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Introdução ao Credo Apostólico
por
Humberto Casanova e Jeff Stam
O uso do Credo Apostólico
É essencial que os
crentes entendam a necessidade de confessar a sua fé (Mt 10:32; Rm
10:9). Confessamos a nossa fé no batismo, na Ceia do Senhor, ao
testificar aos incrédulos, ao dar bom testemunho na vida pública e
privada, e ao recitar o Credo no culto de adoração. Toda confissão
pública da fé deve ser feita com sinceridade, e deve vir acompanhada de
uma vida de compromisso com os valores do reino de Deus.
Até aqui todos
estamos de acordo, mas ocorre que na América Latina algumas igrejas
evangélicas não dão muito valor ao Credo Apostólico. Não se interessam
em estuda-lo, nem em confessar a sua fé através dele. Esta atitude surge
de três erros. Primeiro, as pessoas se enganam ao identificar o Credo
com a Igreja Católica Romana, crendo que é um documento inventado por
ela. Segundo, como a Igreja Católica Romana tem a prática de conferir
autoridade divina a muitos de suas tradições, então, se teme que ela
conceda tanta importância ao Credo dos apóstolos, que se lhe estime na
mesma altura que a Bíblia. Terceiro, uma boa parte da igreja evangélica
carece de consciência histórica. Se existe algum interesse pelo passado,
este se concentra no período da Igreja primitiva, a qual se pretende
chegar passando por toda a história que media entre nós e a Igreja do
livro de Atos.
Esta falta de
interesse pode ser superado se considerarmos que ao usar o Credo, o
fazemos junto com a Igreja “universal” ao longo de toda a sua história. A
Igreja vem usando, quase desde o seu começo, muito antes que existisse o
romanismo que teve a sua origem com o papado. Mas, este estudo provará
que o Credo não é mais do que um resumo do que a Bíblia ensina. Ainda
que não seja errado que uma denominação conceda a um credo caráter de
autoridade, com todos os demais cristãos sabemos que somente a Bíblia
possui autoridade final e divina. O Credo está subordinado a Palavra de
Deus. Então, é importante que os crentes percebam o quanto o Credo provê
um maravilhoso recurso para confessar os pontos principais de sua fé.
Os nomes do Credo
Por ser a confissão de fé mais popular do Cristianismo, tem-se chamado simplesmente “o Credo”. A palavra Credo é realmente o verbo com o qual começa o Credo Apostólico no latim, o qual declara: Credo in Deum Patrem . No português a mesma oração se repete: Creio em Deus Pai. Assim que o termo Credo significa apenas Creio ,
ou seja, “eu creio”, eu confesso a minha fé de forma pública (cf. 2 Co
4:13). Daí, um credo que não é outra coisa que uma forma de se confessar
as nossas crenças básicas (Mt 10:32; Rm 10:8-10).
É chamado de “Símbolo Apostólico”. Este nome foi dado quando as heresias começaram a minar a Igreja. A palavra Símbolo vem do grego, e significa: “marca distintiva, santo e sinal”. O Símbolo Apostólico se converte numa marca
da doutrina apostólica e, portanto, a marca do cristão e da Igreja
verdadeira. Rufino (falecido em 410 d.C.) disse que o Credo foi dado
como uma marca contra os falsos apóstolos, e acrescenta: “assim, os
apóstolos prescreveram esta fórmula como sinal e penhor pelo qual
reconhecer quem realmente prega verdadeiramente a Cristo, segundo a
regra apostólica.”
Também recebeu o
nome de “os doze artigos de fé”. A divisão em 12 artigos obedece à lenda
de que cada um dos 12 apóstolos escreveu um artigo. Todavia, é mais
apropriado esquecer deste título e dividir o Credo em três partes,
segundo a sua ordem trinitária.
