segunda-feira, 12 de maio de 2014

Resenha sobre a Antropologia Teológica de Ladária


 Bento XVI recebe monsenhor Ladaria Ferrer em Castel Gandolfo, dia 10 de setembro de 2008 [© Osservatore Romano]
Monsenhor Ladaria Ferrer [© Osservatore Romano]





Vejamos, antes de adentrarmos a visão antropológica-teológica de Luis Ladária, uma célere introdução, à guisa de exposição didática, aos principais conceitos da Antroplogia mediante o estudo, outrora, feito por nós, alunos de Antropologia Cultural e Teológica por ocasião da leitura do livro de Luiz Gonzaga de Mello[1]
O componente verbal pode ser analisado em três dimensões: a) do ponto de vista objetivo; b) do ponto de vista subjetivo e c) do ponto de vista da utilidade. Na teoria, há duas partes distintas a considerar:
Classe I: material experimental;
                 I a: nexo lógico;
                 I b: nexo não lógico.
Classe II:  material não experimental;
                  I a: nexo lógico;
                  I b: nexo não lógico.
Podemos ter, do ponto de vista objetivo, a teoria em si, sem levar em consideração quem a produziu ou quem as escolhe, se são úteis ou não.
Em ciências humanas, não são objetos de estudo apenas as ações concretas, mas também as verbalizações e as intenções do sujeito do estudo.
Para Pareto, a ciência deve criar teorias lógico-experimentais. Segundo ele, também, a utilização de verbalização como forma de defesa dos próprios interesses ou dos interesses de classe é uma forma de derivação. Acredita que o homem age do concreto para o abstrato e não o inverso.
Um fato comprovado é o suficiente para destruir uma teoria, pois eles não estão sujeitos às leis e às teorias científicas; ao contrário, estas devem estar baseadas nos fatos.
Nossa exposição levará em conta os três níveis de análises consideradas por Pareto: o objetivo, o subjetivo e o de utilidade.
Considere-se as contribuições greco-romanas para a formação da antropologia. De certo, ela foi gigantesca e nunca convenientemente avaliada. Além desses povos, os assírios, sumérios, babilônicos, egípcios, fenícios e hindus deram contribuição. Dos greco-romanos, Heródoto, Sócrates, Platão, Aristóteles, Hipócrates, Lucrécio, César, Tácito, Galeno e Marco Aurélio são nomes eminentes. Da Idade Média, os grandes nomes são Santo Agostinho, Avicena e Averróis. Da Idade Moderna, o grande nome foi Bacon. A verdade é que todas as épocas dão uma contribuição significativa à antropologia contemporânea. Ademais, como veremos mais a frente, a maior contribuição não poderia vir de outra ciência senão da Teologia, a rainha das ciências, que submete até mesmo a Filosofia.
Para a antropologia, os fatos mais significativos foram: grande desenvolvimento da antropologia cultural; sistematização da antropologia física e o surgimento da arqueologia e da pré-história. As variadas formulações sobre a sociedade e a cultura surgidas na Europa, nos séculos XVIII e XIX, convergem para três objetivos comuns, quais sejam: origens, idade e mudança.
O desenvolvimento da antropologia cultural deveu-se principalmente às grandes descobertas marítimas. Durante o século XVI a Europa foi invadida por escritos e crônicas a respeito dos povos, até então, desconhecidos (os chamados povos exóticos). No século XVIII, todos se lançaram à tarefa de conhecer tudo a respeito do homem, pondo em prática aquela crença de que ao homem competia traçar seus próprios caminhos. O termo antropologia em sua acepção mais ampla é claramente empregado desde o final do século XVIII. O termo etnografia é empregado no início do século XIX.
Mercier divide a Antropologia. O Período de Convergência e o Período de Construção estão dentro de um só por ele considerado “ambições”.
As variadas formulações sobre a sociedade e a cultura surgidas na Europa, nos séculos XVIII e XIX, convergem para três objetivos comuns, quais sejam: origens, idade e mudança. Outro fato importante desse período foi o surgimento de várias revistas e numerosas associações científicas.
O terceiro período foi o de Construção que é uma simples continuação do segundo. Os fenômenos assumem apenas uma intensidade mais efetiva. O número de associações que são criadas, então, cresce vertiginosamente. O que diferencia este período do anterior foi o aparecimento da obra clássica de Charles Darwin – A origem das Espécies, em 1859. Nasce então, a moderna antropologia.
Por fim, o Período de Crítica, que teve início em 1900 e se dá até hoje e que é o período mais fecundo da antropologia. Cânones foram criticados e novas abordagens propostas. Houve um avanço em ciências paralelas. Os meios de comunicação progrediram muito, permitindo assim, uma divulgação e comunicação de ideias mais eficientes. A educação foi mais democratizada. O movimento universitário cresceu. A própria antropologia passou a ser disciplina obrigatória em muitas universidades. Em suma, esse período se apresenta em ebulição. Muito se espera dos estudos nos países do Terceiro Mundo.
Os estudos antropológicos são deveras salutares para o aprendizado e a condução acadêmica na área teológica, pois dispõem para nós um ferramentário teórico e epistemológico muito rico que devem ser postos em prática no labor teológico.
            Uma vez que já recapitulamos um pouco do que aprendemos com Gonzaga de Mello e também com o professor da disciplina pertinente, a saber, Luis Guatura, passemos uma rápida biografia de Ladária, o autor do livro que estamos resenhando.
