modo
limitado, temporário e finito. Quando alguém comete uma maldade, é porque, naquele
momento, está sem o Bem. Por isso, devemos estar sempre meditando nas
Escrituras e aprendendo com Deus a sermos bons e termos o bem pelo maior tempo
que pudermos.
Como dizem os próprios autores no
capítulo 11, na p. 250, na l. 23, podemos considerar o mal a ausência ou a
privação daquilo que é bom...
FONTES BIBLIOGRÁFICAS
BENTO XVI, Papa, 1927. Perguntas e
respostas. Tradução de Euclides Luiz Calloni, Cleusa Margot Wosgrau -
Editora Pensamento, São Paulo, 2009. ISBN 978-85-315-1583-5.
Fedeli, Orlando - "Existência de Deus" - MONTFORT
Associação Cultural http://www.montfort.org.br/index.php?secao=cadernos&subsecao=religiao&artigo=existencia&lang=bra -
Online, 04/10/2014 às 12h30min.
GEISLER, N. & BOCCHINO, P. Fundamentos inabaláveis. Vida. São Paulo, 2003.
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