Além do mais, lhe é
concedido o qualificativo de “Apostólico”. Foi Rufino (cerca de 307-309
d.C.) o primeiro a transmitir por escrito a lenda de que, no dia
anterior à partida para pregar a todas as nações, os apóstolos
colocaram-se em comum acordo quanto à norma de sua pregação. E foi assim
que inspirados pelo Espírito compuseram o Credo. Mas adiante Ambrósio
(bispo de Milão, 340-397 d.C.) afirmou que o número de 12 artigos
obedece ao número dos apóstolos. Finalmente, no século VI um sermão de
Pseudo-Agostinho termina afirmando que a cada apóstolo correspondeu
escrever um artigo. Esta lenda deve ser rejeitada. O Credo não é
apostólico porque foi escrito pelos apóstolos, mas por ser a sua
doutrina.
Qual a origem do Credo Apostólico?
As regras de fé ou
confissões não são uma novidade inventada pela Igreja Católica Romana,
ou no período moderno. Os judeus usavam Deuteronômio 6:4-9 como a sua
confissão de fé, e a influência deste credo (que eles chamavam o shema ),
reflete claramente no Novo Testamento (cf. Rm 3:30; 1 Co 8:4-6; Gl
3:20; Ef 4:6; 1 Tm 2:5; 3:16; 2 Tm 2:8; 1 Pe 1:21; 3:18,22). O Novo
Testamento também nos entrega uma lista de pessoas que confessaram a sua
fé: João Batista (Jo 1:29, 34), Natanael (Jo 1:49), os samaritanos (Jo
4:42), os discípulos (Jo 6:14,69; cf. Mt 14:33), Marta (Jo 11:27), Tomé
(Jo 20:28). Todavia, a confissão mais conhecida foi a que Pedro formulou
quando declarou que Jesus era “ o Cristo, o Filho do Deus vivo ” (Mt 16:16).
Por dois motivos
se fez necessário o surgimento do Credo. Primeiro, a expansão
missionária da Igreja, fez obrigatório o surgimento de uma declaração de
fé básica para instruir aos candidatos ao batismo (Mt 28:19). Segundo, a
heresia obrigou a Igreja de definir claramente a sua fé. A expansão da
fé cristã colocou a Igreja em contato com muitas culturas e filosofias
pagãs que ameaçavam introduzir-se no meio do povo de Deus. Por isto,
desde o principio percebeu-se a importância de preservar e confessar o
ensinamento dos apóstolos, o que a igreja antiga fez por meio de
confissões e credos. O perigo é denunciado claramente em Hb 4:14; 10:23;
1 Jo 2:22-23; 4:1-6,15; 5:1,5 onde se reafirma e exige confessar a fé,
ante o confronto com a heresia e/ou a perseguição.
Não sabemos quem
ou que pessoas escreveram o Credo Apostólico, mas não há dúvida de que a
sua origem remonta a tempos antiqüíssimos. Por exemplo, tão antigo como
o ano 107 d.C., Inácio (bispo de Antioquia) expunha a doutrina
verdadeira contra a heresia docética (veja mais a frente sobre a forma
trinitária do Credo). E para expor a regra de fé da Igreja usou as
seguintes palavras:
De maneira que, sejam surdos quando alguém vos fale sem Jesus Cristo,
o qual foi da linhagem de Davi,
de Maria,
quem verdadeiramente nasceu,
comeu como também bebeu,
foi verdadeiramente perseguido sob Pôncio Pilatos,
foi verdadeiramente crucificado e morreu tendo por testemunhas os céus, a terra e o que há sob a terra;
quem também verdadeiramente ressuscitou dos mortos, quando o seu Pai o levantou.
Seu Pai, a sua semelhança, a nós os que nele cremos, nos ressuscitará da mesma forma em Cristo Jesus, sem o qual não temos vida verdadeira.”