Luis Francisco Ladaria Ferrer nasceu em Manacor em 19 de abril de 1944. É um teólogo jesuíta espanhol, professor da Universidade Gregoriana de Roma e nomeado pelo papa Bento XVI secretário da Congregação para a Doutrina da Fé (a herdeira direta do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição). Foi sagrado arcebispo em 26 de julho de 2008. É uma das maiores referências teológicas da Cúria Romana. Cursou Direito pela Universidade Complutense de Madri, graduando-se em 1966. Neste mesmo ano ingressou na Companhia de Jesus. Fez seus estudos de Filosofia e Teologia na Universidade Pontifícia Comillas (Madri) e na escola de Filosofia e Teologia São Jorge, em Main, Alemanha. Emitiu os votos religiosos em 1968. Foi ordenado sacerdote no dia 25 de julho de 1973. Doutorou-se em Teologia no ano de 1975 pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, especializando-se em Antropologia Teológica. Ainda em 1975, tornou-se professor de teologia dogmática na Universidade Pontifícia Comillas. Em 1984 passou a lecionar na Universidade Gregoriana, onde foi vice-reitor (1986-1994). Entre 1992 a 1997 atuou como membro da Comissão Teológica Internacional. Desde março de 2004 é o secretário desta Comissão. Em 1995, foi nomeado consultor da Congregação para a Doutrina da Fé. Em julho de 2008 foi nomeado secretário da Congregação para Doutrina da Fé e elevado à condição de Arcebispo Titular de Tibica.
Seus livros principais, em português:

    Introdução à Antropologia Teológica, Edições Loyola, São Paulo, 1998.
    História dos dogmas 2 - O homem e sua salvação, em co-autoria, Edições Loyola, 2003.
    O Deus Vivo e Verdadeiro: o Mistério da Trindade, Edições Loyola, São Paulo, 2005.
Isto posto, resta-nos começar a nossa resenha. E o faremos com a preocupação de que o leitor nos entenda e possa, se isto for possível, ter ao alcance uma exposição da antropologia de Ladária que lhe permita conhecer o cerne da sua mensagem sem precisar sequer abrir seus livros.
Pois bem. Iniciemos pelas áreas de estudo do homem em seus diversificados aspectos. As áreas para se tratar do homem são várias: filosofia, psicologia, medicina, sociologia etc. A antropologia é uma delas. O termo “Antropologia” torna-se, em muitos casos, um termo equívoco. É evidente que a palavra nos remete ao homem, nos mostra que ele é o objeto material para se estudar Antropologia. Mas é importante enfatizar do que o homem é em sua relação com o Deus Uno e Trino revelado em Cristo. Ao mesmo tempo, indica-nos pelo menos em linhas gerais, o método que precisamos seguir para alcançar o objetivo: o estudo da revelação cristã.
Perceba que Ladária caminha de modo didático, pedagógico, mas, simultaneamente, profundo, pois, de pronto, afirma a relação homem-Deus como sendo o pilar de sustentação de toda a Antropologia. Todavia, esta abordagem, temos que ser honestos, não recebe acolhimento nas esferas acadêmicas seculares.
Mas voltemos à revelação cristã.
Jesus Cristo é, com efeito, o revelador do Pai. Quando, na teologia cristã, se fala de revelação, é Deus que se dá a conhecer. Aliás, é sempre Ele que dá o primeiro passo no relacionamento com o homem. A própria revelação cristã, que nos fala de Jesus Cristo como Filho encarnado e de nosso encontro com Ele na fé, pressupõe um conhecimento e uma experiência o que significa ser o homem um sujeito livre e responsável por si mesmo. A salvação vem pela Graça a todos, mas cabe também ao homem sua participação, seu passo em direção a Deus: a fé comprovada pelas obras.
A revelação de Deus, personificada em Jesus Cristo e que Paulo chamará de mistérion, apresenta-se a nós de formas articuladas, não simplesmente de um modo global e superficial em que não se dá a possibilidade de distinguir aspectos e pontos de vista. Pelo contrário, para ter uma visão completa do homem do ponto de vista da fé cristã, é preciso distinguir entre os aspectos fundamentais de nossa referência a Deus. Ou seja, aprioristicamente, o ser humano se define pela sua relação com Deus: todos são criaturas; se alguns se convertem a Jesus Cristo, estes mesmos passam a ser também filhos de Deus; assim, também se tornam irmãos em relação àqueles que também se tornaram filhos.
O estudo do homem do ponto de vista da revelação divina, articulado do modo que expusemos brevemente, constitui o objeto fundamental da Antropologia Teológica.
Também a Escatologia se relaciona com a Antropologia Teológica. É o estado de plenitude da humanidade agraciada por Deus. É preciso, outrossim, evidenciar os laços que ela tem com a Cristologia e a Eclesiologia.
A Antropologia Teológica, pelo menos em suas noções fundamentais, foi abordada na sistemática medieval em relação com a criação.

O Concílio Vaticano II, como se sabe, não dedicou nenhum documento expressamente ao homem. Mas também é claro que a Constituição Pastoral Gaudium et Spes sobre a Igreja no mundo contemporâneo nos oferece, sobretudo no início, uma válida síntese antropológica; com efeito, já em GS 3 somos informados de que o ponto central da exposição será “o homem considerado em sua unidade e totalidade, corpo e alma, coração e consciência, inteligência e vontade”. Ou seja, é uma celebração ao homem, mas não da mesma forma que fizeram os renascentistas humanistas da Europa pós-medieval. Estes enalteceram a liberdade humana de tal maneira que um resultado disto foi a secularização social humana, o agnosticismo e o ateísmo pós-moderno. Ao contrário, a Gaudium et Spes enaltece o homem como um hólos dependente de Deus, livre, sim, mas nas mãos do Eterno.
Contudo, o mais importante não é o tratamento da matéria antropológica restrita; pelo contrário, a própria abundância de questões a estudar pode alertar contra sínteses apressadas demais; trata-se, antes de tudo da consciência de que é possível agregar em torno do homem, como objeto fundamental, uma série de conteúdos e disciplinas teológicas ou não, até agora, dispersas. Não obstante, também, mesmo partindo dessa convicção, estudos parciais podem e devem ser realizados. Parece que, pelo menos, alguns planos de estudo de faculdades teológicas procuram unir as matérias antropológicas segundo uma certa unidade, ao lado de outros núcleos fundamentais da dogmática, núcleo cristológico-trinitário e núcleo eclesiológico-sacramental. A FAECAD, por exemplo, o faz atrelando a Antropologia Cultural à Antropologia Teológica.
Querendo fazer um breve balanço da situação concreta da antropologia como disciplina teológica hoje, partindo do programa traçado, pode-se verificar que a integração da “antropologia teológica” não é nem uniforme nem universal.
O mundo que nos circunda é também criatura de Deus, e o homem acha-se inserido neste mundo, é parte do cosmos, não está nele como um hóspede em casa estranha. O homem é uma criatura entre as criaturas, mesmo se neste mundo criado ele tenha uma evidente centralidade. É uma criatura particular, sem dúvida, mas a particularidade, embora a determine, de modo algum limita a condição de criatura. A reflexão sobre a criação, que diz respeito às noções de Deus e de homem, ajuda-nos a compreender o que somos e a contemplar uma dimensão fundamental e nossa existência, de nosso ser no mundo.
Embora o Novo Testamento (NT), à primeira vista, não mencione diretamente a noção mesma ou o fato da criação (certamente, o NT considera estabelecido que tudo foi criado por Deus), esta tem importância decisiva para se compreender o significado universal de Jesus. A mensagem dos escritores do NT a cerca do tema que nos interessa não é tanto que Deus criou tudo quanto que esse Deus criador é o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que tudo fez mediante seu filho.
Os primeiros padres escritores eclesiásticos, sobretudo os apologistas e os alexandrinos, viram a função cósmica de Cristo num sentido semelhante. Em diálogo com a mentalidade filosófica de seu tempo, esses padres consideraram o mundo algo harmônico, um cosmos, presidido pelo Lógos, a razão; por isso, o mundo não é algo caótico, mas ordenado.  Por isso os cristãos são aqueles que conhecem e seguem o Logos. A fé abre-nos, portanto, o caminho para a reta razão; na fé, descobrimos o verdadeiro sentido do mundo e das coisas.
Se Jesus Cristo nos reconciliou com Deus e somos criação Sua, Jesus Cristo é personagem sine qua non poderíamos dizer um “a” sobre antropologia. A mediação de Cristo foi afirmada no NT. Também a intervenção do Espírito logo foi realçada. Assim, por exemplo, diz Atenágoras: “afirmamos a Deus mediante cujo Verbo tudo foi feito e por cujo Espírito tudo é mantido”. Também, nos antigos concílios ecumênicos, foi ressaltada a distinção das funções. Nicéia, Constantinopla etc. A teologia dos últimos anos insistiu particularmente no nexo intrínseco entre a Trindade e a criação. Não à toa é que Ladaria também se especializou em Trinitariologia ou Teologia Trinitária.
Aliás, os interesses acadêmicos de Ladaria concentram-se em três áreas principais. Em primeiro lugar, a teologia patrística, com a sua tese doutoral El Espíritu Santo en San Hilario de Poitiers (1977), e outra obra entitulada El Espíritu en Clemente Alejandrino: estudio teológico-antropológico (1980). Em segundo lugar, a antropologia teológica, com as obras Antropología Teológica (1987), Introducción a la Antropología Teológica (1993) e Teología del pecado original y de la gracia (1993). Em terceiro lugar, a teologia trinitaria, com as publicações El Dios vivo y verdadero: el misterio de la Trinidad (1998) e La Trinidad, misterio de comunión (2002). Tem tratado de diversos outros temas em livros, artigos e conferências.[2]
Voltemos agora nossa atenção para o objeto central da antropologia teológica. “Quem é o homem, para que nele penses, e o ser humano, para que dele te ocupes?” (Sl 8,5). Já o salmista se interroga sobre a grandeza humana em sua fragilidade, o mistério e o paradoxo que impressionaram os pensadores de todos os tempos; basta mencionar Santo Agostinho e Pascal. O Concílio Vaticano II diz que a origem e a natureza do homem é uma questão não-resolvida, da qual ninguém pode escapar principalmente nos momentos mais importantes da vida (GS21). E essa questão sobre o homem não é apenas um problema ou um enigma, mas constitui também, em termos estritos, um mistério, reflexo do mistério de Deus (GS22; 1Co 15:51; Ef 3:3,4,9; 5:32; Cl 1:26,27; 4:3; Ap 17:5 e outras).
Em sua obra Introducción a la Antropología Teológica, Ladaria reconhece que a reflexão teológica sobre o ser humano necessita como base os dados e as intuições antropológicas que provêem da filosofía, da psicologia, da medicina, da sociologia, etc. Precisa que sua abordagem do tema da antropologia consiste numa contemplação destes conteúdos desde o ponto de vista do que é o ser humano na sua relação com o Deus uno e trino revelado em Cristo, através do estudo da revelação cristã.[3]
A afirmação sobre a criação do homem à imagem e semelhança de Deus encontra-se, como se sabe, no documento sacerdotal (P) (Gn 1:26-27). Contudo, o que mais foi dito na fonte javista já prepara as afirmações desses dois versículos do primeiro capítulo: o homem, formado por Deus a partir do pó da terra, recebe a vida de Deus; deve trabalhar o jardim, dá o nome aos animais que estão ao seu serviço, precisa de companhia adequada à sua condição.