(Carta aos Tralianos, ix.1-2)
Justino (cerca de 100-165 d.C.) outro mártir antigo, disse em sua Apologia (I.61.10 ss ) que entre os cristãos no batismo se pronuncia “...em nome do Pai do universo e Deus soberano... em nome de Jesus Cristo, que foi crucificado sob Pôncio Pilatos, e em nome do Espírito Santo.” Também Irineu (bispo de Lyon, cerca de 175-195 d.C.) disse em sua obra Adversus haereses (I.x.1-2) que:
“A Igreja... recebeu dos apóstolos e seus discípulos
a fé em um Deus, Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra...
e em um Espírito Santo, o qual através dos profetas proclamou...
e no nascimento virginal,
a paixão,
e a ressurreição de entre os mortos,
e a ascensão em carne ao céu do amado Cristo Jesus, nosso Senhor,
e seu retorno do céu na glória do Pai, para recapitular toda as coisas em um
e ressuscitar toda a carne de toda a raça humana.”
Estas são amostras
de que a linguagem do Credo estava na boca da Igreja desde os tempos
antigos. Homens como Irineu (cerca 175-195 d.C.), Tertuliano (cerca
160-215 d.C.) conheceram o Credo, afirmando que procedia do tempo
apostólico. Isto é confirmado pelas versões do Credo que podem ser
vistos nos escritos de Inácio (morto cerca de 98-115 d.C.), Justino
(cerca 100-165 d.C.), Hipólito (cerca 215 d.C.), Cipriano de Cartago
(250 d.C.), Novatiano de Roma (250 d.C.), Orígenes (185-254 d.C.) e
Agostinho (400 d.C.). O Credo de Nicéia (325 d.C.) nada mais é do que
uma elaboração mais detalhada do Credo Apostólico.
O conteúdo do
Credo é inspirado diretamente na doutrina apostólica. Uma comparação
entre os textos da Escritura demonstrará que a dependência chega a
escolher até mesmo as palavras. Que a linguagem do Credo estava na boca
da Igreja primitiva é possível perceber claramente pelos textos de Rm
1:3-4; 8:34; 1 Co 15:1-4. De fato, a confissão da Igreja era
simplesmente a pregação da Igreja (cf. At 2:22-36; 3:15; 4:10;
5:30-31; 9:20; 10:36,39-40; 17:2-3,31; 18:5,28; 26:23). Por isto, tem
suficiente direito de ser chamado Apostólico. Calvino não se
preocupava em saber quem era o seu autor. Para ele o importante era que:
“o mais importante que devemos saber é que nele se encontra resumida e
de modo claro toda a história de nossa fé e que nada contêm nele que não
se possa confirmar com sólidos e firmes testemunhos da Escritura” (Institutas, II.xvi.18).
O texto do Credo Apostólico
As cópias mais
antigas que possuímos são de Rufino (em latim 390 d.C.), e a de Marcelo
(em grego, 341 d.C.). Estas duas versões são mais breves que o Credo que
conhecemos hoje. Falemos primeiro do texto de Marcelo, que foi o bispo
de Ancira (capital da Galácia). Aproximadamente nos anos 337-341 d.C.,
Marcelo escreveu uma carta ao bispo Júlio I, com o fim de provar-lhe a
sua ortodoxia. É com esta finalidade que inclui nela o que é a versão
mais antiga do Credo Apostólico. Toda a carta está em grego, sendo que
nesse tempo era a língua oficial da igreja. O Credo de Marcelo é
claramente trinitário. Todavia, a parte cristológica é muito mais ampla
que a referente ao Pai e ao Espírito. A estes três artigos trinitários
básicos, Marcelo lhes acrescenta outros. O texto mais breve de Marcelo
diz assim:
Creio em Deus todo-poderoso
E em Cristo Jesus, seu único Filho, nosso Senhor,
Concebido pelo Espírito Santo e Maria virgem,
Crucificado sob Pôncio Pilatos, e sepultado,
E ao terceiro dia ressuscitou dos mortos,
Subiu ao céu e está sentado a destra do Pai,
De onde virá para julgar aos vivos e mortos;
E no Espírito Santo,
Una Igreja santa,
O perdão dos pecados,
A ressurreição do corpo,
A vida eterna.”