A criação é um acontecimento entre Deus e o homem; o homem, cada homem, foi criado para existir em relação com Deus; nisso, consistirá sua condição de imagem (na concepção moral).
É importante recordar que, ao tratarmos do tema do pecado, estamos refletindo sobre a realidade do “homem pecador”, a qual está inserida numa história de pecado que, segundo os princípios bíblicos, tem início no princípio da humanidade (Gn 1-3) e se estende por toda a humanidade. Deste modo, a história da igreja se ocupou em marcar a sua reflexão acerca do pecado unindo-se à doutrina do “pecado original”, realçando o primeiro pecado “configurado” na história e, ao mesmo tempo, discutindo seus efeitos auferidos sobre cada ser humano. Atualmente, a doutrina do pecado original tem seu sentido mais amplo ao ser compreendido sob a ótica do princípio da solidariedade dos homens em Cristo, vendo o lado negativo e desobediente do ser humano e sua relação com a bondade misericordiosa de Deus (Graça). Esta razão, entre outras, ajuda a compreender o tema do pecado original com um acentuado aspecto teológico e cristológico, tal como com a soteriologia, ressaltando o valor histórico dos primeiros capítulos de Gênesis e a profunda relação com o aspecto salvífico oferecido por Jesus (Rm 5:12-21 – salvação vem pela graça mediante a fé justificada em Cristo e provada pelas obras (fórmula salvífica)).
Sendo assim, a descrição inicial de Gênesis nos ajuda a compreender que há “um ato pecaminoso no início que determina, de certo modo, o destino posterior dos homens; há uma espécie de concatenação de pecados e de consequências do pecado, que nos mostra que o mal não vem de Deus, mas, aprioristicamente, de Satã, e, aposterioristicamente, do homem”. Portanto, podemos concluir que “o pecado gera pecado; o homem é integralmente responsável por seu destino sobre a terra” (Luis F. LADARIA, Introdução à Antropologia Teológica, 1998, p. 87). Isto quer mostrar que o pecado primeiro que entrou no mundo expressa a força do pecado, arrastando todos os homens e alertando que cada um peca pessoalmente. Assim, à luz do pensamento de Paulo no trecho aos Romanos (5,12-21), pela desobediência de um (Adão), todos são constituídos pecadores; do mesmo modo, pela obediência de um (Cristo), todos são constituídos justos. A força do pecado (partindo de Adão) está em todos, estabelecendo-se como algo prévio em nossas opções pessoais. 
Historicamente, após as fundamentações testamentárias, a escola pelagiana – julgando Adão como um mau exemplo – será fortemente questionada por Agostinho, o qual exercerá sadia e resoluta posição frente à controvérsia herética. Tanto os apontamentos agostinianos, como os escritos paulinos, muito ajudarão os concílios (sobremaneira o de Trento) a elaborarem a doutrina do pecado original em perfeita evidência com a função salvífica de Jesus Cristo. É válido, neste sentido, lembrar que, após a crise pelagiana, Lutero será o próximo a questionar a validade do batismo e a receber a doutrina oficial do Concílio de Trento com os cânones acerca do decreto “de peccato originali”, o qual constitui a declaração magisterial de mais alto nível e mais completa sobre o assunto. 
Uma explicação terminológica! Quando se usa o termo “pecado original” é apenas uma analogia em relação ao pecado pessoal. O uso do termo “pecado” num sentido unívoco levou, no passado, a dificuldades insuperáveis, quando se quis, por exemplo, determinar em que sentido o pecado original é voluntário, sendo a voluntariedade um elemento essencial na noção de pecado pessoal. Da mesma forma, ao falarmos de pecado original, a teologia tradicional insiste em registrar a distinção entre o chamado “pecado original originante” e o “pecado original originado”. O primeiro é o pecado cometido no início da história, que deu origem ao mal em que agora vivemos e que experimentamos; o segundo são exatamente essas conseqüências negativas do pecado em nós, nossa situação de isolamento em relação a Deus que tem no pecado “originante” sua causa e seu fundamento. (cf. op.cit., p.93).
Além das diversas anotações, que muito nos ajudam a compreender que o pecado original deve ser lido sob diferentes posturas, paira uma “dúvida eterna” entre grande parte dos teólogos: “De que modo podemos compreender o pecado de Adão e como ele se reproduz?”. Sem querer uma obrigação maior sobre tal assunto, basta lembrar que, em algum momento, a história de pecado teve o seu início, e, como lembra Ladária, sua universalidade parece não admitir outra explicação do que a de situar esse momento nos inícios da história humana, permitindo-nos compreender que há um princípio da misericórdia de Deus, oferecida pela salvação deixada por Jesus. O pecado não é mais forte que Cristo! 
Por isso, a teologia do pecado original não poderá ser analisada numa visão parcial da situação da humanidade diante de Deus. Mesmo sendo difícil falar dos efeitos do pecado original, resta-nos, do ponto de vista moral, recordar que um assunto dogmático tão profundo questiona a liberdade do ser humano (fragilizada pela concupiscência), o qual se sente tolido para seguir, fácil e espontaneamente, os impulsos do Espírito. Portanto, o pecado original deve ser lido e entendido na plena visão do plano original entre Deus e a humanidade, aguardando o lugar definitivo na consumação escatológica.
A Vida e a ação de Jesus mostram, claramente, que a salvação que Ele realiza em nome de Deus não é tirar-nos de nossa humanidade, mas, antes, tirar-nos daquilo que nos impede de sermos humanos. É nesse sentido que podemos entender, por exemplos, os relatos evangélicos que narram as curas e os exorcismos operados por Jesus: são gestos salvadores que devolvem às pessoas a plena capacidade de humanidade.
Desse modo, fica mais fácil entender que a salvação não é apenas conserto da natureza corrompida pelo pecado, mas muito mais que isso, ela é dom, acréscimo, dádiva, graça, excesso, abundância. Não se trata de refazer o que o humano foi mais de dar realização plena às suas potencialidades, isto é, fazer com que o humano seja aquilo que é chamado a ser. Por isso, a salvação aponta muito mais para o futuro que para o passado, para o que podemos ser e seremos muito mais que para o que fomos.
Na teologia e no pensamento moderno, insiste-se no fato de que o homem não tem uma alma e um corpo, mas é alma e corpo. E, na medida em que ambos são corpo e alma do homem, ele é uno: essa unidade deveria ser o aspecto principal. Somente a partir dela é possível a distinção desses dois aspectos ou dimensões, momentos, nunca partes, de seu ser. O homem é corpo, ou seja, existe no espaço e no tempo, é parte deste cosmos, encaminha-se para a morte; sua alma transcende os condicionamentos deste mundo, é imortal, e, em última análise, tudo isso tem sentido porque o homem é ser para Deus, é relacionado radicalmente a Ele. Há, no homem, uma dimensão irredutível ao material e ao mundano, ontologicamente distinta da realidade corporal. A fé cristã mantém esta concepção como algo a que não se pode renunciar, porque só assim pode ter sentido a concepção do homem criado à imagem de Deus, chamado à comunhão com Deus em cristo e à conformidade com o ressuscitado.
É preciso uma nova compreensão antropológica que se baseie, inclusive, em Jesus de Nazaré, que, para a nossa fé, é revelador do ser de Deus, mas também do ser humano. Com efeito, é Jesus que nos revela o que é o humano, ou para dizer de outra maneira, o que significa ser humano neste mundo. A compreensão do ser da humanidade, neste sentido, não parte de minha experiência de humanidade, uma experiência fragmentada e incompleta, mas sim da vida de Jesus, o novo Adão, isto é, o fundador da nova humanidade e, por isso, revelador do ser humano.
O autor constata que o ser humano é, ao mesmo tempo, o destinatário da revelação e seu objeto. Deixa para a Teologia Fundamental a reflexão sobre a pessoa como destinatária da revelação, e concentra-se na questão do ser humano como seu objeto propriamente. Sublinha o texto da GS 22 que explica que Cristo, ao nos revelar o Pai e o seu amor, também revela ao ser humano o próprio ser humano e lhe dá a conhecer sua altíssima vocação. Se lhe dá a conhecer sua identidade última e mais profunda, e o fim a que está chamado: a comunhão de vida com o próprio Deus uno e trino. Pressupõe que este destino coincide fundamentalmente com o ser do humano, que o plenifica interiormente. Para Ladaria, esta revelação salvífica justifica a pretensão do cristianismo de oferecer uma visão original do ser humano desde a fé, assim como o título da disciplina “Antropologia Teológica”.[4]
Claro que a formulação antropológica da teologia deve levar em conta os avanços da ciência, sobretudo as chamadas ciências humanas, que ajudam a compreender o significado da humanidade. Hoje, existem múltiplas antropologias, isto é, formas de compreensão do significado do humano no mundo. A antropologia neoliberal, que afirma que o ser humano é o consumo, não é a única antropologia possível nos dias de hoje, e por isso pode ser questionada. Existem, também, as antropologias indígenas que afirmam que o ser humano se realiza na festa e na dança, e não no sucesso ou no consumo.
Mas o discurso antropológico da Teologia não pode ser simplesmente funcionalista ou ideológico. Tem de ser teológico, o que significa partir da Revelação. É mister colocar a questão antropológica aos pés de Jesus e dele aprender o que significa a humanidade que partilhamos. Não posso escolher uma antropologia segundo minhas convicções ou vontades pessoais, mas sim ver qual ou quais antropologias resistem à critica de Jesus.
Claro que as ciências humanas podem ajudar-nos a compreender o que Jesus nos revela sobre nossa humanidade, e assim auxiliar-nos a distinguir aquilo que constrói o humano daquilo que não o constrói. Mas o cristão não perde de vista que a Revelação, de Deus e do humano, vem de Jesus. Aqui, desnecessário dizê-lo, reside toda a importância da Cristologia: o cruzamento da história de Deus com a história humana, indicando o caminho da salvação.