No presente estudo
usaremos a versão que é conhecida hoje, e é aceita por toda a Igreja
cristã em todo o mundo, e que chamaremos de “Texto Recebido” (650 d.C.).
Nas lições usaremos referência a outras versões mais antigas, como as
de Marcelo e Rufino. Em sua divisão tradicional de 12 artigos, o Texto
Recebido declara:
1. Creio em Deus Pai Todo-poderoso, o Criador dos Céus e da terra.
2. E em Jesus Cristo, o seu único Filho, o nosso Senhor;
3. que foi concebido pelo Espírito Santo, nasceu da virgem Maria;
4. padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado;
5. desceu aos inferno, e ao terceiro dia ressuscitou dentre os mortos;
6. subiu ao céu e está assentado a direita de Deus Pai Todo-poderoso;
7. dali virá para julgar os vivos e os mortos.
8. Creio no Espírito Santo;
9. na santa Igreja católica, a comunhão dos santos;
10. o perdão dos pecados;
11. a ressurreição do corpo
12. e a vida eterna. Amém.”
A forma Trinitária do Credo
Foi o Concílio de
Nicéia (325 d.C.) que formulou uma posição conclusiva do dogma da
Trindade. E ainda que o Credo Apostólico não entra na discussão de forma
detalhada quanto a cada pessoa da Trindade, confessa a fé em um Deus
Trino. O Credo está claramente dividido em três partes: O Pai e a nossa
criação, o Filho e a nossa redenção, o Espírito Santo e a nossa
santificação. Assim, tem se dividido o seu conteúdo em 12 artigos. Deve
ser notado que a parte referida ao Filho é a mais detalhada. A metade de
seus 12 artigos está dedicada ao Filho e sua obra da redenção. Tal é a
importância de Jesus na teologia cristã como o centro de nossa salvação.
A primeira vista, pareceria que a seção que fala do Espírito Santo foi a
menos informativa, mas a verdade é que a Igreja é vista em íntima
relação com a obra do Espírito.
Desde o tempo
apostólico, a Igreja teve que lidar com falsas doutrinas, percebendo que
era urgente produzir uma declaração de fé que reprimisse o
desenvolvimento das falsas doutrinas, especialmente no que concerne a Santíssima Trindade.
Por exemplo, houve um movimento chamado arianismo (cerca 318-381 d.C.),
que afirmou que o Filho não era Deus, mas que havia sido criado pelo
Pai. Outra seita também pregava que o Filho não era Deus, mas que era
uma espécie de emanação procedente da divindade. Assim, criam que todo o
mal se encontrava no mundo material, enquanto que tudo o que era bom e
belo estava no mundo espiritual. Seguindo esta linha de pensamento,
concluíram que o Filho de Deus não poderia fazer-se homem, porque isto
lhe exigiria assumir um corpo material mal. Isto os levou a dizer que o
Filho teve um corpo que somente parecia ser um corpo físico, mas que na
realidade não era (docetismo), e disseram que o Filho possuiu um homem
comum chamado Jesus em seu batismo e depois o abandonou antes de sua
crucificação. João teve que enfrentar estas idéias (1 Jo 4:1-6,15). Foi
por isto que o Credo teve que formular a sua doutrina com base na
estrutura trinitária.
Extraído do livro de Humberto Casanova e Jeff Stam, El Credo Apostólico (Grand Rapids, Libros Desafio, 1998), pp. 14-22.
Tradução livre:
Rev. Ewerton B.Tokashiki
revtokashiki@hotmail.com
Pastor da Igreja Presbiteriana de Cerejeiras – RO.
Prof. de Teologia Sistemática no SPBC – extensão Ji-Paraná
revtokashiki@hotmail.com
Pastor da Igreja Presbiteriana de Cerejeiras – RO.
Prof. de Teologia Sistemática no SPBC – extensão Ji-Paraná
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