E podemos então perguntar-nos se seria possível elaborar um modelo teológico e até mesmo filosófico da pessoa sem recorrer, por exemplo, ao conceito de "alma" enquanto entidade substancial dotada de "vida" própria, subsistente e independente do corpo. Da mesma forma se poderá perguntar se não será possível prescindir do conceito de "espírito", tomado no sentido igualmente substancial em oposição a matéria. Luis Ladaria reconhece que hoje "não poucas das críticas que de diversos pontos de vista são feitas à noção de 'alma' e às ideias de imortalidade, etc., que a acompanham, se devem às dificuldades suscitadas pela (noção de) 'substância espiritual', como distinta da matéria e constitutiva como esta do ser do homem. Talvez, estes problemas possam ser evitados, se procurarmos regressar à noção original de “espírito” na antropologia cristã. Com efeito, o espírito não é nem nas fontes bíblicas, nem nas fontes patrísticas, primariamente, uma substância espiritual que se distingue do corpo, mas sim aquela realidade divina por meio da qual Deus se comunica ao homem e o torna participante da sua própria vida. Mais do que à categoria de substância, faz-se referência à de relação, de encontro interpessoal, comunhão de vida, inserção em Jesus (cf. 1 Co 6:17); e isto não como algo que afeta apenas um aspecto do homem, mas sim como algo que eleva a uma outra dimensão todo o seu ser. Deus chama todo o homem e o homem todo, na criação realmente existente, à comunhão com ele por Cristo e no Espírito Santo. É evidente que esta chamada pessoal de comunhão, que o homem pode recusar, mas que nem por isso determina menos o seu ser, torna-se possível pela existência de uma determinada estrutura psicofísica (...) que foi precisamente desejada por Deus para tornar possível esta comunhão. Tenha-se além disso presente que este chamamento divino determina o substrato criatural profundo do homem, fá-lo ser aquilo que é. A transcendência do homem sobre o meramente mundano, a sua capacidade de superar os condicionalismos deste mundo, bem como a sua imortalidade derivam portanto do facto deste chamamento à comunhão com Deus como determinante do seu ser criatural. 'Alma' e ser do homem enquanto derivado deste convite de Deus à participação na sua vida, vêm por isso mesmo a coincidir. O ser pessoal do homem, pressuposta a sua constituição psicossomática, está constituído por esta possibilidade que se lhe oferece de entrar em comunhão com Deus. Porque este chamamento do Deus fiel e omnipotente sustém o homem não apenas nesta vida, mas também depois da morte, tem sentido falar da alma do homem como do seu 'eu' subsistente para além da morte; e não esqueçamos que o “eu” tem sentido com um “tu”. Vê-se claramente que, como em Ladaria, num novo modelo, relacional mais que substancial, conceitos tradicionais como o de "alma" e "espírito" adquirem significados radicalmente novos, mesmo que esses significados correspondam a um certo "regresso às origens" da teologia cristã
Quando o apóstolo dos gentios afirma que “se Cristo não ressuscitou então a nossa pregação é vazia e vazia também nossa fé” (I Cor. 15,14s), ele coloca nesta afirmação o pressuposto fundamental da fé cristã na ressurreição de Jesus. Na antropologia teológica de Ladária, dá-se a ideia de realização do reino de Deus, como cumprimento da salvação escatológica, e a esperança cristã se faz muito presente em sua obra.
É possível afirmar que a realização do homem como imagem e semelhança de Deus se dará somente na experiência da ressurreição definitiva. É no eschaton que o homem se realizará plenamente e o fundamento dessa realização é Jesus Cristo.
É visível e compreensível, o tema da salvação como realização plena da experiência de Deus no homem. O homem espera a realização de seu destino e, pela experiência humana situada no mundo, ele se percebe como natureza, destinado a Deus. É no sentido de desejo de realização humana como esperança que se pode falar do reino de Deus como esperança cristã e das promessas da parte de Deus já feitas a nossos pais na fé. O reino representa o revelar pleno da Criação e esta plenitude se dará na escatologia. É Deus quem promete, e deste modo, a esperança escatológica se apoia em Deus. A reflexão antropológica em escatologia pode se reconhecer com uma função limitada, pois tal realidade depende de Deus e não do ser humano. A antropologia constitui apenas um terreno sobre o qual se pode argumentar sobre uma esperança escatológica cristã com abordagem universalista, mas não está no poder humano satisfazer tal esperança, senão somente em Deus.
Ladaria assinala como dimensões fundamentais de nossa referência a Deus a chamada à filiação divina, à imagem da filiação divina de Jesus; e a nossa consistência própria como criaturas livres feitas à imagem e semelhança de Deus, chamados a viver em comunidade, e capazes de rechaçar ao nosso Criador e seus projetos. Daí enumera as três dimensões que compõem o tratado de antropologia teológica: a nossa criaturidade, a nossa condição de pecadores, e a nossa condição de “agraçados”.[5]
O autor expõe o desenvolvimento destas dimensões na dogmática ao longo da história da teologia, até os tempos pós-conciliares em que evoluiu o tratado de antropologia teológica como tal. Constata a importância da reflexão de Karl Rahner em clave do método transcendental para assentar as bases de uma renovação das até então diversas matérias teológicas numa unidade coerente, assim como o aprofundamento de Rahner na relação da antropologia com a cristologia. Reconhece a influência deste autor na teologia de Gaudium et Spes, que diante das perguntas antropológicas suscitadas das inquietudes do coração humano, oferece uma resposta cristológica. É à luz do Verbo encarnado, imagem do Deus invisível, que se esclarece o mistério do ser humano, o qual encontra em Cristo sua plena realização, seu paradigma de ser humano perfeito. Ladaria se declara partidário desta doutrina conciliar, mas não acriticamente, considerando que deve iluminar de modo decisivo todo o tratado da antropologia teológica porque contribui à sua consolidação de una forma unitária e completa.[6]
A mais importante contribuição que a teologia contemporânea ofereceu em vista de uma motivação e interpretação antropológica dos enunciados escatológicos foi apresentada por Karl Rahner. Para este, o que é fundamental para a escatologia é, de um lado, o caráter oculto do futuro cumprimento escatológico, de outro, a relacionalidade do homem, como ser histórico, a este futuro. A dimensão escatológica como condição de inteireza do homem como salvação, a escatologia como escatologia universal e individual, sendo sempre o homem indivíduo e ser que existe na comunidade.
Quando se fala de futuro, como certeza diante de um presente que se apresenta ao homem de forma ainda fragmentada, a solução para tal dificuldade é a pessoa de Jesus Cristo, pois nela já se faz presente ao homem a certeza do futuro salvífico e da realização humana; certeza que já é realidade legível em Jesus Cristo. Em Jesus toda humanidade se vê realizada no seu desejo e necessidade de salvação.
Nosso autor faz um passeio pelos diversos manuais e textos sobre a antropologia teológica que surgiram na esteira do Concilio Vaticano II, delineando suas respetivas estruturas e distribuições sistemáticas. Expõe a ordem seguida pela maioria dos autores na sequência seguinte: criação → pecado → graça. Mas há outros autores (como G. Colzani y L. Serenthà) que mudam esta ordem tradicional para começar com a inserção do ser humano em Cristo, quer dizer com a graça, antes de proceder com a historicidade do ser humano exposta em térmos que abrangem a teologia da criação e do pecado. Este novo esquema prioriza o nexo lógico sobre o cronológico dos acontecimentos. Ladaria reconhece que esta disposição das dimensões do tratado de antropologia teológica deixa transparecer o projeto de Deus com maior claridade, mesmo que avalia que segue menos a ordem da experiência humana e por conseguinte não facilita o diálogo com as pessoas que não partilham a fé cristã. Deixa que o tempo confirme se estas novas tentativas de renovação vão se tornar normativas, enquanto que suas próprias obras de antropologia teológica revelam sua opção para a ordem mais bem histórica de criação → pecado → graça . No entanto, na estrutura básica dos capítulos de Antropología Teológica procura deixar em claro a primazia da graça.
No seu livro Teología del pecado original y de la gracia, uma reelaboração da maior parte de Antropología Teológica, o autor constata que a maior tendência no ensino teológico tem sido a de agrupar as doutrinas da criação e do pecado numa primeira parte, para serem seguidas por um tratamento da graça numa segunda parte. Mesmo assim, ele segue mais bem o esquema novedoso (original) de J. L. Ruíz de la Peña, que trata da criação sob o título “antropologia teológica fundamental”, e do pecado e da graça sob o título “antropologia teológica especial”. O ponto de partida neste seu volume da chamada “antropologia teológica especial” é a oferta da graça de Deus, e segue-se uma consideração da resposta humana a esta oferta, seja de rechaço, seja de acolhida do dom oferecido[7] (fé) – por isto, insisto na fórmula que sistematizei: “a salvação vem pela Graça mediante a fé justificada em Cristo e provada pela fé”.
Em sua obra Introducción a la Antropología Teológica e em suas contribuições para a obra-coletânea sob a direção de B. Sesboüé, O homem e sua salvação (séculos V-XVII): antropologia cristã, Ladaria inclui um capítulo sobre a escatologia, na lógica de que uma abordagem da antropologia teológica completa-se com esta referência à plena realização do projeto de Deus sobre o ser humano e sobre o mundo.
Dentro desta ordem sistemática das dimensões que compõem o tratado de Antropologia Teológica, podemos constatar certas opções de conteúdo de parte de nosso autor em termos do desenvolvimento de alguns temas “clássicos” que outros autores apenas mencionam. Um exemplo é a controvérsia “de auxiliis”, e outro ainda é a sua exposição da linguagem tradicional sobre as diferentes “classes” de graça (sanante/elevante, criada/incriada, atual/habitual, etc.). Ladaria acentua o tema do “sobrenatural” e procura evitar os perigos desta hipótese ao insistir em chamar tal condição de “supracriatural”, como veremos a seguir. Combina o rigor no tratamento dos dados disponíveis na Tradição da teologia com o esforço de pensar novas formas de expressar os tesouros da fé cristã, numa linguagem mais adequada para os nossos tempos.
De modo geral, podemos afirmar que a postura de Ladaria diante de temas polêmicos costuma ser moderada, equilibrada. Apoiamos esta afirmação com vários exemplos. Em sua obra Antropología teológica, opta por uma síntese entre as interpretações aparentemente opostas de Von Rad e Westermann a respeito da relação entre as concepções de criação e da Aliança na fé do povo de Israel (cf. Gn 1-2). Para Von Rad a criação está subordinada à salvação que se exprime na Aliança, enquanto para Westermann ambas noções são independentes. Ladaria propõe que ambas as posições podem ser sustentadas simultaneamente, numa tensão criativa, e que podem ser vistas como duas manifestações distintas, mas relacionadas da ação de Deus.[8]
Nosso autor expõe a discussão escolástica sobre os motivos da encarnação, apresentando as vantagens e as limitações das respectivas escolas tomista e scotista. Situa a questão em termos da relevância que Jesus tem para nós, em lugar de numa investigação sobre os planos ocultos de Deus. Vê conveniente que se procure recolher o melhor de ambas as posturas, para chegarmos a uma compreensão correta do papel de Cristo na criação e na salvação, ordens que estão radicalmente unidas[9].
Sua apresentação da controvérsia “de auxiliis” também é equilibrada. Expõe ambos os lados da disputa, chegando a identificar o problema de fundo como o próprio modo em que tanto os dominicanos como os jesuítas apresentavam a questão. Em seus esquemas simplistas, tendiam a colocar Deus e o ser humano praticamente no mesmo nível, fazendo suas respectivas ações efetivamente concorrentes. Ladaria propõe que afirmemos tanto a primazia de Deus como a liberdade humana[10].
Ao tratar do tema do sobrenatural, o autor logra dar uma explicação lúcida de um tema complexo e controvertido, apresentando seu desenvolvimento na história assim como na reflexão de alguns teólogos contemporâneos a respeito; por exemplo, o “existencial sobrenatural” de K. Rahner. O balanço de Ladaria representa um esforço de tradução da linguagem de diversos séculos em termos mais compreensíveis para os tempos atuais. Demonstra a tensão entre a necessidade de salvar a gratuidade da salvação e certas dificuldades que surgem com a hipótese abstrata de “natureza”, resgatando elementos que ele considera valiosos através de seu próprio neologismo “supracriatural”[11].
A respeito do tema das relações entre a Antropologia e a Cristologia, nosso autor apresenta as respectivas perspectivas dos autores K. Barth, K. Rahner, W. Kasper y W. Pannenberg. Toma distância da tendência de Barth de dissolver a Antropologia na Cristologia. Sua própria síntese recolhe as luzes de Rahner e as complementa com as intuições de Kasper e Pannenberg. É receptivo ao princípio rahneriano de que a Cristologia é o começo e o fim da Antropologia, como temos visto a propósito da teologia conciliar. Afirma que a aparição de Cristo desvela o sentido da Antropologia e que efetivamente julga as pessoas, de acordo com a sua acolhida ou não dele (fé)[12].
Estas breves reflexões deixam transparecer um teólogo fiel ao ensino da Igreja e a sua docência, sólido, rigoroso e ao mesmo tempo especulativo, em busca de novas formas de comunicação da fé. Procura as metodologias que mais conduzem a este objetivo. Seus balanços e sínteses, depois de examinar os diversos lados de um debate, são bem ponderados e fundamentados.
Recentes desenvolvimentos em biologia e nas ciências cognitivas têm trazido para o domínio de estudo das ciências naturais questões que, até a bem pouco tempo, eram consideradas específicas dos domínios filosófico e científico. Trata-se das questões em volta da alma, da mente, do espírito, da consciência, etc. Até que ponto uma "naturalização" da análise destas questões põe em causa a antropologia tradicional de raiz aristotélico-tomista? O presente estudo afirma que uma tal "naturalização" corresponde à emergência de um novo paradigma, no interior do qual aqueles conceitos adquirem novos significados, já não específicos apenas da filosofia e da teologia. Por outro lado, uma tal análise não só não põe em causa outros conceitos como o de imortalidade do ser humano, mas, pelo contrário, os afirma de um modo mais adequado ao atual contexto cultural.
Ladaria reconhece que a verdade mais profunda sobre o ser humano se diz desde a oferta da amizade original com Deus, desde a chamada a entrar em comunhão com o Pai, através do Verbo encarnado, no Espírito. Interpreta o pecado original em termos da ruptura desta amizade, e a graça em termos da nova relação com Deus, que é a filiação divina.
Tem o interesse não somente de esclarecer a fé para os próprios cristãos, mas também preocupa-se pelo diálogo com as pessoas que não partilham a fé cristã. Suas aclarações sobre o ser humano enriquecem a especulação contemporânea de índole antropológica e têm a capacidade de estender pontes às filosofias personalistas e a outros campos de reflexão das ciências humanas.
Mesmo assim, parece que a antropologia de Ladaria fica no plano do ser humano “universal”, “ocidental”, um tanto abstrato. Não chega a particularidades como o condicionamento existencial da realidade da pobreza, nem investiga a relação entre a revelação de Cristo pobre e humilde e uma antropologia do pobre. Temos que recorrer a outros autores, como Jon Sobrino, em busca desta perspectiva.
Por fim, ao menos, duas perguntas precisam ser respondidas sempre: a) No contexto do diálogo interreligioso, é melhor uma abordagem antropológica desde a experiência da nossa criaturidade, ou partir da primazia da Graça?, b) Sendo a Cristologia o começo e o fim da Antropologia, de que maneira a Revelação de Cristo pobre e humilde ilumina a elaboração de uma antropologia do pobre?



REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

LADARIA, Luis. Introdução à Antropologia Teológica. Edições Loyola.
______. Antropología teológica. Madrid: UPCM, 1987.
______. Introducción a la antropología teológica. Estella (Navarra): Verbo Divino, 1996.
______. Teología del pecado original y de la gracia: antropología teológica especial. Madrid: BAC, 2001.
______. “A criação do céu e da terra”; “O homem criado à imagem de Deus”; “Natural e sobrenatural”; “Fim do homem e fim dos tempos”. Em: SESBOÜÉ, B., LADARIA, L., GROSSI, V., LÉCRIVAIN P. O homem e sua salvação (séculos V-XVII): antropologia cristã. História dos dogmas, tomo 2. São Paulo: Loyola, 2003.
MELLO, Luiz Gonzaga de. Antropologia Cultural: Iniciação, Teoria e Temas. 17ª edição. Petrópolis, Editora Vozes, 2009, págs. 171-197.


[1] Mello, Luiz Gonzaga de. Antropologia Cultural: Iniciação, Teoria e Temas. Vozes. Petrópolis, 19ª edição, 2011[1982].
[3] Cf. L. LADARIA, Introducción a la antropología teológica. Estella (Navarra): Verbo Divino, 1996, p. 9-11.
[4] Cf. ibid., p. 9-11.
[5] Cf. ibid., p. 11-15.
[6] Cf. ibid., p. 15-32.
[7] Cf. L. LADARIA, Teología del pecado original y de la gracia. Madrid: BAC, 2001, p. xv-xviii.
[8] Cf. L. LADARIA, Antropología Teológica. Madrid: UPCM, 1987, p. 10-15.
[9] Cf. ibid., p. 29-31.
[10] Cf. ibid., p. 77-82.
[11] Cf. ibid., p. 141-170.
[12] Cf. L. LADARIA, Introducción a la antropología teológica, p. 70-79.

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